CRÔNICAS – Mulher e as Artes Liberais por Cleópatra Melo

CRÔNICAS – Mulher e as Artes Liberais por Cleópatra Melo

  Gloriosa história de intelectualidade e protagonismo na dita “Idade das Trevas”

 Nos meses de março e abril é impossível não sentir a atmosfera latente do ativismo feminino, meu eu mulher e cidadã é cumplice, logicamente!

 Porém, minha homenagem ficará por conta de um breve relato da história da mulher que é pouco sabido pelo grande público. Tenho mesmo a pretensão de puxar pra nossa “sardinha” e conseguir nos fazer uma massagem no ego.

 Então, convido vocês leitores a virem comigo aguçar um pouco a curiosidade sobre as 7 artes liberais (sete é o fundamento da palavra de Deus, o número da plenitude e perfeição física e espiritual) são compostas pelo Trivium (lógica, gramatica e retorica) e o Quadrivium (aritmética, astronomia, música e geometria). Quanto ao conteúdo, as artes liberais clássicas não possuíam um numero fechado de disciplinas. Por vezes, a dança, a poesia, a ginastica, a medicina e a arquitetura eram contadas como artes liberais.

 Mas onde está a mulher nisso tudo?

 A mulher, assim como o homem, tinha acesso a essa educação liberal. Para o filósofo Hugo de São Vitor, no seu tratado intitulado Didascalicon somos seres racionais pelo conhecimento e pela virtude, ou seja, quando usamos nosso intelecto e nossa memoria com a finalidade de realizar o conhecimento e praticar um conhecimento vitorioso.

 No auge da Idade Média o ensino das sete artes liberais é praticado nos conventos femininos e isso contribui para um protagonismo intelectual e profissional da mulher do qual quase não ouvimos falar, nesse momento da história os registros fiscais contam mais de 150 profissões exercidas por mulheres, como professoras, medicas, boticárias, paramédicas, as de conhecimento jurídico e etc… Sim, éramos consideradas trabalhadoras intelectuais iguais aos nossos pares masculinos.

 Pasmem, há um estudo da Professora Doutora Christine Rufino Dabat que trata sobre a condição das mulheres no tempo das catedrais (“Mas onde estão as neves de outrora?” Notas biográficas sobre a condição das mulheres no tempo das catedrais – CHRISTINE RUFINO DABAT – periódicos.ufpe.br) que nos conta sobre a façanha de mulheres como agentes culturais.

 Entre o ano de 1050 e 1350, na França, são construídas mais de 80 catedrais, 500 grandes igrejas e dezenas de milhares de igrejas paroquiais, todas dedicadas a Nossa Senhora. Os construtores conhecidos das catedrais eram homens: os grandes pintores e escultores.

 Contudo, a edificação de uma catedral requer muito mais competência e forças econômicas além de arquitetos e pintores, por mais geniais que sejam. E nessas outras posições, essenciais, há mulheres, sim.

 As citadinas, elas coletavam dinheiro, como Isabelle Raclete em Autum; e de outros modos organizavam o apoio arquitetônico, assim como empresarias, operarias, esposas ou filhas de artesãos…eram diversas operações que esse gigantesco empreendimento comportavam. Entre os patrocinadores dos empreendimentos artísticos, distinguem-se sempre as senhoras feudais, sejam elas leigas ou religiosas. As rainhas, em particular, financiavam as maiores obras arquitetônicas, ex: Blanche de Castela, Alienor…enfim, os contratos de construção são patrocinados por mulheres, laicas e monjas.

 O papel dessas mulheres não se limita à contribuição para a realização de obras, ou mesmo à iniciativa de empreendê-la. Elas participavam também na orientação arquitetural de muitos prédios, é o caso das abadias, por exemplo, a de Fontevraud dirigida por uma mulher, na época de sua fundação, tem uma cozinha muito particular com várias chaminés comodamente colocadas para atender muitos peregrinos e pobres, além da comunidade monacal.

 Bom, por mim, eu ficaria aqui escrevendo sobre mestres de obras mulheres em construções de igrejas, escultoras que não levaram os créditos devidos…dedicaria uma pagina inteira à Heloisa de Argenteuil, intelectual que nos honra muito na sua audácia quanto pensadora e escritora, sem deixar de falar do seu amor com o filosofo Pedro Abelardo.

 Do meu mais profundo ser, digo a vocês, é inconcebível crer, que nós, perpetuadoras da espécie, estejamos alheias ao protagonismo histórico do desenvolvimento da estrutura político econômica social da humanidade. Toda espécie em evolução requer a guarda, defesa e proteção do seu nascedouro, caso contrário, ela não sobrevive, ela se extingue. Deu pra entender a importância da mulher?

 Deixo essa reflexão para o nosso leitor.

Por CLEÓPATRA MELO

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