Ontem à noite, estava assistindo ao jornal. É incrível como a tecnologia diminui as distâncias e faz com que acontecimentos ocorridos no outro lado do mundo, em segundos, percorram o planeta. Todos os dias, somos bombardeados simultaneamente desde notícias de guerras e terremotos até a um campeonato brasileiro de futebol ou a venda de um shampoo com um preço promocional de cinco reais.
Preocupa-me não a rapidez com que essas notícias chegam à sala de nossa casa, mas o fato de incluirmos tragédias humanas, lazer e consumo no mesmo pacote e acharmos que tudo isso é natural. Tão natural ao ponto de que comprar um cosmético a preço promocional ou assistir a uma novela seja tão importante quanto a perda de milhares de vidas em uma guerra ou em um terremoto.
Confesso que, para mim, tragédias não deveriam ser expostas junto com essas frivolidades, como se as mazelas da humanidade fossem meros produtos de consumo em prateleiras de supermercados. Cada um tem o seu valor, o seu tempo, a sua história, ainda mais quando eles são vistos por milhões de pessoas no mundo inteiro.
Não consigo assistir indiferentemente a pessoas sendo mortas em uma guerra junto com as instruções de um bolo de chocolate e, logo após, nos intervalos, ver uma propaganda de cosméticos. À medida que o jornal avançava e a telinha ia divulgando as notícias, o sofá, antes macio e confortável, já começava a mostrar algumas incômodas protuberâncias que machucavam o meu corpo e a minha consciência.
O programa informativo que, para alguns, dura apenas meia hora, para mim, suas notícias, suas histórias, seus sofrimentos, quase sempre, tiram meu sono ou até se transformam em pesadelos.
Claro que nem tudo que passa na telinha é desgraça. Não quero dizer também que um campeonato de futebol não tenha o seu valor de entretimento, de torcida, de descontração. Afinal, a disputa entre dois times é uma forma saudável de oponentes disputarem o mesmo troféu – em paz, sem guerras, sem armas. Também uma boa marca de um shampoo é uma escolha acertada para quem deseja cuidar bem de seus cabelos. Conteúdos mais amenos tornam o nosso final de noite, após um dia cansativo de trabalho, em momentos de descontração. Isso é justo!
Entretanto, eu quero conhecer primeiro a história daquela família ucraniana que perdeu sua casa, seus pais, seus filhos, seus amigos – e tentar entender um pouco de sua dor. Eu queria que os donos do poder tentassem justificar a uma mãe que acaba de perder o seu filho os motivos de uma guerra. Eu queria que alguém me fizesse entender o real sentido de disputas territoriais, demarcações de fronteiras, quando poderíamos viver juntos, em paz e harmonia.
Quando eu acompanho nos noticiários um terremoto em qualquer lugar do planeta e vejo pessoas soterradas, debaixo de ferros retorcidos e concreto, tudo isso me dá calafrios. Meu coração bate mais forte no momento em que os bombeiros pedem silêncio às pessoas para ouvir um pedido de socorro, um gemido, um sinal de vida de algum sobrevivente soterrado por baixo dos escombros daquilo que outrora foi o seu lar.
Não tenho dúvidas do bem – supérfluo ou necessário – que os meios de comunicação podem nutrir conectando-nos, em pouco tempo, com todos os cantos de nosso planeta. O jornal de notícias entra em nossos lares e nos divulga simultaneamente bons e maus acontecimentos todos os dias. No final das contas, não é a rapidez com que as notícias entram em nossos lares que me preocupa. O que me assombra é o fato de vê-las sendo repetidas tantas vezes, que, com o passar do tempo, chegamos a pensar que a barbárie é natural, que a tragédia é um espetáculo de futebol e uma vida não custa mais que cinco reais.
Por NERI LUIZ CAPPELLARI