A auréola negra contornando o olhar denunciava a dor e a humilhação.
Ela chorou sua última dor. Despiu as amarras do coração, arrancou a coleira e despediu-se de si mesma.
Partiria sem olhar para trás. Iria nua. Vazia.
Precisava gestar a nova mulher que nascia naquele instante. Mais forte e determinada.
Ela se precisava. Queria parir aquela esperança, segurá-la em seus braços e recomeçar sua história.
Escreveria sua vida noutro lugar, longe das garras do algoz chamado marido. Cansara de ser a caça e o troféu exibido pelo caçador.
Ela havia tomado a decisão certa e o sabia, pois sentia a alma leve.
Abandonar aquele amor-doença custaria-lhe a juventude, mas fortalecida pela promessa do novo dia que despontava, ela fechou a porta e se foi. Preciso tomar posse da minha vida. Recuperar meu sagrado. O medo não me possui mais.
Ela merecia ser feliz, redescobrir a potência do amor verdadeiro, do amor que constrói, liberta, acolhe e aquece.
Como sonhadora que era, ansiava por novas alegrias, flores na mesa, beijos na varanda…
Abraçou-se em si mesma e ofereceu-se em paz para a grandeza do Infinito. Confiava na vida.
Sim. Ela era parte do Imenso, da Criação e o Universo a receberia com a bênção do recomeço. Ela renasceria para o sublime na oportunidade de um novo capítulo a ser escrito.
Com esses pensamentos, chegou à rodoviária, desceu à plataforma e apresentou o bilhete ao motorista do ônibus que ficou a analisar o olho roxo. Ela abaixou a cabeça e entrou com pressa, antes que ele fizesse alguma pergunta.
O medo corria em suas veias. Faltavam dez minutos para a partida.
Estava tensa.
Esperou até que o veículo partisse e fechou os olhos. Em silêncio, fez sentida prece de agradecimento e adormeceu olhando a paisagem que corria entre as janelas encardidas do veículo.
Um sorriso desenhou-se no seu rosto.
Seria feliz de novo.
Por CRISTINA GOMES