CONTOS – O soneto de dezcovas por Nycolas Tasca

CONTOS – O soneto de dezcovas por Nycolas Tasca

    Murmúrio interminável, colapso desmemoriado, fatídica decisão, leve consonância de uma boa e velha introspecção. Já dizia o velho e torto poeta, Abbin Salazur, “as minhas tumbas são de arrasar, e o meu fim de destroçar”.

     Me lembro como se o hoje fosse o ontem, como se a minha querida camélia já não tivesse se corrompido, e como se o velho jasmim já não tivesse morrido.

     Chovia, chovia e chovia. Era uma noite de tempestades tenebrosas, que lembravam o próprio diluvio. Havia ido dormir mais cedo, mas não conseguia perpetuar no reino dos sonhos por muito tempo. Acordei no meio da madrugada, e o vento batia e assombrava as paredes fora da casa.

      Mas não foi a chuva que me acordou, e sim a ideia, a história, aquela que seria a minha destruição.

     A primeira coisa que peguei foi a caneta e o papel. Corri para a escrivaninha, e acende a minha falha lamparina.

     Escrevi e escrevi, mas não era eu, era algo intrínseco e profundo no vasto campo da grande senhora, aquela chamada poesia.

     Ao terminar de escrever, larguei a caneta e peguei o papel para ler. Eu tremia, tremia feito um louco com ritmo.

     A noite se intensificou com o passar da chuva, e o avançar da fina garoa. Londres já não era mais a mesma coisa, pensei naquela noite. Decidi guardar a dita e prematura obra, a qual não tive ideia para dar algum nome. Na manhã seguinte despertei com um afobamento mais que obsessivo, era muito anti-normal. Não tomei café, nem banho e simplesmente sai. Sai rua a fora, segui pela calçada pela rua Dynise, e fui em direção ao centro. Lá encontrei o que queria, o diário profeta, onde paguei 100 cruzeiros para publicarem o que estava escrito no papel, que fora concebido ontem a noite.

     O pessoal do diário, aceitou e concordou em publicar. Paguei e voltei pra casa, de resto, só bastava esperar.

     No dia seguinte pela manhã, acordei mais tarde que o habitual e desci para tomar café, quando meus ouvidos captaram certos ruídos vindos de fora da casa, decidi sair para ver o que era, e me surpreendi. Havia mais de vinte pessoas na frente de casa, todas com caras cruéis, estagnadas e arregaladas. Não tive tempo de perguntar nada, nem falar, me tacaram algo duro na cabeça, e eu apaguei. Quando eu acordei, eu estava dentro de uma sala minúscula, com três velhos padres diante de mim.

     Não conseguia falar, minha boca estava amarrada. Mas ouvi os padres falarem: – Misógino corruptor. – Filho do anti-consolador, peste infame! – Pobre moribundo, não passa de um reles cantador. Quem deras fosse um trovador. Disseram os padres enquanto me olhavam.

     Em suas faces não podia se ver outra coisa além do desaforado julgamento superior. Maligna igreja pensei com aqueles olhares.

      – Homem, criatura benigna e catatônica, o teu fim chegou. Como queres que te chamem?

      Fiquei confuso, e não compreendi nada, como eles queriam que eu respondesse, se não desamarram minha boca? Quando decidi balançar a cabeça, outra voz soou na sala, vinda de trás de mim dizendo : – Pode ser Dezcovas. É, Dezcovas é genuinamente bom.

      Dezcovas? Pensei, mas quem? Foi aí que o vi, o homem do diário profeta, o mesmo que aceitou minha obra. Olhei aturdido, mas ele nada me disse, até que ouvi o chamarem. Ele nem olhou para mim e saiu da sala. No que ele saiu, os padres também saíram e o meu verdadeiro carrasco entrou.

      E foi lá, na pequena e minúscula sala, que eu pereci. Tudo por conta de meu maldito e prematuro soneto, o qual batizaram de Dezcovas. Maligno eu lírico, era tudo que eu podia pensar. Fim das tramas do meu pensar, e começo do meu definhar.

      E como se num último ímpeto de minha ignorância desgraçal, o maligno eu lírico me recita o maldito soneto, com a única entonação mais desnecessária para mim naquele momento, a de escárnio.

 

Nasce e apodrece o ser que amadurece,

Por que pensas que nada te aconteces?

Pensa que nada te aconteces? Enganado estas

Pois o teu fim de raciocínio está para chegar

 

E nele o último lírio irá desabrochar

Para então a morte o pegar e aprisionar

Homem, por qual caminho tu irás?

Na primeira volta a cova dá meia-volta

 

Os vermes se acoplam na segunda

O vento corta que nem um canivete na terceira

O sol escurece, e a lua se ilumina, na quarta

A filha virgem e o filho pecador se unem, na quinta

 

A rosa e o espinho se consolam, na sexta

A cripta e a tumba se conectam, na sétima

O lobo se enfurece, e o cordeiro se entumece, na oitava

E na nona, o lindo punhal e o rubro vaso de cerâmica se consomem

 

Ó homem, por que te escondes,

Se és tu a décima cova?

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