Um amigo e eu apreciávamos a beleza de um prédio na melhor avenida da megalópole. Após uma conversa na calçada, ingressamos em uma cafeteria em frente à construção.
Eu acabava de me mudar, tendo começado a vida de pesquisador, após terminar meu Doutorado. Aulas, pesquisas, tudo era confuso.
À medida em que a animada conversa prosseguia, sempre em torno ao prédio, notei que uma bela jovem da mesa ao lado, ia ficando mais e mais constrangida.
Interrompi a conversa, me levantei e pedi licença à vizinha. Apenas de perto pude notar que se tratava de uma beleza ímpar. Perguntei se nossa conversa a incomodava. A resposta veio com um titubeio na voz:
— Não… de forma alguma, nem reparei… podem continuar…
Desanimado, voltei à minha mesa, sem assunto. Meu amigo tentou retomar a conversa sobre o edifício, sem receptividade, e perguntou:
—Estávamos conversando, nunca vimos um prédio tão bacana como esse, e de repente você ficou mudo…
— Não é nada disso, deixe de ser chato, apenas… já esgotei o assunto.
Meu amigo iria explodir. Mas, era um dia de surpresas, a vizinha veio em meu socorro:
— A culpa é minha. Ao perguntar pelo motivo de minha reação ante a conversa de vocês, eu não falei nada, desencorajando a conversa.
Fiquei gelado, preferindo não falar mais, ao aguardo da resposta à pergunta que havia feito, que veio logo:
— Eu conheço pessoas envolvidas no projeto, e fiquei feliz com os elogios que vocês faziam à construção.
Ela aceitou o convite para vir à nossa mesa, que fiz com um gesto da mão. As apresentações foram feitas, o nome dela era Paula. A conversa fluiu. Até meu amigo – que é meio desajeitado no trato com as mulheres – não atrapalhou muito.
Trocamos nossos contatos. Perdi o sono, na expectativa de sua primeira chamada. Ao longo das próximas semanas nos falamos pelas redes sociais. Um mês depois, fiz o convite para voltarmos àquele café. Depois de algumas bobagens, falei:
— Nada consegue tirar da minha cabeça que aquela conversa sobre esse prédio estava incomodando você…
Ela respondeu de forma hesitante:
— Bem… eu apenas conheço pessoas envolvidas no projeto…
Dado que essa informação já era conhecida, larguei minha curiosidade para não tornar a incomodar:
— Deve ser interessante ter contato com arquitetos tão capacitados. Paula desviou os olhos. Percebi que precisava mudar o assunto para evitar qualquer decepção. Falamos de tudo. Continuei sem entender o motivo pelo qual ela não queria falar sobre a construção ao lado. De qualquer forma, se Paula não quisesse mais falar do edifício, por mim não havia o menor problema: a companhia dela era fantástica.
Em um novo encontro, ao nos despedirmos, ela perguntou se eu teria uns momentos livres. Gesticulei que sim. Ela me puxou pelo braço, fez-me atravessar a rua e adentramos pela portaria do prédio. Senti um calafrio já no átrio da, ao ver que todos a conheciam.
Paula começou a falar da construção com riqueza de detalhes. Eu nem sabia que o prédio mesclava apartamentos residenciais e comerciais, além de um hotel.
Apanhamos o elevador rumo à cobertura, que sediava um restaurante. A vista do terraço superou minhas expectativas. Preferi não perguntar nada e aproveitar-me do fato de que ela não largava do meu braço.
Naquele dia meu carro estava na oficina; ela intuiu e perguntou se eu precisaria de carona. Agradeci, elogiei o carro e a forma suave de direção que ela imprimia em cada curva. À despedida, vislumbrei nela um sorriso cheio de vida, arqueando as bochechas com muita graça.
Em poucas semanas começamos a namorar. O que Paula tinha de mais admirável era um defeito: via apenas a parte boa de mim. Assim, meus atrasos jamais a preocupavam. A certo momento ela mudou o jogo, passou a cuidar de suas atividades e pediu que eu a avisasse quando estava pronto para que viesse me buscar.
Assim, nos dias em que nos encontrávamos, eu nem tirava o carro da garagem.
Descobri que Paula era agrônoma e que cuidava dos negócios da família, uma fazenda de café no sul de Minas. Fomos lá algumas vezes, sendo incrível conhecer outro aspecto da minha namorada, seu lado de empresária.
Fiquei preocupado em como poderia cuidar de alguém como ela. Depois percebi que isso era uma bobagem, pois o mais importante de tudo era o quanto Paula era cativante e que jamais havia alguma desconfiança em nossos olhares.
Ela contou que o arquiteto do prédio havia sido seu noivo e que ela comprara um apartamento lá. Haviam planejado viver nessa casa após se casarem; como nada disso deu certo, ela alugou o imóvel. As lágrimas foram contidas com dificuldade.
Percebi a causa daquela reação no primeiro dia em que nos vimos, afinal, a lembrança de uma perda levou à dor em relação a tudo que dele adviera.
Abordei Paula, perguntando se o apartamento havia sido um bom investimento. A resposta positiva veio de modo fulminante. Avancei, perguntando se não seria a hora de colher os resultados, com uma boa venda, afinal, o mercado estava excelente.
Ela gostou dos instintos que me levaram à pergunta. Disse que já havia chegado o momento de capitalizar sobre o “maldito investimento” e seguir sua vida. Na verdade, a venda fora adiada como uma forma de mostrar que estava no controle da situação. Não queria mais que as deprimentes lembranças a dominassem. Agora já tinha a certeza de que não iria mais se recordar do ex-noivo ao visitar aquele prédio e ao vender o apartamento.
Fomos juntos tratar de tudo. Eu jamais iria, mas Paula fez questão de minha presença, dizendo que eu chegara em sua vida na hora certa, fazendo ver como estava exagerando a presença daquele edifício e do que representava.
Fiquei mudo, pois não tive a menor ideia de ter feito algo tão importante na vida de alguém tão especial. Senti que ela recomeçava de verdade; isto é, nosso namoro havia sido o início da mudança, que se consumava com a venda do apartamento naquele prédio. Também captei que ela precisava provar a si mesma que podia retomar sua vida a partir do ponto que havia estacionado. É claro que me senti importante e orgulhoso por ter ajudado nesse importante processo – nem que tenha sido com apenas um por cento de participação.
O tempo transcorreu; eu cada vez mais louco por Paula. Uma pergunta martelava minha pobre cabeça: o que ela teria visto em mim? E, em consequência: seria possível que ela quisesse ficar comigo?
As respostas a essas perguntas apenas poderiam ser obtidas de uma forma.
Fiz um convite a um restaurante importante, criei o clima, e fiz o pedido – com direito ao clima romântico clássico: de joelhos e com a caixa da aliança aberta. A resposta foi positiva.
Por ROBERTO MINADEO