Adentrando no imaginário social e no distanciamento da arte, principalmente da sétima arte, que muitos de nós enfrentamos, deixo aqui alguns questionamentos para você refletir: já foi ou conhece um cinema? Quantas salas de cinema existem espalhadas pelo país? O acesso a essas salas são iguais a todas as camadas sociais? Mais afinal o que é cinema? Onde surgiu? Você sabia que o cinema em ocasião do seu surgimento tinha outras funções, só mais tarde foi considerado arte? Já adianto que a pessoa aqui que vos escreve dispõe de um cinema a mais de trezentos quilômetros de distância, osso né?
Vamos iniciar nosso trajeto?
Cinema ou cinematografia é a tecnologia que reproduz fotogramas de forma rápida e sucessiva criando a chamada “ilusão de movimento”, ou seja, a percepção visual de assistir imagens que se movem. Inicialmente, o cinema foi criado como forma de entretenimento da população, passando depois, a ser comercializado e gerar lucro, em seguida sendo usado como meio de propagação ideológica e alienação das massas e por fim, arte, onde está inserida até os dias atuais.
O cinema é considerado a sétima arte, e que bela arte! Vamos fazer uma viagem apaixonante pela arte que traz a junção de todas as artes. Convido vocês a embarcarem comigo! Obviamente que não há aqui pretensão em esgotar essa discussão, mas de despertar para a busca de novos conhecimentos daquilo que nos encanta e seduz. Tesouros escondidos, autênticos e criativos. Iremos trilhar caminhos desde surgimento do cinema até os dias atuais, ao nível mundial e nacional. Desde já vos digo que o cinema brasileiro é socialmente um dos mais engajados do mundo, infelizmente os filmes não têm sua devida divulgação e muitas vezes a indústria audiovisual nem sabe de sua existência por falta de investimentos. Dai a importância de se conhecer para defender, apoiar e acreditar.
Segundo intelectual italiano Ricciotto Canudo, a arte cinematográfica é considerado a síntese de todas as artes por conter aspectos de todas, como a realidade na pintura e escultura, movimentos com a dança e a beleza da música. Afeta todos os sentidos, levando o telespectador a uma imersão, se aproximando mais intimamente do ideal do belo. É fonte de entretenimento popular destinando-se a educar ou doutrinar, pode tornar-se um método eficaz de influenciar os cidadãos. Muitos se apaixonam e como toda arte, há um encantamento levando os apaixonados a criar, colecionar, interpretar, se entregando a beleza das grandes projeções cinematográficas. Contudo, muitos não têm acesso ao cinema, uma triste realidade. Para alguns, acesso ao cinema é luxo, arte elitizada. Nesse sentido refletir sobre o seu acesso, surgimentos e outros aspectos, é necessário, para tornar possível essa aproximação.
Talvez você não soubesse responder, se eu te perguntasse os dez filmes nacionais mais premiados ou quando foi o incêndio no galpão da Cinemateca brasileira na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo (fato catastrófico ocorrido em julho de 2021 que trouxe perdas irreparáveis para a História do cinema e da arte. Histórias vividas e contadas por muitos filmes, documentos importantes que o Brasil conseguiu criar e consolidar). Se fizesse os mesmos questionamentos sobre eventos cinematográficos internacionais responderiam rapidamente. Além da falta de divulgação, já citada, inclui uma série de fatores que não cabe aqui a discussão, mas que levam a desvalorização, primeiramente por quem deveria patrocinar a produção cinematográfica e, por extensão, pelo público alvo, ao desconhecimento e esquecimento até, dessa arte, principalmente no Brasil. O complexo de inferioridade segue arraigado nos brasileiros em relação ao resto do mundo.
Emilia Viotti da Costa, autora da célebre frase: “Um povo sem memória é um povo sem história” nos mostra que não vivemos sem histórias, e que elas fazem nossa memória. Segundo LE GOFF, a nossa memória contribui para que o passado não seja totalmente esquecido, pois, ela acaba por capacitar o homem a atualizar impressões ou informações passadas, fazendo com que a história se eternize na consciência humana. O ato de contar ou ouvir histórias é à base da comunicação humana, ocorrendo numa conversa entre amigos ou registros de grandes acontecimentos, sempre foi uma das melhores formas de entretenimento, tornando as relações viáveis.
Essa paixão pelo contar história, vem desde os primórdios, e em alguns momentos históricos tornaram-se a forma de perpetuar conhecimentos entre as gerações. Essas histórias contadas e ouvidas se tornaram mais interessantes com o uso de recursos audiovisuais e o surgimento do cinema. Desde o surgimento da captação de imagens, até o que conhecemos hoje, muitos estudos e invenções foram feitas para esses registros. Entender a fisiologia do olho humano e como eles captavam a luz, sombra, reflexão foi um dos primeiros estudos realizados. Esse processo teve início na China, 5 000 a.C., com o “Teatro de Sombras”. Enquanto um narrador contava as histórias, as sombras de figuras humanas, animais, objetos eram projetados em telas ou nas paredes.
A primeira “tecnologia cinematográfica” que se tem conhecimento foi desenvolvida por Giambattista Della Porta, durante o século XVI. Seu equipamento, denominado “Câmara Escura” consistia em uma caixa fechada que tinha um pequeno orifício para a passagem de luz. A invenção fazia com que a imagem de objetos exteriores fossem projetadas no interior da caixa. Em seguida veio a Lanterna mágica por Athanasius Kirchner, no século XVII, aparelho formado por uma caixa cilíndrica iluminada por dentro com uma vela; no seu interior, imagens desenhadas em uma lâmina de vidro eram projetadas. Esse aparelho tornou-se muito popular nas feiras e centros das cidades. As pessoas se reuniam e podiam ouvir o narrador enquanto acompanhavam a projeção das imagens.
O Cinetoscópio foi lançado em 1894, por uma fábrica comandada por Thomas Edison, nos Estados Unidos com seu uso, Thomas desenvolveu obras como “Black Maria”, que é considerada o primeiro filme existente. Eles começaram a ser instalados em todos os lugares, fliperamas, parques e hotéis. Até que,os salões de cinetoscópios começaram a ser abertos em todas as regiões do país.
Cientes das invenções anteriores e a partir do cinetoscópio, os irmãos Lumière desenvolveram o cinematógrafo, em 1895. Eles já eram conhecidos pelo seu trabalho com a fotografia, ficaram ainda mais famosos com a criação do Cinematógrafo. Esse aparelho, muito importante para a história do cinema, diferentemente dos outros, permitia gravar, copiar e projetar imagens de forma que sejam mais prática. Portanto, foi considerado o primeiro aparelho, de fato, qualificado para produzir filmes. Foi com o cinematógrafo que Louis Lumière se tornou o primeiro cineasta a produzir documentários em curta-metragem.
Até a popularização do cinema um longo caminho foi percorrido. Muito diferente do que temos hoje, o cinema da época exibia cenas do cotidiano no lugar das grandes cenas de ação, monstros, galáxias e roteiros bem elaborados. Deixava o público entediado, por não haver muita edição. Os produtores realizaram diversas tentativas de gravações em várias cidades, sofrendo com intempéries, até que encontraram então a cidade ideal, cenários adequados, climas favoráveis, natureza perfeita, enfim Hollywood. Diante da necessidade de manter filmes em cartazes durante todos os anos, criaram filmes longos e histórias bem elaboradas, e o cinema se popularizou. Iniciou então a era Hollywood. Logo a maior parte da produção cinematográfica dos Estados Unidos encaminhou-se para lá e até hoje, Hollywood é a grande referência da indústria cinematográfica.
Em solo brasileiro a história do cinema teve início no dia 8 de julho de 1896, quando ocorreu a primeira sessão da história do país. Esse foi só o pontapé inicial, dois anos depois no dia 19 de junho de 1898, os irmãos ítalo-brasileiros Paschoal e Affonso Segreto gravaram imagens da entrada da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, a bordo do navio francês Brésil.
Apesar de hoje não ter nenhum resquício desse material em arquivos oficiais, foi o primeiro registro de imagens em movimento na história do país e a data é considerada o dia do cinema brasileiro. Nos anos decorrentes, os filmes gravados por aqui seguiram esse padrão: registros documentais de festas, batizados e outros eventos das famílias da Alta Sociedade brasileira.
Em 1907, iniciou no país, ainda sem energia elétrica em todos os lugares, a estruturação de um mercado para exibição de filmes, o que se tornava bastante difícil, estando o polo exibidor restrito ao eixo Rio-São Paulo. A maior parte dos filmes exibidos nesse período era importada da Europa.
O curta-metragem Os Estranguladores (1908) é considerado o primeiro filme de ficção do Brasil, seguido do primeiro longa foi O Crime dos Banhados (1914) dirigido por Francisco Santos. As primeiras películas de ficção brasileiras eram realizadas pelos próprios donos das salas de cinema e costumavam retratar histórias reais de crimes famosos. Outra fórmula bem-sucedida, à semelhança do que era feito no exterior, eram as adaptações de obras literárias.
A diminuição da produção cinematográfica europeia nos anos entre 1914 e 1918, ocasionadas pela Primeira Guerra Mundial, conflito global que arrasou o território e a indústria da Europa. Se por um lado a Primeira Guerra impulsiona a indústria nacional, para Cinema trouxe prejuízos por não estimular mais desenvolvimento de películas nacionais, modificando drasticamente o eixo de importação de filmes pelo Brasil. Era o começo da invasão de Hollywood aos nossos cinemas.
Abrindo um parêntese, a título de curiosidade, durante a Guerra, além do seu uso ideológico, o Cinema também era usado como meio de distração, principalmente para os militares. Encontravam na Sétima Arte uma válvula de escape que fazia com que, por alguns instantes, esquecessem suas responsabilidades militares, assim desfrutando com seus amigos e familiares. Estes momentos compensariam pelo menos um pouco da tensão que os soldados passavam diariamente nas trincheiras, assim os revigorando para futuras batalhas. Os Comandantes buscavam proporcionar-lhes formas de entretenimento enquanto eles estavam em seus momentos civis, longe do campo de batalha.
A história do cinema brasileiro evoluiu de forma tão rica e variada quanto à própria história do nosso país. Tomando como referências outras artes, como a arte dramática, a pintura e a literatura, no inicio do século XX, a arte cinematográfica começou a ser desenvolvido além da captação de imagens, passando a ser concebido como uma categoria de instrumento que conseguia produzir obras de arte.
Com o passar do tempo o cinema foi se transformando em uma grande indústria de entretenimento, aprimorando as técnicas da arte dramática. Atribui, sobretudo, o cinema desenvolvido em Hollywood, nos Estados Unidos da América, a popularização do gosto pelas salas de cinema como local de entretenimento em várias regiões do mundo. Temas como o melodrama e o faroeste (que se ambientam no meio oeste americano, na época da marcha para o Oeste do século XIX) estão, até hoje, entre os mais populares.
Obvio que muitos aqui já ouviram ou leram sobre as Chanchadas, espetáculo ou filme de comédia musical com humor ingênuo e popular, sendo uma adaptação brasileira do gênero internacionalmente conhecido como burlesco. As chanchadas foram comuns no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960, tendo como cenário geralmente o samba e o Carnaval, protagonizadas por grandes atores brasileiros, dentre eles o saudoso e inconfundível Grande Otelo.
Após fazermos um breve histórico da história do Cinema, que não se esgota facilmente, finalmente chegamos aos tempos contemporâneos. Uma indústria totalmente remodelada e com finalidades diferentes que se adaptam ao avanço da tecnologia e se expande, surgindo cada vez mais salas de cinema ao redor do mundo, utilizando-se de efeitos criados no computador melhorando o audiovisual, evolução do cinema 3D, célebres cerimônias como o Oscar e o Festival de Cannes se tornaram eventos transmitidos e repercutidos ao nível mundial, Netflix, entre outros. Movimentando a indústria e enriquecendo, trazendo lucros ao cinema (visão global).
Todas as informações mostram como o Cinema evolui ao longo dos anos e nunca fica estagnado.
De fato, o cinema evolui por necessidade de adaptações ao “novo” que se apresenta, vem mais leve, descontraído, didático, inclusivo, crítico e representativo. Por ser arte, é a – histórico, traz fatos atemporais, nesse sentido corre no tempo, se faz no tempo, se adaptando às necessidades e aos desejos de quem o assiste. A necessidade permite que a criação de novos gêneros de filmes, novos personagens simbólicos, novas opções e lugares para se assistir às obras, novas técnicas de direção, sem perder a essência. O cinema reflete sobre temas atuais, de cunho sociocultural, trazendo olhares e perspectivas atuais de contextos nos quais estamos inseridos.
Contemporaneamente, é visível a necessidade de evolução humana na área humanitária, num universo em que assuntos como racismo, machismo e desigualdade infelizmente ainda são frequentes.
Não há como se eximir das discussões, o Cinema vem auxiliar expondo estes temas de maneira crítica, por vezes sutil, de forma que se perpetue no imaginário social, estimulando mudanças no olhar, nos diálogos em frente ao mundo que nos cerca.
Para finalizar muitos hão de concordar que o cinema nacional, e não só o cinema, mas a cultura, em pleno século XXI, apesar das grandes evoluções tecnológicas, atravessa uma crise. Afetada pelas mudanças de hábito do consumidor durante pandemia, falta de investimentos e reconhecimento da importância do setor para a sociedade, dentre outros.
É de conhecimento de todos que quanto mais um produto depende do mercado, mais qualidade ele precisa ter, para competir com seus concorrentes, aumentando o número de consumidores e se auto-sustentando. Dai a necessidade de investimentos em tecnologias que de suporte a todo esse aparato.
Talentos existem aqui, diretores, roteiristas, diretores de fotografia, diretores de arte, etc., mas sem investimentos nada é possível.
A arte vai refletir o que acontece em um país, ele não a – histórico, portanto, é natural que traga a realidade para as telas. O cinema brasileiro é excelente e poderá ficar melhor ainda com mais investimento.
A arte cinematográfica é de extrema importância para nós, por entre outros aspectos, por ter a capacidade de difusão de ideias entre os indivíduos, estimulando sentimentos, percepções a respeito das relações em que vivem, despertando questionamentos a partir dos temas abordados nos filmes.
Conhecer para valorizar!
Por BETÂNIA PEREIRA
Betânia Pereira
COLUNISTA E POETISA