O quarto era simples, uma alcova qualquer de um hotel qualquer de beira de estrada. Uma só janela, um pequeno espaço conjugado em um dos cantos, destinado às necessidades e ao banho. Pouca mobília: uma cama, uma mesa de cabeceira e uma escrivaninha. Ao lado da cama, sentado na cadeira que havia arrastado da escrivaninha, Umberto apontava uma arma de fogo para a altura das têmporas. Estava imerso em tumultuados pensamentos de autodestruição pelo fato de não atingir seus sonhos e de não se sentir útil e confortável no mundo. Seu ego ignorava, ou fingia deliberadamente ignorar, que metade da humanidade compartilhava de tais sentimentos mórbidos projetados pelas pressões das convenções sociais, pela obrigação de se adequar a todo custo ao politicamente correto, às amarras do que é “certo” determinadamente.
O fato foi que, num repente, Umberto abaixou a arma e retirou as balas, deixando apenas uma à semelhança da roleta russa; voltou a posicioná-la frente às têmporas e apertou o gatilho… a morte havia prorrogado sua vida, o estalo baixo denunciou a falta de munição.
Pensou na família, mas ninguém parecia lhe interessar a persuasão de continuar a viver. Apertou novamente o gatilho… a sorte havia sorrido pela segunda vez, faltou a bala. No silêncio do quarto pensou em Anise, flor dos seus sonhos, razão dos seus escritos, motivo dos seus sorrisos e pensamentos apoteóticos. Pensou mais um pouco e percebeu que a morte sem ela seria solitária demais, nenhuma companhia era melhor do que a do calor do corpo de Anise, muito menos a dos vermes da terra.
Então abaixou a arma uma última vez, levantou-se e guardou-a na gaveta da mesa de cabeceira. Deitou na cama e, depois de muito chorar, adormeceu.
“ Estava vivo” .
Por CARLOS DANTAS