Sentado, em um banco da Piazza Marcianò, observo a elasticidade da vida que passa, zumbindo, diante dos meus olhos. Consulto o meu velho Switch, percebo que é hora de me encaminhar para a Vinoteca Foschi. Apanho em minha bolsa tiracolo de lona, meu já ultrapassado celular, ligo-o e ponho-o a tocar The Smiths e, sem pressa pois tenho tempo, levanto-me e caminho por entre árvores sem idade, por entre corpos que dialogam, em conversas banais, em conversas amorosas.
Desço pela Via Muggia e após caminhar por algumas quadras da centenária comuna, entro na livraria Frascaroli Marco, fronteira à vinoteca, e consulto o espaço dedicado aos livros de música erudita. O meu velho Switch apressa-me. Entro no prédio da vinoteca e dirijo-me ao seu terceiro andar, onde se encontra a sala de reuniões. Ao entrar, a verdade estremece-me o corpo, aumenta-me o ritmo cardíaco, encontro “Angioletta, a Sommelier”.
Ao vê-la, deixo de ver; o mestre enólogo e os demais enófilos, são apenas esculturas de carne viva que se enclausuram em um quadro vivo de aparências teatrais. Seus belos olhos, de uma claridade assombrosa, encontram-se com os meus, acenam-me sorrisos e eu, corpo dançarino, envio-lhe uma saudação repleta de alegrias que, verdade seja dita, só este meu sentimento de jovem seduzido compreende a sua verdadeira extensão.
Neste entorpecimento amoroso, o enólogo um ruído de fundo, uma voz que nos explica o que não sei explicar, um relatório qualquer que me desgosta o gosto da sua presença divinal.
O tempo não tem obstáculos, mas a minha timidez é um obstáculo. A sineta soa, aos meus ouvidos como uma canção de embalar. Saem todos, saio, eu sai, saímos para o mundo da consciência aberta, fechando os meus desejos, ocultando, mais uma vez, a razão das minhas razões.
Nos juntamos, alegres, ao grupo habitual e eu, pego no meu corpo, sem destino, fugindo literalmente, do brilho que me encadeia os passos, lentos e tensos e escondo-me, em um canto da Piazza Giuseppe di Vittorio. Abro a minha bolsa e retiro a epopeia “Tragicotascabile” do majestoso Guido Ceronetti. Por entre seus poemas, sigo por onde nunca seguirei. Eis-me inteiro e dividido entre o gosto de ser amado e o desgosto de não o ser.
Por RENATO CRESPPO