Tinha por hábito começar as frases sempre com “não”. Nunca se soube se era trauma infantil, questões de puberdade ou algo congênito. Nasceu Maria Augusta. Sua primeira palavra foi “não”, o que surpreendeu seus pais devido a sonoridade complexa da palavra. O til e o efeito que fazia no interior da boca não era fácil para um bebê de poucos meses de vida. Na infância, sempre dizia “não” quando seus pais perguntavam qualquer coisa. “Você quer maçã, Maria Augusta?” “Não”, ela respondia pegando a maçã para comer. O comportamento incoerente levou seus pais a levarem-na ao médico que prontamente considerou que sua atitude era de afirmação infantil, típica da idade.
Ao crescer, brincava com outras crianças de pique e quando era pega, sempre dizia “não!” e assustava alguma criança que não a conhecia. As crianças que conviviam com ela já estavam acostumadas com a quantidade de “não” que ela proferia diariamente. Por vezes riam dela e muitas vezes ela ria de volta, gorgolejando “não” às gargalhadas.
Quando chegou à adolescência, teve problemas para se enturmar, se fechou um pouco no seu universo negativo e quase não dizia “não” por aí, apenas balançava a cabeça em tom reprovador. Sua atitude causava espanto em outros jovens, que mesmo quando tentavam zombar de seu estilo, ficavam perplexos com a atitude afirmativa dela. Passaram a chamá-la de “Não”. Mas ela não se importou. Parecia mesmo que este deveria ser seu nome. Ainda assim, seus pais, preocupados com a insistência de Não em dizer não a levaram ao médico, que prontamente considerou que sua atitude era de afirmação juvenil, típica da idade.
Certa vez, teve uma crise de ansiedade e repetia sem parar: “não, não, não, não…” e só após algumas doses de medicação positiva, sossegou. Perguntaram a ela por que dizia “não” tantas vezes, ao que respondeu que “não dizia não muitas vezes não”, o que deixava todo psicanalista que a atendia atrapalhado com o nível de negação de Não.
De alguma maneira os atendimentos psicológicos a ajudaram e Não passou a se respeitar e a gostar de sua identidade, contradizendo e contrariando a todos, sem hesitação. Embora tivesse alguma dificuldade de se relacionar, muitos admiravam a atitude de Não por ser transgressora, imperativa e até certo ponto, por que não dizer, afirmativa. Diziam que Não representava um movimento de protesto e Não aderiu algumas vezes a alguns deles, mas largou de mão quando percebia algum tipo de positividade no movimento. “Não é pra mim”, dizia.
Em um destes movimentos, Não conheceu Talvez que colocou sua atitude em xeque. Saíram algumas vezes e começaram a namorar, mas a dúvida constante de Talvez e a afirmação negativa de Não inviabilizava até a escolha de um restaurante romântico. Não não queria ir ao Museu enquanto Talvez pensava demais se queria ou não ir. Por vezes, Não dizia que não iria, mas ia ainda assim, mesmo Talvez ainda estando em dúvida se queria realmente estar ali. Com o tempo, a hesitação de Talvez passou a incomodar Não demais e a separação foi inevitável. Quando amigos perguntavam se ela sentia falta de Talvez, ela era taxativa: “Não!”. Sofreu em silêncio por alguns meses, mas repetia para si mesma que não estava sofrendo, que não era amor, que não era paixão e tudo o que aquele relacionamento não era.
No trabalho, Não era considerada uma chefe implacável. Quando algum colega mostrava alguma foto do filho na festa de aniversário, ela só levantava a sobrancelha de soslaio em voz baixa e dizia: “Não” e rapidamente fugiam de sua vista apavorados. Por vezes se perguntavam se o fato de Não ser sozinha era a razão de ser antissocial, mas Não achava que sua atitude não tinha nada de negativa, ao contrário. Acreditava que ali não era um ambiente receptivo e que no trabalho não deveria abrir a guarda.
Um dia, alguns colegas se reuniram e decidiram aprontar uma brincadeira para Não e resolveram chamá-la para um “Happy” Hour, imaginando que a contrariedade do “Happy” a impediria de comparecer. Mas só para contrariar as expectativas, Não compareceu e foi lá que conheceu “Sim”, cuja positividade poderia lhe parecer insuportável. Conversaram por várias horas, deixando os colegas e funcionários de Não atônitos. Toda vez que Não começava a frase dizendo “Não”, Sim ria e concordava com ela o que fazia Não rir também. O que parecia improvável ou não provável, se mostrou eficiente para Não.
Sim e Não passaram a se encontrar com frequência, por vezes Não se divertia com Sim e a forma como a contrariava e Sim por sua vez tinha muita calma e paciência com a tendência de Não dizer não. Sim mostrava a Não o quanto ela estava perdendo e quando Não batia o martelo dizendo: “não, não e não”, Sim apresentava os argumentos mais negativos da sua negativa, fazendo com que Não perdesse a compostura e se risse da própria postura.
Aos poucos, a positividade de Sim começou a irritá-la e o que era engraçado começou a perder a graça e o encanto, levando Não a terminar o relacionamento. Mesmo Sim afirmando o quanto ela não queria de fato terminar, Não estava resoluta. Se afastaram e Não passou por um período isolada e ensimesmada em casa. Não saía, não comia, não gostava de nada e passou semanas em depressão até entender que talvez sentisse falta de Sim.
Resolveu ligar para Sim, mas não sabia se deveria e o que iria falar, afinal, sempre começava as frases com “não”, então o que diria? Achou que não fosse conseguir, mas Sim atendeu prontamente o telefone e facilitou as coisas para Não. Sentiu minha falta, Não? Perguntou. Ao que Não respondeu: “Sim, Sim! Pensaram em se casar, mas Não pensou que não queria mudar seu nome e Sim ponderou que se concordasse em mudar o seu, perderia sua afirmação.
Juntaram os trapinhos e hoje São.
Por THEODORA DE CASTRO