CONTOS E MINICONTOS – Desafiando o sistema por Ladylene Aparecida

CONTOS E MINICONTOS – Desafiando o sistema por Ladylene Aparecida

(CONTINUA…)

 Ela saiu dizendo que iria preparar minha defesa.
 Aquela noite, em minha jaula, eu rezei não para Deus, pois a tempo não acreditava mais nele, mais sim
para senhora Morte, pois essa me ouviria.
 “Saudades daquele semblante sereno. Ah senhora Morte! espero que possa me ouvir…”
 Chegou o dia do julgamento, por mais absurdo que pareça, estava calma, tinha aceitado o meu destino.
Jornalistas e populares por todo lado. Minha advogada me pediu para falar com a imprensa.
 “Precisa de apoio popular.” Dizia ela.
 Respondi que não.
 Não estava ali para ganhar simpatia de ninguém. Só queria a oportunidade de contar a minha história
para o grande júri. Ela assentiu e entramos para o tribunal. Lá estava ela, minha progenitora, toda vestida de
preto, a bela viúva inconsolável, outra vez me chamou de assassina e amaldiçoou meu nascimento, só pude
sentir pena daquela pobre alma…
 Começou o julgamento…
 Acusação atrás de acusação, o juiz era um homem, um poderoso homem do patriarcado, ele não
me daria uma oportunidade de defesa. Meus professores falaram que sempre fui péssima aluna, mesmo
minhas notas sendo acima da média, minhas colegas de classe me chamavam de estranha, como a menina
do filme, mas sem os poderes é claro. Os médicos que cuidaram de mim, disseram que tinham recomendado
um psiquiatra. Seguiram-se horas de julgamento, até me sentar no banco dos réus, era minha vez de falar,
finalmente poderia contar a minha história, a minha versão da verdade, então contei.
 Contei como meu pai adoeceu de tanto desgosto, quando descobriu que sua amada o traia com outro
homem.
 Contei de como ela me batia, só porque não tinha nada melhor para fazer.
 Contei que todas as noites seu amante ia até o meu quarto e me estuprava, seguidas vezes, que tapava
minha boca, para não gritar:
 “Mamãe não pode acordar, minha princesinha” ele dizia.
 “Você é uma boa menina” ele sorria.
 “você é a mocinha do papai…”
 “Esse será o nosso segredinho” sua voz rouca e perversa em meus ouvidos.
 Contei que foi assim durantes várias noites, dias, meses. Angústia e medo.
 Contei que tomei a coragem necessária para contar para minha querida mãezinha o que estava acontecendo
e para minha surpresa, ela me chamou de mentirosa, me esbofeteou a cara e, com um fio de telefone,
dilacerou minhas costas. Eu tirei a camisa e mostrei as marcas de seu crime. Foi um alvoroço no recinto,
alguns desmaiavam, outros gritavam calúnias, os jornalistas registravam tudo e o furioso juiz pedia silêncio
batendo o seu martelo na mesa. Depois de finalmente tudo se acalmar, meus pulsos pararam em um par de
algemas. O grande júri deliberou. O poderoso juiz do patriarcado foi ler a sentença. Porém, ele antes, não
podia deixar de dar o seu sermão, me acusou de mentirosa e louca, disse que se estivesse em seu poder, me
condenaria à morte por tanta blasfêmia…
 Por fim a sentença, passar o resto da vida em uma clínica de loucos, trancafiada 24 horas, sem direito
a visitas, sem direito a nada. O grande juiz bateu o seu martelo da justiça.
 Pergunto-me a justiça de quem?
 A Senhora Justiça se mostrou mais uma vez cega!
Mas uma vez tratada como um animal raivoso em uma jaula! Contudo, estava aliviada. Consegui, mesmo que
um pouco, desestruturar o sistema, o patriarcado sentiu a força e a coragem da mudança!
A senhora Morte, se me visse agora, teria orgulho de mim!
 Eu sorri, eu gargalhei, a missão que me foi dada foi cumprida, eu consegui.
 Ali sentada na parte de trás daquela ambulância, presa por um par de algemas, eu gargalhei, eu já
podia imaginar as manchetes:
 “Extra, extra a jovem que desafiou o patriarcado, mesmo com razão foi trancafiada.”
 E ali sentada, algemada, ouvi a doce voz da senhora Morte:
 “Está pronta pra ir?”
 “Como já mais estive senhora Morte.”
 Então mais uma vez ela toca minhas mãos, e estou mais uma vez sobre a ponte, livre de todas as
amarras e algemas, eu estava livre e em paz…

Fim.

Por LADYLENE APARECIDA

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