Um velho saiu mais cedo do bar e foi andando pelas ruas na direção de casa e viu alguém sentado num banco da praça ao lado, com uma garrafa de rum. Parecia triste.
O homem perguntou se queria sentar e beber um copo. Como não tinha pressa para ir, aceitou. Sentou-se junto ao rapaz, sem dizer qualquer palavra ou fazer qualquer pergunta. O homem então pôs-se a falar:
– Um corpo caminhando não indica vida, sabe? Viver e sobreviver, poucos entendem a diferença.
Ele então suspirou. Havia certa melancolia no ambiente, mas se mantinha em total silêncio.
– Humanos, apenas são humanos, demasiadamente humanos
O velho olhou em tom de peculiaridade. Reconhecia à distância alguém que leu Nietzsche. Pareciam ser todos iguais.
– Nenhuma humanidade, apenas olham a si. Adam Smith dizia que o melhor ao bem comum era cada um pensar em si. Nash que o bem comum era fazer o melhor pra si e para o outro. E maldito seja Nash, acreditei nele, mas Adam Smith estava certo.
Sua voz guardava certo tom de raiva, misturada com a embriaguez que não se preocupava em ponderar e continuava a falar:
– Olhe este mundo, somos prisioneiros de nós mesmos, cara. No fim de tudo, terminam todos como as moedas que tenho no bolso. Ficam ali, indo de um lado para o outro, sabendo que uma hora serão usados e seu valor é aquele que pode proporcionar no momento. Depois ninguém mais se lembrará que um dia existiu. Quer dizer, talvez quando todas as outras terminarem, sintam falta de tê-las, mas isso é apenas até arranjarem novas.
Somos só moedas, cara. Moedas de troca. E não há nada que possamos fazer quanto a isto.
O velho olhava atentamente para o rapaz, no auge dos seus 20 e poucos anos e não dizia nada. Parecia que conhecia bem o desfecho desta história.
Sua experiência de vida e de bares o fazia entender de que não adiantava falar nada, e também não tinha o que dizer. Ele queria apenas desabafar.
O homem se deu conta de quanto tempo passara, agradeceu ao velho por ouvi-lo e disse que precisava ir.
Puseram-se de pé, ambos estavam indo à algum lugar e cada um seguiu seu caminho, mas antes, o velho ficou algum tempo parado, pensando alguma coisa que não se podia decifrar.
Olhou para o céu, respirou fundo, começou a andar e viu uma criança sentada no chão, parecia não ter pais e morar na rua. Foi em sua direção, tirou do bolso algum dinheiro, completou com algumas moedas e deu a criança.
sem esperar, mas parecendo precisar bastante, ela sorriu e agradeceu:
– Valeu tio, vai servir pra comida de amanhã.
seus olhos refletiam a gratidão que só os miseráveis e os suicidas que encontram algum sentido para permanecerem vivos conseguem ter. Enquanto isto, os olhava e guardava o dinheiro.
ele conhecia as ruas, sabia que se deixasse em qualquer lugar, não teria mais nada pela manhã.
A concorrência é grande,
até mesmo para os mendigos.
Pela primeira vez o velho sorriu aquela noite.
Sorriu em contentamento pois, não sentiria falta daquelas moedas, sequer se lembraria delas no dia seguinte e sabia que um dia também seria esquecido.
Era um mundo perverso e seus longos anos nele o fizeram saber bem disto, mas sua experiência havia ensinado que algumas coisas ainda tinham algum valor.
e não havia nada que ele pudesse fazer
para mostrar isso a ninguém.
Por WENDELL ALMEIDA