CONTOS – Não vou chegar para jantar por Leonardo dos Reis

CONTOS – Não vou chegar para jantar por Leonardo dos Reis

Nestas ruas escuras da cidade, tudo é perigoso. Mas é ainda mais perigoso quando você é uma pessoa procurada. As pessoas acreditam que a escravidão acabou desde que o presidente mundial assinou o Ato Mágico-Humano para magistas, conhecidos como antas, e muitos traficantes foram perseguidos pelas autoridades, mas isso não é o que realmente aconteceu no mundo real.

Onde há dinheiro, há um jeito. E como o tráfico ilegal de seres mágicos é um negócio lucrativo, algumas autoridades decidiram que estaria tudo bem se fechassem os olhos para eles. Eu, sendo uma magista, vivo com medo constante ao andar pelas ruas da cidade. As pessoas falam sobre desaparecimentos nessas ruas e tudo que consigo pensar é se vou ser a próxima.

Minha irmã foi levada, meu pai foi morto por traficantes e minha mãe está doente. Sou a única que pode cuidar dela, além de arranjar dinheiro e comprar o remédio. Então não posso arriscar. Preciso manter meus poderes os mais ocultos possível. É por isso que estou nessa situação.

Bem na minha frente, outra garota magista está encurralada no beco. Acabei de vê-la correndo naquela direção e seus perseguidores atrás. Então, o que eu poderia fazer? Não posso comprometer meu disfarce aqui. Bem, todo mundo tem seus dias de sorte e azar. Se ela tiver sorte, pode escapar sozinha. Se não, talvez acabe em alguma casa de duquesa, trabalhando como criada. Ela só precisa rezar para não estar em uma casa sádica. As pessoas que escaparam de uma dizem que a morte é um paraíso perto do que viveram. Mas nada disso é da minha conta. Só preciso levar o remédio de volta para minha mãe. Dito isso, por que estou jogando tudo fora e correndo em direção ao beco? Tenho uma resposta razoável para isso. Quando se trata de vidas, o mais lógico geralmente não é a escolha certa.

Ao virar a esquina, a garota rasteja pelo chão, com medo, de costas para a parede.

– Vamos lá, não tenha medo. Tenho um cliente esperando para ver se uma anta sangra como uma pessoa normal – diz um dos dois homens encurralando-a. Então seria uma casa sádica. Eu podia ouvi-lo rindo, se divertindo com a situação. Isso me deu vontade de vomitar.

A garota olha diretamente para mim. Ela implora por ajuda com os olhos lacrimejantes. Quando você vê esses olhos, não há escolha a ser feita. Eram os mesmos olhos que minha irmã tinha quando foi capturada. Mas eu era fraca demais para ajudá-la. Mas não para ajudar essa garota. Tirei meu capuz e levantei a mão.

– Ei, por que vocês dois não tomam um ar para pensar direito? – eu digo. Ambos me olham.

– Dois por um. Deve ser nosso dia de sorte – diz o da esquerda, que parecia um frango para o outro era mais como uma vaca.

Ao fechar minha mão, o frango para de andar. Ele leva a mão ao pescoço, seu rosto ficando roxo enquanto tiro o ar de seus pulmões. Tenta pedir ajuda para a vaca, mas ninguém pode ajudá-lo. Não são muitas as antas que podem manipular o ar dentro de um corpo. Isso foi algo que aprendi especificamente para essas situações e, ainda assim, é a primeira vez que tento em uma pessoa.

O frango aponta para mim e o vaca entende. Ele corre na minha direção, faca na mão. Tenta um golpe, mas um passo para a esquerda é o suficiente para sair do caminho dele. Ele tropeça e minha outra mão, com a palma aberta, vai direto para o queixo dele. Em segundos, ambos estão inconscientes.

Olho para essas duas pessoas. É nojento apenas chamá-los assim. Talvez devesse matá-los? Muito ar pode fazer seus pulmões explodirem. São apenas alguns segundos para isso. Levanto minha mão, mas sou impedida quando sinto braços me envolvendo.

– Obrigada. Você salvou minha vida – a garota magista, mais calma, ainda tinha seus olhos cheios de lágrimas. Abaixei minha mão e sorri para ela.

– Fico feliz em saber que você está bem. Vamos sair daqui.

Saímos do beco, ela ainda estava segurando meu braço.

– Você é a anta mais corajosa que conheci.

O som dos carros enche nossos ouvidos. Não é normal fazer tanto barulho a essas horas. Os carros se aproximaram e formaram uma barreira à nossa frente. Homens e mulheres com armas de rede e dardos tranquilizantes saíam dos veículos, apontando para nós. Um homem gordo que parecia um porco tomou a linha de frente.

– O que é isso? – pergunta a garota, assustada. Ela é sensata. São as antas temerosas que vivem mais.

– Problema – respondo.

– Estava me perguntando por que meus dois melhores homens estavam atrasados. Quem fez isso? – diz o porco.

Não há mais volta agora.

– Você deveria correr – digo para a garota, discretamente.

– Mas você…

– Não se preocupe – digo com um sorriso no rosto. – Vou ficar bem. Então faça-me um favor e viva uma vida bem feliz.

 A garotinha assente e começa a correr para longe de nós.

– Fogo! – grita o homem com cara de porco. Fiz um gesto e todas as balas caíram no chão com uma barreira de vento. – Então foi você – ele sorri. – Vou vendê-la pelo preço mais alto. Você vai me deixar rico.

– Você pode tentar dizer isso de novo quando você e todos os seus porcos estiverem no chão implorando por suas vidas. – Era blefe. Um muito ruim. Eu sabia. Ele provavelmente também sabia. É impossível para qualquer magista lidar sozinha com trinta traficantes, mas pelo menos consigo garantir que a garota escaparia em segurança. Isso seria uma vitória pra mim. – Me desculpe mãe – digo olhando para o céu – não vou chegar para jantar.

Por LEONARDO DOS REIS

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