CRÔNICAS – Atropelando palavras por Lenita Stark

CRÔNICAS – Atropelando palavras por Lenita Stark

 Ler e escrever foram emoções tardias em minha infância. Não recordo exatamente com que idade iniciei, apenas lembro da angústia sentida em não conseguir decifrar as legendas dos gibis. Quando consegui juntar as letras e entrar no universo dos personagens das HQ, eu descobri com as palavras um novo mundo. Fiquei fascinada pelas letras e pela escrita, foi como uma libertação d’um lugar escuro com muralhas altíssimas e intransponíveis. 

 Desde então, tenho muita pressa com as palavras, Sempre as atropelo na fala. No escrever, isso não acontece – a memória escrita é complacente. A etimologia analisa e revela os nossos sentimentos e, em palavras, decifra nossos anseios. Estou sempre encurtando os vocábulos, inconscientemente vou “neologizando”… Dias desses, o marido passou uma mensagem perguntando o que eu precisava que ele trouxesse do mercado – sem demora respondi a mensagem em áudio – “pode trazer: leite, ovos e quejunto.” E, ele surpreso retorna: – “ok…, mas, o que é quejunto?” Falei tão automaticamente que não me dei conta. Mudei a estrutura das palavras queijo e presunto, mas a essência não alterou, pois até o corretor, nesta digitação, sugeriu a palavra “queijo”. Criei também o vocábulo “orabilidade” – habilidade oral, (oralidade/habilidade) entre outros, sempre no atropelo, encurtando caminhos na fala…!

 Em 1993, Toni Morrison discursou, na cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura, uma reflexão filosófica sobre a linguagem. Disse ela: “A língua é um pássaro em suas mãos”. Na minha interpretação, a palavra pode voar, pode nos deixar na “mão”. 

 Quero tecer aqui considerações sobre uma crônica escrita por uma amiga escritora e cronista, a Sueli Fernandes. Ela herdou de sua mãe a dádiva de uma boa escrita, desde cedo foi conduzida por caminhos da leitura e das palavras. Suas narrativas são iluminadas, um espaço em que o leitor percorre como um vivente da história. Seus textos são mágicos. Adentramos em suas subjetividades, sentimos como se janelas se abrissem e encontramos nós mesmos. Sua crônica “Palavras em fuga”, selecionada no projeto “Crônicas dos Campos Gerais”, me encantou por abordar o universo que muito me instiga – o das palavras.

 Ela inicia sua crônica falando sobre sua habilidade com a linguagem – falada e escrita – já na infância. Fala do incentivo dos pais e das atividades que praticava e, com muita sensibilidade, relata as cenas vivenciadas com as palavras. A relação entre elas é notável ainda hoje. 

   Como um pássaro na mão… que de repente voa, assim as palavras estão… em fuga. E a casa… a mente que as acolheu com segurança e afeto fica vazia.  Quando ela mais precisa de uma palavra não a encontra e, então, desembestada sai pelas ruas à procura… e é assim que Sueli nos brinda com seu mundo fecundo de imaginação. A sua escrita tem um elo que nos prende pela emoção.

 “(…) Nos momentos em que mais anseio por uma delas, vejo-a correndo pela rua, e no caminho carregando sua irmã gêmea, com a qual eu poderia contar no caso de uma desaparecer, mas a irmã, cujo nome é Sinônimo, também foge. Na fuga vão arrebanhando mais e mais e eu ficando com a mente esvaziada…(…)”. (Sueli Fernandes).

 Recomendo a leitura na íntegra do texto “Palavras em fuga”, de Sueli Fernandes. Segue link da publicação. 

 http://cronicascamposgerais.blogspot.com/2021/12/palavras-em-fuga.html?m=1

Por LENITA STARK

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