Minha memória guarda uma história. Não é uma ferida recente, mas reabre nos momentos em que estou mais fragilizada. Como tantas outras mulheres, às vezes deixo as pressões do dia a dia me encobrirem de dor. Mais cedo ou mais tarde, porém o coração e a mente voltam à fonte de coragem.
Aqui quem lhes fala é Ester D’Arc.
A realidade às vezes nos obriga a fazermos certas adaptações e a nos sujeitarmos a determinadas condições. O que esperar de uma simples suburbana?
Fui largada à mercê da sorte. A vida é feita dessas pequenas coisas que vemos e sentimos a cada dia – coisas simples, mas que nos dão mais vontade de viver. Coisas pesadas, que cravam a alma profundamente e nos restringe a um abismo particular.
Quando a maioria de nós pensa em líderes, pensamos em homens. Mas eu penso em mim como mulher à frente do meu tempo. Sempre protagonizei momentos intensos de despedidas, de dor, de vitórias.
A vida ceifada de minha mãe em meu parto. Talvez se eu não tivesse nascido, seus dias na terra teriam sido mais prolongados. Ah! como eu queria tê-la conhecido e sentir o aconchego de seus braços.
O corpo de meu pai estirado no chão da sala no auge dos meus 18 anos. A jogatina lhe cobrou um alto preço. Aqueles que eu amava se foram precocemente e me senti sozinha no mundo.
Dizem que o amor é ferido que arde sem se ver, mas a minha foi bem visível. Ainda carrego as cicatrizes em minha pele sofrida. O olho roxo não era maquiagem borrada, mas era o rastro das constantes surras rumadas a mim.
Foram noites intermináveis, eu só chorava. Bem no auge da minha dor, nada me consolava. Amado filho que me foi tirado sem que eu pudesse ver seu rosto. O ensanguentar de meu ventre ainda martela em minhas memórias. A maternidade me foi negada pela segunda vez.
Fui jogada na fogueira da humilhação.
Mas sou ruiva e carrego a cor da fênix em meus fios. Renasci das cinzas e me libertei. Quebrantei as relíquias medieval do rutilismo.
Eu me descobri mulher, guerreira, forte, independente. Eu honro as minhas ancestrais que deixaram seu legado de fé e coragem.
Aprendi a ganhar, perdendo…perdendo o medo de lutar contra a desigualdade social, de ir além dos meus próprios limites. Não me sujeitar a um paradigma de que mulher é sexo frágil. Não baixar a cabeça para as adversidades e provar que sou águia viva.
Ainda que a lua adormeça e não haja o brilho das estrelas, eu não temerei, não.
Aprendi a subir, descer…descendo ao fundo do poço. Doeu, doeu, mas eu venci. Neste momento, ergo a taça em um brinde ao meu renascimento. Valeu muito as ocasiões experimentadas. Hoje sou mulher à frente do meu tempo. Sou uma mulher vitoriosa na guerra.
Por LÍRIO RELUZENTE