CONTOS E MINICONTOS – Mácula social por Fagner Rocha

CONTOS E MINICONTOS – Mácula social por Fagner Rocha

            Os primeiros sinais eram como explosões de violência por qualquer coisa besta. Um olhar de canto de olho, um esbarrão acidental, e pronto, a selvageria que estava escondida brotava. As pessoas usavam desculpas esdrúxulas para justificar suas ações: classe social, cor da pele, gênero, religião, até política – tudo virava motivo para as piores crueldades.

            A parte que mais me intriga é como a gente não viu isso chegando.

            Foi lá pra meados de outubro, no meio daquela bagunça de eleições. Eu e a patroa tínhamos achado um canto na beira da praia, um apartamentinho alugado. O calor estava insuportável, aí resolvemos ir atrás de uma cerveja gelada e fomos parar num quiosque na praia, cheio de gente. Na mesa do lado, tinha um bando de marmanjo discutindo voto. Um tava se fazendo de isentão, gritando, enquanto os outros tavam em lados opostos na política. A coisa esquentou tanto que parou de fazer sentido, virou um monte de palavrão e xingamento. Geral ficou só olhando, os três se xingando até que um doido, do nada, jogou uma garrafa num dos caras. Aí o negócio explodiu, briga generalizada. A gente saiu de perto, mas ainda deu pra ver a treta toda. Teve até tiros, e todo mundo saiu correndo. A gente achou um lugar seguro numa lanchonete ali perto.

            Pouco depois que a gente saiu, voltou lá pra ver o estrago. Três caras no chão, um deles gemendo de dor. Era o tal isento. Tava todo mundo ali olhando, preocupados. E aí, sem aviso, dois dos caras que tavam caídos, começaram tremer e levantaram do nada, partiram pra cima de todo mundo, chutando, socando e até mordendo. Virou um inferno. A gente saiu correndo pro apartamento, eu nem pensei, só empurrei um móvel pesado contra a porta e tranquei.

            A internet tava cheia de notícia de surtos e assassinatos. A gente viu em várias fontes, isso tava rolando no mundo todo. Segundo os relatos, depois dessas convulsões, alguns simplesmente ficavam mortos. Mas a maioria voltava à ativa com um ódio insano. Já se passaram três dias desse pesadelo, o sistema todo foi pro saco. Da sacada, dá pra ver a cidade toda em caos.

            Preciso sair daqui, minha mulher não para de gritar com voz estranha, eu tive que trancar ela no quarto, depois que ela voltou dos espasmos. Tá tentando arrombar a porta já tem um tempo.

            Eu ainda tô tentando entender como a gente não percebeu isso chegando. Parece que alguma coisa nos cegou, ou a gente simplesmente não deu a mínima.

Por FAGNER ROCHA

 

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