CONTOS E MINICONTOS – Agonia moderna por Edih Longo

CONTOS E MINICONTOS – Agonia moderna por Edih Longo

 Estou há dez minutos ouvindo a Für Elise de Beethoven e ninguém me atende. Se os descendentes dele soubessem que a música é fartamente distribuída entre os entregadores de gás no Brasil… E daí?! Perguntar-me-ão vocês. Já é de domínio público. Isso que dá ter tempo de sobra para pensar… Ah, finalmente uma voz humana! Mas, é uma…
 —Para conta corrente digite 1.
 …
 —Para comunicar a perda de seu cartão de crédito digite 2.
 …
 —Ou de débito digite 3.
 …
 —Agora digite pausadamente o número de sua conta.
 …
 —Se for corrente digite 1.
 …
 —Se for poupança digite 2.
 …
 ─Se for para aplicação digite 3.
 …
 —Agora digite pausadamente o número do seu código de acesso.
 …
 —Para sua segurança, a sua ligação está sendo gravada.
 …
 —Anote o número do protocolo gerado por essa operação: (201506285664255)

 Aqui se faz necessária uma observação: claro que não consegui marcar o tal número, pois não tinha nenhum papel à vista e pela extensão do próprio nem me dei ao trabalho de procurar. Afinal, isso não tem que ser gravado para minha segurança? Então…

 —Agora diga uma palavra-chave sobre o seu problema.

 Eu quero fazer uma aplicação na caderneta de poupança.

 —Esta frase é muito grande. E a sr ͣ. vai perder dinheiro. Diga outra.

 Como assim, vou perder dinheiro?

 ─ Esta também não está dando a conexão. Ora, ninguém mais aplica em poupança, minha sr ͣ.! A remuneração está muito baixa.

 Mas eu quero aplicar na caderneta de poupança.

 —Escolha outra opção que rende mais juros… Tesouro Direto ou Fundo de Investimentos.

 Mas o dinheiro é de quem, idiota?

 —Ah, é? Dane-se! Volte para o Menu Inicial.

 Não! Vai começar tudo de novo. Eu quero falar com um dos operadores, pelo amor de Deus. Não quero mais falar com uma máquina. Quero dizer, estou com os dedos cansados e com câimbras de tanto digitar e, agora não quero mais falar com você. Quero falar com o Ombudsman, entendeu?

 —Desculpe, sr ͣ., mas aqui não é da rodoviária e, portanto, não temos ônibus, então… Posso estar fazendo mais alguma coisa pela senhora?

 Já que não é da Rodoviária, meu bem, dá para me ligar com o Ouvidor?

 —Desculpe outra vez, mas também não é do otorrino. Está com dor de Ouvido, é?

 Meu Deus, socorro! Chame minha Gerente da conta. Vou ter um enfarto.

 —Mas, ela não é cardiologista, senhora!

 Apenas me escute. Vou falar pausadamente. Sou uma cliente do Banco e quero falar com a Gerente da minha conta que é poupança e não quero investir em mais nada.

 —Calma, estou entendendo perfeitamente a sua necessidade, mas tenha calma, sim?

 —Meu Deus, agora você tem a ousadia de me dar conselhos? Puta que a pariu! Pelo contrário, resolvi retirar tudo o que tenho porque a inflação está engolindo o país e tenho contas a pagar, entendeu? Vou mudar de Banco. Que Hospício!

 — [coitada! Agora está explicado. Ela é louca!] Alô, senhora? Olhe, vou estar falando também pausadamente, viu? Não se estresse. Obrigada pela ligação. Ela está sendo muito importante para nós. Agora a senhora precisa estar esperando mais um pouco, pois estarei transferindo a sua preciosa ligação para a sua Gerente. Espero que a senhora esteja tendo um bom dia. [Ainda bem que isso está sendo gravado. Será que eu deveria estar tomando alguma providência? Uma ambulância, talvez…]

 Fumegando, desliguei. Tomei um copo de água com açúcar e esperei a pressão voltar ao normal. Bem, depois de quinze minutos, liguei novamente para o Banco. Diretamente para o Ombudsman ou Ouvidor, como queiram. Registrei a minha indignação por apenas falar com máquinas e pedi para falar com um dos Operadores ou com a minha Gerente da conta. Pela impostação que coloquei na voz, e a tenho bem grave, finalmente, consegui falar com uma pessoa, com uma gente, com um humano.

 A estas alturas até um E.T servia. Bravíssima para não falar outra palavra, depois de mais cinco minutos, fui atendida por uma moça que…

 —Bom dia, com quem estarei falando? No que posso estar lhe ajudando?

 Aí, minha voz explodiu de corpo inteiro, com direito, inclusive ao travessão.

 —Meu bem, você “estará falando” com alguém que não estará com paciência para aguentar; depois de quinze minutos de “estar ouvindo” uma máquina idiota, “estar ficando agora falando” com um ser humano que não sabe falar a própria língua. Quero, portanto, “estar falando” com a Gerente da minha conta, entendeu? E já! Sem quaisquer pausas.

 — [Meu Deus, me ajudai, Senhor! É a mesma louca. Tenho que mudar o procedimento, está escrito aqui no livrinho do curso. Acho que se eu falar mais rápido, ela entenderá melhor] olhe, senhora, obrigada pela ligação. Ela está sendo muito importante para nós. Agora a sr ͣ. precisa estar esperando mais um pouco, pois estarei transferindo a sua preciosa ligação para a sua Gerente. Espero que a sr ͣ. esteja tendo um bom dia. Posso, por gentileza, estar fazendo mais…

 Não! Claro, desliguei na cara. Dei-me ao trabalho de descer do meu apartamento, entrar no carro e disparar para a agência bancária. Agora, definitivamente, eu acho que ela “estaria tirando” um sarro da minha senhoria. De onde os brasileiros atuais herdaram esses malditos gerúndios precedidos do verbo estar? Lembrei-me de Carlitos nos “Tempos Modernos”.

 Ah, seu pudesse entrar pelo fiozinho do telefone… Sairia por aí apertando mil botões com um alicate, começando pelos bicos dos seios desta mocinha gerúndica (desculpem o neologismo). Estava disposta a dar uma aula da Língua Portuguesa para os funcionários do marketing. Agora procuraria minha gerente e lhe apresentaria minha proposta. Afinal, sou uma professora da língua e a falo muito bem.

 E ainda tenho que me desafogar da raiva que sinto do idiota que, anônimo e covarde, atacou-me sobre uma crônica que escrevi para um jornal. Só que fiz isso assinando meu artigo, mas ele me atacou valendo-se das famosas redes sociais e ainda usando os tais gerúndios.

 Vemos nossas vidas especuladas e esculachadas como se não valessem nada mais. E as críticas correm céleres como jovens maratonistas. E, vemos nosso livre-arbítrio e opiniões, escorregarem lixo afora. Hoje nem esperamos pelo final dos filmes para sabermos que tudo era mentirinha e que tudo acabava bem, pois até esse encanto mágico nos foi tirado. Vemos guerra ao vivo e em cores.

 E o pior, vemos todos os dias vários holocaustos que nos jogam na cara seus mecanismos de horrores. Quer holocausto maior do que a vida virtual que está nos afogando? Daqui a pouco nasceremos apenas amebas que virão via cibernética. Aí, não teremos nem mais impressões digitais – nossa principal marca pessoal.

 E aí, Chaplin? Você “estaria suportando” esta agonia moderna?

Por EDIH LONGO

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