A coluna conta com crônicas escritas pela colunista e por convidados e/ou textos de escritores já consagrados, abordando temas atuais, do nosso cotidiano, e que nos façam refletir.
Nesta edição da revista, o tema abordado é O ESPÍRITO NATALINO E A CARIDADE.
Imagem: Arquivo pessoal
Todo ano, ao se aproximar a época do Natal, somos invadidos por sentimentos de compaixão, esperança, caridade.
Aos primeiros sinais da chegada do Natal, já começamos a pensar onde passaremos a Ceia de Natal, quais presentes compraremos, como celebraremos essa data tão especial.
Alguns de nós, tomados pelo Espírito Natalino, vamos aos Correios buscar uma cartinha de Natal para fazermos a nossa boa ação do ano: presentear uma criança que terá a oportunidade de ganhar o seu presente do Papai Noel.
Mas será que essa única boa ação é suficiente? Qual o sentido em realizá-la? O que buscamos e esperamos com essa atitude?
Durante todo o ano que se passou, não deixaram de existir pessoas passando por diversas necessidades, muitas sem ter onde dormir, o que comer, o que vestir. Esse ano, por exemplo, tivemos uma catástrofe climática no Rio Grande do Sul, na qual boa parte do estado sofreu com as inundações causadas pela chuva excessiva! Vidas foram perdidas, tantas pessoas perderam seus lares… Os custos são imensos e a região levará bastante tempo para se recuperar dos danos que foram causados.
Em um sentimento de união como nação, foram realizadas várias campanhas para arrecadação de alimentos, água, roupas. O Brasil inteiro se uniu pelo Rio Grande do Sul, algo muito bonito de se ver!
Mas hoje, passado algum tempo desde a tragédia, quantos de nós seguimos ajudando ou nos preocupando com as consequências que os gaúchos ainda enfrentam?
Não desmereço nem diminuo as boas ações realizadas na época do Natal. Pelo contrário, essas ações são muito nobres e extremamente importantes: a cartinha dos Correios será responsável por trazer alegria para uma criança que, caso contrário, não receberia seu presente de Natal; a cesta básica irá proporcionar uma ceia digna para quem não possui condições de comprar seu próprio alimento.
Imagem de Sridhar M E por Freepik
Mas essas ações isoladas não são suficientes, visto que as necessidades continuam a existir durante todo o ano. Assim, o meu desejo é que esse sentimento de caridade, de amor ao próximo, que emana durante o período natalino ou em situações de grande comoção, como ocorreu com as inundações do Rio Grande do Sul, perdure durante todo o ano! Que o Espírito Natalino e a Caridade virem rotina, que possamos sempre estender a mão a quem precisa.
O ESPÍRITO NATALINO E A CARIDADE
Imagem de Sridhar M E por Freepik
Presente de Natal
Rachel de Queiroz
Vem chegando o Natal, e já se aprontam os presentes, e já as lojas se enchem de fios de prata e algodão fingindo neve nas vitrines, camuflando a mercadoria cara. Já se fazem as contas e se suspira contra o dinheiro sem valor.
Enquanto isso, no morro e no subúrbio pobre, o Natal não traz quase novidade. Quem não tem cobertor na cama nem panela com castanha no fogo — quem às vezes não tem cama nem fogo, como acontece a muita gente, não encontra no Natal diferença por maior. Talvez só a Missa do Galo, a qual é de graça — e nem isso, por dar vexame ir à missa de vestido velho e pé no tamanco. Tempo de Carnaval sempre é mais fácil, basta enfiar um calção ou uma saia velha, passa tinta no rosto, pega uma lata e um pauzinho, brincará do mesmo jeito. Mas, em tempo do nascimento, bloco de sujo é pecado. Não vê que a limpeza Deus amou?
Por isso, minha amiga Béatriz Reynal largou de mão a poesia por um pouco e anda tomando providências. Juntando fazenda para roupinhas novas das crianças ao Natal, fazendo questão de que todo o mundo vá de vestido novo à Missa da Meia-Noite, para o galo não beliscar.
Sou mulher de natureza encolhida e tímida e deixo de fazer alguma coisa pelos outros, como seria de meu gosto, menos por secura de coração do que por falta de coragem para agir. Por isso mesmo admiro os que o fazem, os que não temem bater à porta alheia quando é para o bem de quem precisa. Béatrix, por exemplo: começa arranjando um livro em branco para escrever o nome dos doadores. Fosse eu, logo ficaria indecisa e pessimista, acreditava lá que houvesse doadores em número suficiente para encher aquele livro. Ela, porém, tem fé na natureza humana, é uma maravilha; logicamente tem fé no livro. E da posse do livro para a descoberta dos doadores, parece que medeia apenas um passe de mágica. É mágica. Telefonar, pedir, rogar, andar a pé, de bonde e de automóvel, até de barca. Saber descobrir quem tem coração mole, que ainda acredita e cumpre o preceito de vestir os nus, quem já não é freguês de outras caridades. Descobrir outras senhoras que se associem à empresa — senhoras que não gostam de cartaz, que trabalham em verdade por amor dos humildes e não para aparecerem nos jornais cinematográficos entregando um saquinho de não se sabe o que, a cada um, bem caprichado e em close-up, à fila infinita de mulheres e crianças que esperaram ao sol e à chuva, o dia inteiro.
Que a minha amiga, Béatrix Reynal, faça as suas caridades de modo diferente. Para ela, o importante é o socorro em si, não é o gesto. Na hora de pedir a fazenda, de arranjar as colaborações, de sair de porta em porta, de se matar de trabalho, medindo, cortando pano, arrumando, embrulhando, empacotando, ela é a primeira. Só na hora de entregar é que ela não aparece. O pano já está aí, os pobres já estão aí, não é mesmo?
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Sei que não é com a caridade individual que se alivia a pobreza do mundo. Sei que não é com esmolas que se cura a miséria. Mas que a caridade ajuda, ajuda. Desculpem-me os senhores teóricos, posso estar errada, podem ficar danados comigo. Eu morro, mas digo: ajuda, sim. Calculemos que Béatrix Reynal com essa sua campanha do vestido de Natal, consiga dar roupa a dez mil crianças. Sei que com isso não as redime da miséria; não as livra do barracão sórdido, não lhes dá escola, nem higiene, nem médico, nem lhes aumenta a ração. Mas enquanto o vestidinho durar, o corpo delas não estará nu. Não sentirão frio, poderão sair sem vexame, terão na sua vida de crianças e pobres aquela preciosa alegria do vestido novo. Façamos as nossas revoluções, decretemos leis, cheguemos ao socialismo, remediemos a desigualdade, como é o nosso sonho e a nossa obrigação.
Mas enquanto isso não chega, pelo menos viva o vestido novo. Mais tarde, os meninos que a poetisa vestiu agora não terão nada ou terão tudo, serão vítimas da fome ou senhores do mundo, conforme for o que está para vir. Mas, com futuro ou sem futuro, a alegria do vestido novo, isso pelo menos eles armazenaram, isso ninguém lhes tira mais.
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REFERÊNCIA
Por Rachel de Queiroz (Periódico: O Cruzeiro. Coluna: Última Página. Rio de Janeiro: Acervo Instituto Moreira Salles.
Link<https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/9065/presente-de-natal>)
Por CHRISTIANE MORAES