Venho observando uma tendência (?) no uso de emponderar, emponderado(a) e emponderamento, no lugar de empoderar e seus derivados. Num primeiro momento, fiquei um pouco incomodado com o possível erro; afinal, sou professor e uma pessoa bem informada – sei de onde vem e as implicações sociais e corporativas de empoderamento. Passado algum tempo, comecei a tolerar a variação, que, na verdade, é produto da inclusão de um único fonema nasal; afinal, sou linguista e entendo um pouco de variação linguística. Não se pode criticar uma pessoa por “errar” a pronúncia de uma palavra e acabar, em alguns casos, criando uma nova, bem parecida com a original. Há diversos exemplos semelhantes na língua, alguns até mais “chocantes” do que esse. Ressalto que, neste caso, o registro vale para o uso de emponderar e derivados no lugar de empoderar e derivados.
Rapidamente, um pouco de língua portuguesa. Pode parecer estranho, mas a palavra emponderar existe na língua e quer dizer “encarregar”. É palavra antiga e já em desuso. Por outro lado, emponderamento não aparece como palavra reconhecida do português (ainda!). O Houaiss não apresenta nenhuma das duas, e tanto o Dicionário Priberam quanto o VOLP listam somente emponderar. Sendo assim, os falantes que trocam empoderar por emponderar estão fazendo uso de uma palavra existente na língua – que a maioria provavelmente desconhece –, mas que nada tem a ver com o significado de empoderar, “dar ou adquirir poder ou mais poder” – ou seja, trata-se de mera coincidência. Os vocábulos (emponderar, emponderado/a e emponderamento) – é importante frisar – estão perfeitamente de acordo com as regras de criação lexical da língua.
Digressões teóricas à parte, na condição de especialista, não vejo problema e muito menos “erro” nos termos emponderar e emponderamento; são meras variações que não trazem dificuldade de entendimento, estabelecido claramente o contexto. Os puristas podem arrancar os cabelos, mas essa é a explicação “científica” para a questão. A bem da verdade, estamos sempre criando novas palavras e atribuindo novos significados a palavras mais antigas (o termo correto aqui é “ressemantização”). Pode ser que no futuro tenhamos empoderar e empoderamento ao lado de emponderar e emponderamento, quer dizer, dois neologismos. Só o tempo dirá. Não sei se os dois neologismos vão “pegar”, mas passei a ver com bons olhos sua utilização e explico a seguir o porquê.
Voltemos ao início da discussão. Passado mais algum tempo, comecei a ver a coisa sob outro aspecto. Se empoderar é “dar poder”, por que não pode existir o termo emponderar com o sentido de “conferir ponderação”? Aqui caberia uma pergunta um tanto quanto filosófica: é melhor dar poder a alguém ou fomentar ponderação nas atitudes, por exemplo, de quem tem tal poder? Ou ambos? Talvez pessoas empoderadas E emponderadas contribuam para uma sociedade melhor. Fato é que a discussão, a meu ver, não fica invalidada. A vida atualmente está muito baseada em poder – em dinheiro também, mas não podemos esquecer a relação intrínseca e diretamente proporcional entre dinheiro e poder. É possível que uma sociedade mais emponderada nos oferecesse melhor qualidade de vida, menos discussões infrutíferas, menos violência, menos preconceito e mais respeito à diversidade em relação a uma sociedade meramente empoderada. O mesmo vale para os indivíduos. Fica a sugestão para que, ao se ouvirem esses neologismos, não se parta diretamente para a condenação linguística preconceituosa, e sim para uma reflexão filosófico-sociológico-antropológico-metafísica, ou seja lá o que for. Esta, obviamente, é uma discussão que exige mais tempo, espaço e pesquisa, mas vocês entenderam. Ou assim espero.
Por JOSÉ MANUEL