O coração da moça disparara. Mas, não de uma maneira feliz, pois não parecera a forma correta de pedir o que desejava. A ansiedade era tanta que não conseguia mais esperar. Se havia a possibilidade de estar com quem amava, o momento era aquele.
Talvez, estivesse apaixonada… encantada… seduzida, não sabia ao certo o que sentia. Parecia uma adolescente deslumbrada, marcando o primeiro encontro em uma praça ou sorveteria. Seu coração na intensidade do querer, agora a fazia suspirar. Não pensava com a razão, nem queria imaginar se era aparentemente mais velho, se grisalho ou não. Sua emoção pedia que ele fosse gentil e amável, que olhasse para ela sem querer arrancar suas roupas com o olhar.
Só queria ser amada novamente e viver um grande amor. De repente, o toque do celular: a foto chegara e entrara em choque, algo que não conseguia disfarçar. Será que ele era assim?
Lá estava ele…
Com seus 40 anos e alguns cabelos brancos. Olhar terno e sorriso contido de quem se sentia inseguro com sua imagem, mas que não se envergonhava de quem era. Sua condição não mudava o que sentia no coração: o amor pelas pessoas. Afinal, mesmo na cadeira de rodas, parecia feliz e confiante e, realmente, era. Aprendeu que a vida precisa ser vivida e buscar a alegria, mesmo com tantos motivos para se sentir triste. A solidão não lhe abraçava e quando parecia querer ameaçar sua felicidade, transformava-a em combustível para escrever poemas.
A dor também pode ter o seu protagonismo, nem que seja para refletir sobre o que é realmente importante nessa existência, não perdendo tempo de buscar o que traz felicidade. Trabalhar, estudar, ter amigos, amar a família e buscar a fé. Mas, esse amor , que vivera nesse tempo que escrevia poemas para sua princesa, alimentou uma esperança que nunca tivera. Quem sabe acreditar em um relacionamento, mas agora, rasgara o véu de permanecer incógnito e mostrou quem era.
– “E então, tudo bem”?
– “O que achou?”
Esperou alguns minutos e não houve resposta. Talvez imaginasse o que acontecera. Apesar da surpresa, ela se recompôs e olhou novamente a fotografia de seu poeta. Agora entendia aquela timidez e seu perfil anônimo. Afinal, o que era mais importante estava no que escrevia e não em quem era. Mas por outro lado, complicado por saber que só pôde conhecê-lo quando já alimentava sonhos. Enfim, o que a intrigava no momento era a pergunta feita:
“O que achou?” Era uma questão retórica e que tinha inúmeras interpretações. Se elogiasse, alimentaria pensamentos que não sabia se poderia levar adiante; se criticasse, feriria os sentimentos de quem não tinha culpa. Assim, preferiu se isentar, pelo menos por um tempo, do que responder o que estava sentindo. Então, apenas respondeu: “Chegou um trabalho aqui. Depois conversamos. Beijo!” Teria um tempo para pensar no que fazer.
Apesar de não ser exigente no quesito beleza e perceber que ele tinha o seu charme, o fato de ser cadeirante a fez ponderar sobre muitas coisas. Buscava alguém que a fizesse esquecer o que passara no relacionamento anterior, mas que pudesse suprir algumas faltas. Seu “ex” não gostava de viajar, vivia para trabalhar e as horas de folga eram tomadas pelo futebol, tanto nas quadras e campos quanto na TV. Não tinha o hábito de visitar a família mesmo com os filhos crescidos, ficava dentro de casa a maior parte do tempo. Nada de jantares românticos ou passeios, mesmo esporádicos. Agora, pensava em aproveitar mais essa “liberdade” que conquistara. Outra questão era a proteção. Com seu ex não se sentia segura, pois sempre saía sozinha de casa e nessa relação queria mais a companhia do amado. Sinceramente, não sabia o que fazer, mas seu coração doía, parecendo querer responder o que a sua razão não conseguia discernir. Mas algo era certo: precisava de um tempo para pensar.
Aquele silêncio apesar de não surpreendê-lo certamente o abateu. Não são todos que estão preparados para se relacionar afetivamente com um cadeirante. É preciso força, coragem e uma dose de loucura. Sim, a insanidade boa, aquela que coloca em xeque todas as razões e emoções que tangem o ser humano: as dificuldades do presente e as incertezas de futuro. Os julgamentos e questionamentos de quem não entendem que as pessoas com Deficiência (APCD) também são seres humanos, que pensam, sentem e amam, de forma diferente, mas não menos intensa. Mas, o poeta precisava aceitar a triste situação e seguir em frente, afinal havia vida além de um relacionamento aparentemente encerrado. Como se afastar das redes sociais não era uma opção viável, decidiu transformar sua frustração em motivação. Escrever para não sofrer, pois se havia uma gota de sangue em cada poema, também a dor da distância e da saudade era o alimento da alma ferida.
De repente, a princesa se tornara a bruxa?
Pelo menos, era assim que ela se sentia.
Ninguém poderia julgar os seus motivos e apesar do amor ter a sua dose de loucura, estava preparada para pagar tal preço? Mergulhar na incerteza é arriscado e teria que ser uma decisão.
As poesias do mais puro sentimento perderam o seu valor? O poeta agora se transformava em corcunda? Ou simplesmente, ela descobrira em seu íntimo: o preconceito contra Pessoas com Deficiência (APCD)?
Bem mais sutil que o Racismo e a Homofobia, o Capacitismo era também aversão, mas com o disfarce de uma falsa compaixão, acompanhada de olhares tristes e surpresos. A pessoa de normal se passava a incapaz de realizar o que antes parecia natural. Pairava na mente inúmeros questionamentos. De esposa ou namorada se tornaria uma cuidadora? Deficiência era uma doença condenatória, uma sentença de infelicidade eterna? Seria incapaz de satisfazer uma mulher na cama ou de tornar-se pai? Como levar aos lugares ou apresentar aos pais e amigos um namorado cadeirante? Será que o medo da dificuldade de ser feliz ao lado dele, jogaria fora um amor que sempre procurou?
O poeta tinha consciência de quem era e do que era capaz. Tinha emprego, era consciente, se divertia, sonhava com o futuro, em conquistar independência financeira, pois pagava as contas da casa e sabia que se uma companheira surgisse seria para acrescentar. Diferente do que a sociedade acredita, os PcD’s podem realizar as mesmas tarefas e ter os mesmos sonhos. Não são “especiais” ou “excepcionais”, tampouco podem ser infantilizados ou reduzidos a coadjuvante de suas próprias vidas. Precisam ter oportunidade de estudo, emprego e principalmente, de vida. Não precisam de proteção especial ou favores misericordiosos, mas sim terem direito a uma vida normal. Era assim que passava a pensar o poeta. Se antes se escondia na torre como um monstro horrendo e sem valor, agora empunhava a espada da justiça com a bandeira da igualdade. O que poderia ser revolta converteu o seu coração em ativismo: a luta em defesa dos excluídos. A plataforma da dor se tornara o palco de questões menos filosóficas. O Capacitismo sente amor, desejo, tristeza, raiva, alegria e tantos outros sentimentos. Também era inteligente e capaz de ser feliz, tanto no âmbito profissional quanto emocionalmente. Assim, superava a dor do abandono a quem devotou o que havia de melhor em seu coração.
Conforme os dias passavam mais o coração da princesa doía. A culpa de ter sido tão severa e medrosa a devorava e precisava de uma luz para reencontrar a paz. Assim, decidiu sair para espairecer, pois já estava enlouquecendo. Sentia falta das palavras belas pela manhã, aquelas que já estava acostumada a receber: dos poemas carinhosos e cheios de amor que alegrava suas tardes e os desejos de bons sonhos que deixavam suas noites mais leves. Mas o orgulho tomava conta de si e não a fazia mudar de atitude com quem só lhe fazia o bem. Era a adaga na alma: esperar o príncipe sem coração, desprezando o Quasímodo que lhe amava. Mas se amar é decisão, desprezar também é.
Por JEFFERSON SOUZA