EN DEHORS – “Deixa eu me apresentar que eu acabei de chegar”

EN DEHORS – “Deixa eu me apresentar que eu acabei de chegar”

 

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 É com essas palavras, que abrem a canção “Amarelo, Azul e Branco” de Anavitória (com participação de Rita Lee), e homenageiam o estado do Tocantins, que eu inicio essa coluna, cuja proposta é falar da arte da dança.

 Traçando livremente paralelos com a canção, a origem do que sou (inclusive para além da dança) está na bailarina que comecei a aflorar na infância. Comecei com o ballet clássico, aos 8 anos de idade, em uma escola de São Paulo. Ao longo dos anos, fui acumulando graduações da Royal Academy of Dance, método predominante na minha formação, e frequentei, por anos, relevantes festivais nacionais, como o conhecido festival anual de Joinville – SC entre outros.

 Decidi fazer faculdade de Direito, carreira que admirava e me fez muito feliz por bastante tempo. Essa escolha foi influenciada por um receio, já que me assustava viver de arte em um país como o Brasil, onde não se é dado muito valor. Penso que essa insegurança assola muitos artistas até a atualidade. Escolhi, contudo, manter a dança mais como um hobby do que como uma profissão.

 Por um capricho gostoso da vida, acabei por ter no ballet clássico meu primeiro emprego. Foi ensinando essa arte para crianças de 2 a 12 anos, que me mantive enquanto cursava a faculdade que, mesmo sendo pública, implicava em gastos com deslocamento e livros.

 Nesse tempo em que ensinava, também estudei dança do ventre por aproximadamente 3 anos.

 Atualmente, conciliando dança, trabalho e maternidade, permaneço conectada a essa poesia do corpo fazendo aulas de balllet, jazz e stiletto. Fato é que uma bailarina até pode deixar a dança, sair dela, mas a dança nunca sai da bailarina, nunca a deixa.

 Como escritora, tenho dois livros lançados em 2021, na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro.

 A poesia de “Preliminares – nudez no verso” tem evidentes influências de minha paixão pela dança. Num dos poemas do livro, o “Dançacasalamento”, cunho esse neologismo por justaposição para sugerir que a relação sexual se dá como que coreografada em movimentos cuja plasticidade cinética é dançante. Há, entre os versos, imagens como “pés arqueados” e “gracejo de flancos”, por exemplo.

 No meu livro infantil, o conto proposto carrega uma música que pode ser executada por meio de um código QR. A dança também falou em mim nesse trabalho, quando desejei ver essa música viva, sendo “brincada” pelas crianças e não apenas ouvida. Em “Hoje não pode brincar lá fora” trago a possibilidade da imaginação como suporte principal do brincar que encontra limites externos. O contexto foi a pandemia que confinou meus filhos e o quanto os observei. Lembro do quanto dançamos em casa naqueles dias!

 Portanto, como trouxe na referência musical com que abri esse escrito, também sou “de um lugar onde céu e chão gruda no pé”: o palco. Também não sei – digo à dança – “diferenciar você de mim”. Eu danço para viver e vivo o que tenho dançado (parafraseando a letra original).

 O nome dessa coluna vem dessa relação de causa e consequência que a mulher que sou enxerga nos anos de trabalho de si própria por meio da dança.

 O termo en dehors, de origem francesa e muito corrente na linguagem técnica do ballet clássico, significa “para fora”. Ele aduz à rotação das pernas da bailarina, desde a inserção nos quadris, fazendo aquela conhecida figura dos pezinhos como de um pinguim: calcanhares juntos e dedos apontados para fora. É um tanto anti-anatômico -desafiador portanto, e fora da zona de conforto – girar coxas, joelhos e pés que, orientados por essa rotação e a partir desse desenho estético, precisam bailar.

 Fato é que bailarinas e bailarinos crescem desejando o perfeito en dehors, ouvindo falar dele, buscando o melhor de seu corpo para o alcançar, desafiando-se a si mesmos pelo mais escorreito resultado. Uma torsão de estrutura que expande possibilidades.

 É, deslizando significados sobre essas duas palavrinhas e ampliando o que cabe nelas, que digo: para fora se lança quem dança. De um grande mergulho interno, de um corpo com pulso e ritmo, aquele que dança se joga para fora de si, para o movimento, para o chão, para o ar, para os giros, para o outro…

 O corpo em cena desenha mensagens, diz muito sem palavras. O desafio dessa coluna é transpor esse processo às linhas. A partir do corpo em cena, da cena dançante, por para fora, em texto, em ballet de palavras, algo que faça você, meu leitor, sentir também a magia que bailarinos experimentam ao dançar.

 E já que a arte sabe como ninguém ser multissensorial, condensadora de significados e sensações, deixo como convite para aquecimento: que observem o clipe da música “Amarelo, Azul e Branco”.

 Primeiramente, porque a melodia e o convívio assíduo com essa musicalidade têm o condão de convocar o corpo acintosamente a mexer-se. Em segundo lugar, porque você que me lê e que está pensando: “isso não é para mim, já que não danço”, poderá notar como é muito mais simples do que parece. Explico: a dupla de cantoras se apresenta com um balé coreografado, desenhando a poesia no ar, com corpos que não se movem exceto por meio das mãos. Noutras palavras, para dançar não e preciso muito, bastam mensagem, entrega e movimento.

 Que a expressão se faça. Empreste dela o significado. Se joga… en dehors!

Por DANIELA LAUBÉ

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