CRÔNICAS – Relógio de gelo por Neri Luiz Cappellari

CRÔNICAS – Relógio de gelo por Neri Luiz Cappellari

            Sempre fui apaixonado pela arte. Adoro ler a respeito dos artistas e apreciar os seus trabalhos. Leonardo da Vinci, Michelangelo, Van Gogh, Matisse, Picasso são alguns exemplos de clássicos que me fascinam. Contudo, a arte contemporânea vai além das telas e ganha as ruas, os espaços urbanos, os prédios, as calçadas, as pontes, a natureza – o mundo torna-se o seu palco – e é essa arte pulsante e viva por refletir diretamente o nosso tempo que, no momento, tem captado a minha atenção.

            Uma dessas manifestações artísticas ocorreu entre o período de 30 de novembro até 11 de dezembro de 2015 e se realizou na Conferência do Clima de Paris (COP21). Esse evento reuniu 195 países com o objetivo de reduzir a emissão de gases para conter o efeito estufa em nosso planeta.

            Na época, a temperatura da terra estava aumentando e o derretimento das calotas polares nos extremos do planeta já eram visíveis. Inclusive, já se podiam ver vários icebergs se formando a partir do desprendimento dessas geleiras.

            O artista plástico islando-dinamarquês, Olafur Elliasson, grande defensor dos assuntos ambientais, achou uma forma muito especial para denunciar a urgência de se lutar contra o aquecimento global.

            Trouxe doze cubos de gelo monumentais, cada um pesando cem toneladas, vindos de icebergs da Groelândia, que foram dispostos em forma de relógio na frente do Panthéon, em Paris, durante a semana em que aconteceu o evento.

            O peso desses blocos não foi escolhido aleatoriamente: cem toneladas é o volume de gelo que derrete a cada centésimo de segundo no mundo por causa das mudanças climáticas. Os enormes blocos de gelo dispostos em forma de relógio estariam se derretendo durante todo o período da conferência.  Assim, ao final do evento, na sexta-feira, só restou a água derretida.

            Essa obra em frente a COP21 foi altamente impactante e significativa. A simbologia de um relógio de gelo se derretendo nos mostra o que o aquecimento global pode fazer não só com as calotas polares, mas também com as espécies em seus habitats. Os blocos de gelo dispostos junto ao Pantheon, sede da conferência, conectam-nos e nos aproximam do que está acontecendo a milhares de quilômetros.

            De fato, a ideia do artista era que as pessoas tocassem essas imensas pedras de gelo, admirassem-nas, sentissem a sua energia, compreendessem o processo de derretimento que está acontecendo ao nosso redor.

            Realmente foi isso que aconteceu naquela ocasião. Relatos contam que as pessoas que passaram pelo local e viram todo aquele gelo, derretendo rapidamente, sensibilizaram-se e sentiram a necessidade de fazer algo para evitar o desastre iminente.

            Quando chegou o final da conferência, no dia 11 de dezembro de 2015, sexta-feira, todo o gelo havia derretido. A água que escorria pelo Panthéon, em Paris, era a prova de que devemos agir, e rápido, se quisermos salvar o nosso planeta. O artista plástico, Olafur Elliasson, antecipa-nos, através do seu relógio de gelo, o que nos aguarda em um futuro próximo se não fizermos algo de concreto a esse pedido de socorro.

            Apesar do impacto que a obra causou nas pessoas que passaram pelo local, na época, e da urgência de atitudes concretas necessárias para evitar o aquecimento em nosso mundo, pouco está sendo feito para evitar uma catástrofe global. 

            Infelizmente a pauta econômica tem se sobreposto à pauta ambiental. Quantos relógios de gelo serão necessários para conscientizar os líderes mundiais e as pessoas de que o nosso planeta está pedindo socorro? – pergunta para a qual não tenho resposta. Apenas espero que, quando acordarmos para a realidade, não seja tarde demais.

Por NERI LUIZ CAPPELLARI

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