Era um sábado pela manhã, como parte da rotina do meu trabalho no hospital estava fazendo a ronda de visitas aos pacientes, quando um pequenino passarinho entrou pela porta do corredor que dava acesso à varanda e voou até o quarto 208, onde eu acabara de entrar, pousou rapidamente no leito da única paciente internada, voltou e foi-se embora.
Ah, pequenino passarinho, tomastes meus pensamentos por um par de momentos até que uma voz feminina desesperada e chorosa roubou-os de ti: – Moça, minha vozinha foi? Será que ela morreu? Moça, me ajuda! Era a acompanhante da paciente do 208. Caí vertiginosamente das asas do passarinho e fui acionar a enfermagem sobre a ocorrência.
De fato, o quarto 208 tinha recebido a visita da morte. Seguiu-se dor, pranto e mais uma vez me encontrei no lugar que penso que a grande maioria dos entes viventes acabam indo quando se deparam com a passagem da morte: o da estranheza, perplexidade, reflexão e tristeza. Mesmo sendo uma profissional da saúde, mesmo já tendo presenciado diversas vezes esse evento (e bem mais nos recentes anos pandêmicos), acabo nesse mesmo lugar e memória: os dias nos quais mais estive com a morte por perto, os dias em que ela esteve em minha casa, meio que aguardando o momento do caminho para o meu falecido pai, os dias em que a doença que os antigos não pronunciam o nome foi consumindo sua vida até que a morte o colheu.
Colheita presenciada por sua esposa e filhos.
No entanto, esse lugar de reflexão e memória, estranhamente (milagrosamente? talvez sim, milagres assumem as mais diversas formas) não é para mim encontro com a dor, mas com um sentimento poderoso e curativo: a gratidão. A gratidão pelo pai que tive, a gratidão pela vida que existiu, a gratidão pela família criada, e por tanto mais. Foi dessa forma que atravessei meu luto – agradecendo. Sempre que a dor batia à minha porta, eu trazia à minha mente e memória motivos para agradecer.
Esse constante exercício foi mudando a aridez do meu peito e me tirando a tarja preta da alma e do coração. Não sei, se caso me sobrevenha um outro luto, conseguirei atravessá-lo da mesma forma. As dores, mesmo iguais, são diferentes.
As pessoas são diferentes, mas prefiro alimentar a perspectiva da vida vivida. A perspectiva de que a vida, para mim, sempre será maior que a morte e que, mesmo quando pense em morte, acabe pensando mais em vida! Talvez o papel da morte nessa passagem para o mistério seja justamente esse: exaltar a vida! Portanto, que possamos sempre enaltecer e cultivar a vida, até mesmo no luto. Sigamos em frente. Sigamos vivendo!
E o passarinho? … Ah, o passarinho, deixo esse mistério com vocês!
janeiro 22/2022
Por AGILKIA NUNES