CRÔNICAS TONS DO COTIDIANO – Pinceladas da vida

CRÔNICAS TONS DO COTIDIANO – Pinceladas da vida

Como já é do conhecimento de vocês, a coluna Tons do Cotidiano traz textos do gênero crônica. Apoiado em situações do dia a dia, esses textos podem ser como um retrato verbal dos acontecimentos que nos cercam.
Na presente edição, você poderá degustar microcrônicas que, como o próprio nome indica, são crônicas bem curtas (até 400 caracteres), que abordam três temáticas: ausência, tempo e velocidade do tempo x tempo de espera. Serão seis microcrônicas, três da minha autoria e três da escritora Danyelle Schetine.

Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

(Carlos Drummond de Andrade in: Corpo. Rio de Janeiro: 6ª edição, Editora Record, 1985 – p. 25)

 

Danyelle Schetine, professora e escritora. 38 anos, sergipana residindo em Piranhas Alagoas. Participa do coletivo @autorasassombradas e autora do Conto Longo: Ritual disponível na Amazon.

 

Ausência não drummondiana

Ainda não consigo ressignificar a palavra ausência. Para mim ela continua sendo esse buraco negro socado no peito. Esse gosto salobre na boca. O frasco vazio de um perfume que acabou, mas que você guarda na ilusão de eternizar aquele aroma. É um cômodo sem móveis, onde se grita e a própria voz reverbera solitária.
Perdão, Drummond, eu continuo achando que ausência é falta.

Flávia Joss

Crime e Castigo

Sou feita de ausências. De pai sanguíneo que nunca saberei quem é ou das doenças que
poderia herdar. Ausência de álbum de gravidez, já que fui dada a adoção. Ausência de
amores tranquilos como nas músicas do Jorge Vercillo. Porém acho que a pior delas, foi a
ausência de mim. A boazinha que deseja ser amada deixou ausente o amor que podia ter
dado a si mesma. Considero esse o maior crime de abandono. Prisão perpétua: cárcere
privado em mim.

Danyelle Schetine

 

Alada

Houve um tempo em que eu não desejava fazer 40 anos. Aquele “enta” em que a gente pisa e só sai se chegar aos cem. Quarenta … a embocadura da tal idade me trazia um peso e a sensação de colocar nas costas uma mochila cheia de pedras. Mas hoje, fazendo 48, tenho a certeza de que as pedras se transformaram em asas. Vivo um tempo de leveza, meu voo começou aos 40. Me joguei, perdi o medo. Que venham os 50.

Flávia Joss

 

Ampulheta da vida

Tempo é tudo e tudo é Tempo e tempo é nada. Refrão da música que eu adorava ouvir
enquanto ainda tinha tempo. Aquela época em que o futuro é imensidão e os sonhos são
todos realizáveis. Hoje corro atrás do tempo: dormir, comer, ler, ver uma boa série,
conhecer pessoas. Tudo é escasso, é o nada da música. Meus pais envelheceram, meus
filhos cresceram, meu corpo sofre a ação do tempo. E reflito com Daniela Mercury: quanto
tempo tenho pra matar essa saudade?

Danyelle Schetine

 

 

Infinitude

Nunca fui boa em lidar com as esperas. Minha ansiedade me mantém ligada no 220. Faço várias coisas ao mesmo tempo e estou sempre tentando seguir na velocidade desse tempo-luz. Mas, quando é preciso esperar, sofro. Acho que toda espera é um longo e dolorido trabalho de parto. Toda espera é infinita.

Flávia Joss

 

Ansioso erro

Eu sofro de urgências. Não tenho paciência de esperar a prosa decantar, criar as imagens
certas. Eu só pego o celular e vou como quem não quer perder nada. O texto que poderia
ser excelente, precisa de trinta revisões, erro letras, engulo palavras. É a velocidade da
minha mente x o tempo da prosa. Eterna brincadeira na gangorra da vida e da escrita e haja
paciência para quem quer me orientar. Gente ansiosa e acelerada rende lugar no céu aos
mentores. Todo karma é pago num período curto de tempo, onde eu passo com a ventania.
Ah Lenine, me ensina essa paciência da sua música, vai.

Danyelle Schetine

 

Por FLÁVIA JOSS

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