CONTOS E MINICONTOS – Isaltina por Marli Marinho

CONTOS E MINICONTOS – Isaltina por Marli Marinho

Depois de tanta ladainha por conta da bendita camisola, não a recebeu de presente da Gringa? Dona Blanch a chamou no quarto e lhe deu uma sacola de tecido grosso apontando alguns pacotes e dizendo que a camisola não caberia mais na sua mala. Com suas bochechas rosadas, deu-lhe um meio abraço e voltou à arrumação. Tina agradeceu sorrindo e saiu do quarto segurando a sacola. Franziu a testa ao lembrar dona Arlete, recomendando mil vezes que ela lavasse aquela roupa com delicadeza!

_ Cuidado ao estender, Tina! Olha os bordados… O tecido fino!

            Dona Arlete reclamando das rendas os laços! Era empregada de quem afinal? Tinha culpa das vacas magras, do escritório não estar dando certo e ela resolver fazer daquela casa um albergue de luxo com nome Chic?  Entrou correndo no seu quartinho no fim da área de serviço e apertou a maçaneta com força. Surpresa viu que no pacote a camisola estava dobrada com jeitinho e havia uma lata de pó perfumado e um pompom! Será que a Americana percebeu que dois dias atrás quando arrumava o banheiro, abriu a nécessaire onde estava aquela lata decorada e cheirosa?

– Hum! Na terra deles isso não deve custar nada…

Sorriu de volta cheirando a lata! Era caro, sabia.

Dia seguinte, a hóspede em retirada, finalizava a arrumação do quarto para a reserva da tarde. No vão da cama larga ficou um livro e uma revista de moda, em inglês. O livro tinha um título bastante interessante e uma mulher surfista na capa.

Hum! Falou voz alta sem perceber: – Coisa boa!

Chegado os dias de sua folga, jeans e camiseta. Tomou o rumo de casa! Subida do elevado, subida da Ponte, descida, engarrafamento… Chegou ao Morro. Na entrada principal, próximo ao ponto do Bicho, deu uma passada na venda da Cléia para pegar sua encomenda de queijo Canastra com o Mineiro. Na entrada da vila de casas altas, Katinha brigando com os filhos gêmeos, como sempre… Tudo normal! Abriu a porta da sua kitnet, abriu a casa: A paisagem de sempre na Janela. Iria fazer café. Sentou no sofazinho de couro da entrada, afastou almofadas, mexeu na bolsa e pegou o livro. A moça bonita numa prancha de Surf, o mar!

Adormeceu? De repente era noite. Ela ali!

Luzes acesas na vila. Um cão latindo na noite, bem longe. Ligou a TV e foi tomar uma ducha demorada. Saiu leve segurando a bela toalha azul e touca combinadas. Entrou no quarto acalorado, ligou seu ar condicionado e abrindo o pacote, estendeu a camisola comprida com rendas e bordados na sua enorme cama. Que bonita! Alisou com as mãos e sorriu. Desfez as duas tranças do cabelo ajeitou com o pente de cabo largo. Voltou à sala, desligou a TV e deixou o celular na gravação onde Ella Fitzgerald fazia a vez… Adorava! Iria trançar o cabelo novamente, mas resolveu sentar na cadeira decorada, em frente ao enorme espelho do quarto e por ali visualizando sua cama ficou namorando aquela peça estendida por um tempo… Fez um coque demorado sussurrando Summertime, canção antiga que povoava seus sonhos. Vestiu a camisola com calma e percebeu que os laçarotes da barra faziam a combinação mais linda com seu tom de pele! Passou as mãos pelos braços e girando os dedos ensaiou uma quase dança! De súbito, ficou séria olhando fixo no espelho: Faltava algo! Correu na bolsa grande na sala pegando livro e revista remexendo tudo lá dentro! Na cozinha, abriu com cuidado a geladeira que namorou um ano! Tirou sua garrafa. Ainda tinha um bom Porto! Abrindo a porta do armário de madeira, em cima da pia, pegou uma taça de Natais distantes e falou em alta voz – Perfeito! No prato de sobremesa partiu um pedaço generoso do Canastra e rumou para o quarto: Acendeu a meia luz e desligando o ar, abriu as janelas, afastando as persianas panorâmicas. O luar em cima de seu telhado era todo para si!

Seu corpo, magro e alto, delineado pelo trabalho duro se rendia aquele encanto suavemente! As maçãs salientes do seu rosto e imensos olhos negros celebravam o momento com graça! Girou a taça nas mãos fazendo dedinho Olhou uma revista e um livro na cama. O que faltava? A vila em silêncio, as crianças dormiam, com certeza!

– A caixa perfumada! Largou a bebida e correu! Esqueceu-se do coque, livro e camisola delicada! Na penumbra da sala remexendo na bolsa mais uma vez, virou todo conteúdo no sofazinho e viu rolar a lata estrangeira do pó mágico. Pegou!  Estava fechada. Beijou- a.

Diante da paisagem imensa, na meia penumbra do morro, avistando ao longe o mar aberto e o bairro nobre de onde tirava seu sustento, revivida pelo luar e com sua taça de Porto ao lado, Isaltina Viana liberou aquele perfume em pó sobre si, com o mesmo refino que vira por anos as patroas fazerem. Conhecia as coisas boas da vida, mas aprendera a se permitir com gosto aquilo que lhe agradasse. Era boa nisso, afinal, sua mãe dizia que tudo nela era especial.

Deitada, rolou na cama com seu material de leitura…

Que maravilha a vida!

Segurou sua taça, sorvendo a bebida, olhou ao redor de sua kitnet, seu espaço.

Sua paz. Agradeceu por tudo!

Mais tarde, desperta, reclinou-se em lençóis de linho e algodão para dar continuidade à leitura do livro em Inglês. Alguns se surpreenderiam com ela, talvez. Seguia reservada ao máximo!

Afinal, fazia muito tempo, muito tempo mesmo, que sua vida só pertencia a si mesma.

Por MARLI MARINHO

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