Dentro da prisão, um homem olhava através de uma minúscula janela e sonhava com a liberdade que o aguardava após a última semana de reclusão. Sua história de vida não era muito diferente dos muitos apenados que ocupavam a ala norte daquele cárcere. Sua ficha criminal era enorme. Ia desde pequenos furtos que fez, quando ainda era criança, até assaltos à mão armada em idade adulta.
Várias vezes, enquanto estava preso, durante dez anos, desejou ter asas para voar. Voar livre como os pássaros lá no céu. No tempo de prisão, comeu o pão que o diabo amassou. Foram anos de privações, mas também de reflexões. Estava decidido a mudar para melhor. Iria arrumar um emprego com carteira assinada.
O coração duro, moldado pelos anos de reclusão, só tinha lugar para duas pessoas que ele mais amava nesse mundo. Elas o aguardavam, fora da prisão, e ele não queria as decepcionar. Impacientemente contava os dias que faltavam para poder abraçar sua mãe do coração, Vó Lucinda, e sua filha, Luna. Ela acabara de completar seus oito anos, e, na última visita, pediu-lhe como presente de aniversário que a levasse ao circo.
O dia tão sonhado chegou, e o preso do Pavilhão Nove agora estava livre e feliz com a nova vida. Porém, a alegria do reencontro foi se dissipando, à medida que os dias e meses passaram, e o tão sonhado emprego de Maikel não apareceu. O firme propósito de lutar por um trabalho com carteira assinada foi perdendo força – tão prometido e almejado. Às vezes, na calada da noite, olhou a sua filha dormindo, e se sentiu frustrado por não conseguir um serviço digno, quanto menos, o dinheiro para levá-la ao circo. Lembrou-se de que, muitas vezes, quando estava na prisão, fechou os olhos e imaginou o sorriso de Luna ao poder lhe realizar esse simples desejo.
Sua filha precisava de um pai presente, e ele pretendia recuperar a sua ausência nesses anos em que esteve recluso. Entretanto, a frustração de um pai que não conseguia realizar um sonho de uma pessoa que ele tanto amava se tornava cada vez mais forte. Seu passado o condenava. A condição de ex-presidiário fechava as portas para aquele homem que queria ter uma vida nova junto a sua família.
Uma vez, até foi bem na entrevista para ser segurança em uma revenda de carros e estava feliz. Contudo, após examinarem sua vida passada, a esperança de trazer comida à mesa de sua família virou pó. Maikel até tentou outras maneiras de ganhar um dinheiro de forma honesta.
Como o sonho de conseguir um emprego fixo se tornava cada vez mais distante, devido a sua condição, optou pela área informal. Foi nas ruas vender pastéis que a Vó Lucinda fazia, ofereceu panfletos de propaganda de lojas junto aos semáforos, mas, apesar desses esforços, o dinheiro que conseguia era pouco, mal dava para contribuir com a alimentação da casa.
A ajuda recebida por programas sociais da avó não era suficiente para matar a fome, agora, de três bocas. Maikel sentia-se cada vez mais frustrado. Frustrado como homem por não poder sustentar sua família e como pai por não conseguir atender a um simples desejo da filha. Nem ele entendia bem o porquê, mas levar sua filha ao circo tornou-se um compromisso de vida.
O ex-apenado até rezou – coisa que há muito tempo não fazia – para conseguir um trabalho, mas a resposta continuava sempre, não! O desespero tomava conta daquele homem à medida que os dias se passavam. Ele tinha que achar uma solução para a sua vida… e achou.
Após meses de fome e privações, o dinheiro entrou naquele barraco. Maikel até fez um churrasco improvisado no pequeno pátio atrás da humilde casa. Depois, finalmente cumpriu a promessa, e levou Luna para o circo. Aquele simples gesto, para alguns, passaria desapercebido, mas para aquele ex-apenado, não. Há muito tempo sonhava com esse momento. Lembrou os tempos duros de prisão. Ver alguém, para o qual tinha tanta afeição, feliz, fazia tudo valer a pena. Finalmente cumpriu a sua promessa. Comprou pipoca, algodão-doce para sua filha. Riu de felicidade ao vê-la se divertir com as brincadeiras dos palhaços. Emocionou-se com o seu espanto ao ver o mágico tirar um coelho de sua cartola. Viu seus pequenos olhos brilharem com o show dos malabaristas. Sentiu seu medo com os saltos dos trapezistas, e como recompensa recebeu um abraço. Um abraço roubado de espanto, um abraço de refúgio, um abraço de filha, um abraço que ele tanto sonhara nesses dez longos anos de prisão.
Três dias depois, a polícia arrombou a porta do barraco em que Maikel repousava. Deram a ordem de prisão a ele por venda de drogas. O homem resistiu e correu para a liberdade. Um tiro alojou-se em seu corpo enquanto fugia. Depois veio o silêncio, e um estranho sorriso iluminou o rosto de quem agonizava. Enquanto morria, Maikel da Silva via o sorriso de Luna estampado em seu rosto.
Morreu feliz, pois finalmente cumpriu a sua promessa feita a alguém que ele mais amava. Enquanto seus olhos se fechavam para este mundo, ele pensava em finalmente voar livre como os pássaros vistos através da pequena janela do Pavilhão Nove.
Por NERI LUIZ CAPPELLARI