GRANDES AUTORES – Museus são ótimos destinos de viagem

GRANDES AUTORES – Museus são ótimos destinos de viagem

O tipo de passeio que mais me encanta quando estou à toa num fim de semana ou realmente de férias em algum lugar novo é o cultural, sem a menor dúvida, além do gastronômico, porque sou as duas coisas: curiosa e comilona. Visitar espaços como museus é um programa que sempre está incluso nos meus roteiros. Sinto que estou perdendo a oportunidade de uma excelente experiência quando não tenho tempo de entrar num espaço assim, mesmo que nas cidadezinhas de interior. Eu não resisto, podendo ser o museu que for: da música, do café, de um time de futebol, do trem bélico, da arte ultra contemporânea. O último que conheci, aliás, foi o Museu Asas de um Sonho, antigo Museu TAM, na pacata Itu, a cem quilômetros de São Paulo.

Imagem de Luigi Rigoni por Melhores destinos

 

Sou também daquelas que sempre se desgarram do grupo, caso eu esteja em algum. Todos que me acompanham parecem apreciar as obras expostas em maior velocidade que a minha. Não sei se sou eu, que me demoro demais, ou eles, que se impacientam, mas, quando percebo, estou sozinha na sala, custando a absorver tudo que se oferece aos meus sentidos. Além disso, sempre leio alguma etiqueta e tento anotar referências para, mais tarde, mergulhar nas obras dos artistas pouco familiares.

Até porque, vocês já devem ter sentido o mesmo, uma única visita a um museu nunca basta. Sobram informações e estímulos de um acervo, por menor que seja. É preciso tempo de decantação. Que dirá quando estamos, por exemplo, num Louvre, não é?

Minha inesquecível experiência no Musée du Louvre, em Paris, quando ainda bem jovem e pela primeira vez na Europa, foi exatamente assim. Resumindo, de maravilhamento e de exaustão. Porque tudo começa já na interminável fila a que se sujeitam os turistas nos meses de verão na França, principalmente se você deseja economizar o valor do ingresso escolhendo o domingo de entrada gratuita. Em seguida, entra em cena a logística de visitação nas incontáveis salas que transbordam séculos de história. Eu confesso que nem sabia para onde olhar, se para os artefatos da antiga Mesopotâmia, as cerâmicas de civilizações aborígenes, os tantos anjos e demônios da pintura clássica ou para ela, sim, ela, a magnânima Gioconda, ou a popular Mona Lisa, já muito conhecida por mim através de ilustrações e para a qual todas as centenas de turistas pareciam se dirigir, aos montes, num caloroso mês de julho.

 

Imagem de Artelia Group

 

Fato é que, em circunstâncias assim, torna-se impossível ver a obra. Eu apenas a olhei. Fiquei diante dela por longos minutos, mas a metros de uma distância salpicada por dezenas de cabeças e câmeras fotográficas inconvenientemente levantadas na altura do meu campo de visão. Eu não a vi verdadeiramente, não consegui admirá-la – e me lembro bem de ter me sentido frustrada pela dimensão real do quadro, bem inferior do que na minha imaginação. Essas interferências no contato com a arte são bem comuns e, na verdade, fazem parte do processo e da construção das nossas memórias.

Nesse meio tempo, ia eu no Louvre escutando o que os guias falavam cacofonicamente em línguas as mais variadas, me deixando levar por explicações sempre fragmentadas, talhadas. Por mais que se tente seguir a numeração predeterminada de sequências e se busque apoio em recursos humanos ou tecnológicos de mínima orientação, a confusão persiste, junto da sede, da fome e do cansaço. Assim, podemos encontrar em certos museus um refúgio a tal balbúrdia nas salas de vendas de sua linha de produtos, mas também elas povoadas de estímulos, em postais, catálogos, réplicas, camisetas, miniaturas. A jornada ainda se alonga para o término da visita do lado externo, onde se tenta minimamente organizar tudo o que se viu, inclusive as fotos (nunca exagero nesse ponto porque acho que ele me desvia da vivência genuína, não só nos museus).

Para além dos relatos pessoais que tanto eu quanto vocês temos dos museus que já visitamos na vida, existem estudos acadêmicos que incrementam com mais propriedade esse universo, traçando análises históricas sobre o surgimento dos milhares de museus no mundo, discussões críticas sobre os papéis que cumpriram e cumprem na sociedade, perspectivas acaloradas sobre ideologias e investimentos públicos e privados, e por aí vai. Não sou museóloga, mas vira e mexe leio pesquisas sobre as mais recentes tendências do setor, porque realmente me interessam à medida que me proporcionam mais entendimento sobre como esses espaços são pensados, com quais finalidades, para que públicos, sob quais valores socio-estéticos. Penso que essa disposição seja mais necessária com as convergências digitais das duas últimas décadas, que transformaram todo o cenário.

Um texto ainda do início dessa revolução, mas que nos ajuda muito a entender o movimento de criação dos museus, especialmente no Brasil, a partir do século XIX, é o de Myrian Sepúlveda dos Santos (2004), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O seu “Museus brasileiros e política cultural”, sob o aporte teórico de muitos autores nacionais e estrangeiros dos anos 1990, recupera algumas fases importantes dessa linha do tempo, quando houve números maiores ou menores de novos museus ou críticas mais contundentes a eles por seu papel de fortalecimento de estados nacionais, poderes militares e elites privilegiadas.

Citando Huyssen (1995), Santos (2004, p.54) localiza uma transformação nessa atuação: “O museu, como espaço da preservação da cultura das elites e do discurso oficial, teria sido substituído por uma instituição que se abre aos meios de comunicação de massa e ao grande público”. A democratização desses espaços de abrigo da arte, da cultura e dos valores de comunidades ainda assim não cessa as críticas à sua política, porém repropõe o próprio conceito do que seja um museu e onde ele possa estar e “acontecer”:

Imagem de VvoeVale por iStock

 

A partir da definição básica de museu como instituição permanente, que adquire, conserva, pesquisa, transmite e expõe testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, diversos adendos foram realizados, ampliando a diversidade do que se compreendia por museu, assim como seus vínculos e responsabilidades em relação à sociedade. Atualmente podem ser consideradas instituições museais não só monumentos, jardins botânicos e zoológicos, aquários, galerias, centros científicos, planetários, reservas naturais, como também centros culturais, práticas culturais capazes de preservar legados intangíveis e atividades criativas do mundo digital. (Santos, 2024, p.57-58)

Já nem cabe mais, nesse sentido, a expressão “isso parece peça de museu”, que por muito tempo denotou coisa velha, empoeirada, sem serventia. Hoje os museus em muitos países são abertos, ao ar livre, como o Inhotim, na região serrana de Minas Gerais, até itinerantes, como o Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, ou totalmente integrados à arquitetura, à geografia, à natureza ou ao clima da cidade, como o Museu do Amanhã, no Rio. Todos os três, inclusive, museus dos nossos sonhos e projeções atuais, que nada têm de velharias seculares.

Há ainda, vamos lembrar, os museus com projetos de digitalização de seus acervos, que possibilitam o acesso remoto àqueles que não podem visitar de modo presencial a instituição, reforçando vieses educativos e científicos; ou os museus inteiramente digitais, muitos bem sofisticados, que permitem ao visitante experiências imersivas interessantes, giros em 360 graus por salas virtuais repletas de arte e história, que só existem no ciberespaço.

Eu particularmente ainda prefiro o impacto real das obras sobre mim e toda aquela experiência cativante e bagunçada de um museu com textura, aromas e gente, que mencionei no início. Acho insubstituível sentir o trabalho de direção e de curadoria de um museu ou de suas mostras independentes. É como sentir a assinatura do cineasta de um filme ou do maestro de uma sinfônica. É a presença invisível do museu (para a qual quase ninguém liga, a não ser se quiser gastar uns minutos lendo a apresentação que adesiva as paredes de entrada da exposição) que rege as obras, escolhendo-as e alinhavando-as. Tudo isso dá o tom da conversa.

Só a experiência ao vivo, que sacode todo o nosso corpo, permite que possamos eleger nossas preferências. Foi assim que pude preferir o Musée D’Orsay ao Louvre, já que ele me colocou defronte aos impressionistas que tanto amo, às pinceladas que tanto sobram nas telas, e à estação de trem que tanta memória guarda, e que sozinha já é um museu charmosíssimo. Foi assim que troquei toda a Galeria degli Uffizi, em Florença, bem menos interessante, por uma mostra de uma única obra do britânico Damien Hirst, For the Love of God, cujo brilho único me deixou cegada por anos e anos. Foi assim que escolhi aqui em Santos, onde moro atualmente, o Museu do Mar como um dos meus favoritos (e talvez dos menos badalados para o público em geral, que logo pensa em Museu do Café ou Museu Pelé ao ter Santos como destino), já que foi dentro dele que vivi a experiência irrepetível de segurar com minhas mãos um filhotinho de tubarão.

Imagem de Paristickets

 

Espero que todos nós, caros leitores, possamos fazer a vida valer mais a pena com um delicioso repertório de experiências nos mais marcantes museus do mundo. Uma ótima viagem!

SANTOS, M. S. DOS. Museus brasileiros e política cultural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 55, p. 53–72, jun. 2004.

Por VANINA SIGRIST

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