Ontem, eu e o Pégaso concluímos que éramos amigos de longa data. Pégaso jurou que era o Futuro e eu não neguei que era o Passado. Concluímos que apesar das diferenças geracionais, jamais se gerariam conflitos entre nós, desde que pactuássemos com a realidade que não éramos e concordássemos com as mentiras que seriam as verdades, em que ninguém acreditasse. Pégaso afirmou que na constelação onde habitava, tudo o que era brilhante, estava na realidade apagado, e que eu era visto como uma nau à deriva no estresse do universo. Juntos planejamos compor outra noção do tempo e esculpir nos degraus da eternidade, uma sequência equestre de banalidades que apagariam das memórias universais, os mitos das excelências e as elites das fertilidades artísticas. O Pégaso alado, aliado e conversador, adorava paracronismos, alimentava-se de metáforas e confessou odiar as parábolas, vá lá saber-se por que. Quanto a mim, só discutia quando não havia razões para tal. Era um perito na matéria e o Pégaso regalava-se com todos os dialetos, que eu não traduzia, mas que o alado, aliado na sabedoria, entendia tudo às mil maravilhas, vá lá saber-se como.
O respeito mútuo estava consagrado, sem tratados, pelo que nunca me atrevi a pedir-lhe boleia para onde quer que fosse. Aprendemos a explorar-nos, explorando todas as explorações que cada um de nós fazia por mútuo consentimento. Confesso que esta amizade era profundamente enternecedora.
Não havia constelações de sonhos sonhados que nós não adivinhássemos a realidade dos seus frutos. Apesar de sermos apelos à viabilidade dos seus concertos, não resistíamos a confiscar uns quantos, só pelo prazer de planarmos nas frases sublimes que ouvíamos aos cantos estrelares, revelando-nos os escafandros da vida. Tanto subíamos por aqui, como descíamos por ali, cruzando fronteiras, humanas ou urbanas, com a mesma vulgaridade com que nos escondíamos nas velas do tempo.
Nunca aprendi a voar porque confiava nas suas asas e, quando emigrávamos para o sudoeste das razões, chegávamos às justificações pelo nordeste das infidelidades, o que eram as consequências naturais de nos usarmos, consultando valências e inventando falências que desgostavam as inocências, desmentidas pelos fragores das invernias, urdidas pelas velhices poluídas pelas poeiras cósmicas da eternidade infalível.
Quando passávamos por onde não passávamos, sabíamos que só varrendo as esculturas do pensamento, abríamos às correntes do acorrentados, as bigamias consulares dos vocábulos ambidestros.
Rumamos às fadigas das sombras, cansados de nós próprios, mas vencendo as resistências dos valores do tempo perdido, que se transformaram no coro das vozes que se esqueceram da nossa travessia pela vida e ocultamo-nos no casulo das fugas permanentes, onde nada do que era, vivo seria, exceto o Pégaso, porque pertence às ondas fluentes do tempo.
Por RENATO CRESPPO