Não é incomum que escritoras encontrem- se no meio do fogo cruzado entre a vida cotidiana e a necessidade de escrever. Em 1929, no livro Um quarto só seu, Virginia Woolf defendeu a ideia de que mulheres deveriam ter um espaço só delas para produzirem literatura e artigos críticos. Anos depois, em 1952, Alba Céspedes, no livro Caderno Proibido, narra a história de Valeria, uma mulher imersa na vida “comum” – casa, marido, filhos- que passa pelo processo de transformação ao comprar um caderno preto que viria a ser o seu diário e nele escreve seu cotidiano e suas reflexões que não só dão sentido ao que Virginia disse, como também mostram o quanto a elaboração do que se vive faz diferença no processo da existência. Abaixo, alguns trechos do livro:
“Agora, por trás de qualquer coisa que eu faça ou diga, existe a sombra deste caderno. Nunca poderia acreditar que tudo o que me acontece ao longo do dia merecesse ser anotado. Minha vida sempre me pareceu meio insignificante, sem acontecimentos notáveis além do casamento e do nascimento das crianças. Mas desde que, por acaso, comecei a manter um diário, percebo que uma palavra, um tom, podem ser tão importantes, ou até mais, quanto os fatos que estamos habituados a considerar como tais. Aprender a compreender as coisas mínimas que acontecem todos os dias talvez seja aprender a compreender realmente o significado mais recôndito da vida. Mas não sei se isso é um bem, temo que não.”
“O fato de somente a esta hora conseguir ficar sozinha para escrever me faz compreender que agora, pela primeira vez em 23 anos de casamento, dedico um pouco de tempo a mim mesma.”
(O Caderno Proibido, Alba Céspedes)
Faço parte de um coletivo só de escritoras, no qual, a maioria, além de se dedicarem à arte de escrever, se dividem entre suas profissões (viver da literatura ainda não é uma realidade para muitas, infelizmente) e à vida familiar. Nossos questionamentos, o tempo apertado, o cansaço e tudo o que constitui a vida ordinária são combustíveis que movem nossa escrita diária.
Na presente edição, compartilho com você, leitor, três crônicas que revelam as tensões e realizações de mulheres que precisam “escre(vi)ver”.
Por FLÁVIA JOSS