Para a coluna da 29ª edição da Revista Internacional The Bard, fui motivada a realizar uma pesquisa sobre a Literatura de Cordel em museus pelo mundo. Foram localizados Museus no Brasil e na Suiça. Antes de adentrar nestes espaços de memórias, costumes e tradições de diversas culturas, se faz necessário apresentar uma breve contextualização para posteriormente apresentar o cordel neste universo.
Entende-se por memória aquele conjunto de eventos, fatos, personagens que, por meio da sua existência no passado, possuem experiências são consistentes para o estabelecimento de uma relação da atualidade, já que se constitui, por meio de um processo de representação nas consciências, quer individual quer coletiva, transpassada por um universo simbólico dos mais significativos, referendados no reconhecimento de patrimônios culturais recuperados. A cultura fortalece e ilustra a nossa memória e nossa identidade.
Neste aspecto, a identidade passa a ser vista como estreitamente ligada ao conceito de “identificação”, já que passa pelo domínio relacional, entre o indivíduo e seu grupo e entre os grupos que se relacionam, de coisas semelhantes ou não. Portanto a:
[…] identidade é um modo de categorização utilizado pelos grupos para organizar suas trocas. Também para definir a identidade de um grupo, o importante não é inventariar seus traços culturais distintivos, mas localizar aqueles que são utilizados pelos membros do grupo para afirmar e manter uma distinção cultural […] esta identidade resulta unicamente das interações entre grupos e os procedimentos de diferenciação que eles utilizam em suas relações (Cuche, 2003, p. 182).
Ao aproximar-se deste universo, Legoff (2003) apresenta a noção de documento, como algo que atesta alguma coisa e considerando este entendimento a partir da representação, quando eventos, coisas, textos, fazeres ou demais elementos, trazem em si a presença de outros elementos, que transmitem ou induzem uma ligação. Os atributos desses elementos vinculados passam por induções objetivas e subjetivas, coletivas ou individuais, escolhidas ou impostas, mas sempre ocorrem em um contexto de agenciamento, nos quais retratam situações sócio-culturais e cronológicas definidas, quando ainda se relacionam com a construção de identidades coletivas. Assim, o documento, independentemente de sua natureza ou suporte, torna-se o elemento que possibilita remeter os eventos do passado a uma construção do presente.
Considerando a informação como artefato, produto resultante da existência humana, para Pacheco (1995) é uma ferramenta produzida e/ou percebida pelo homem, como um dos elementos necessários para a construção do conhecimento. E como tal, só tem existência quando é percebida e estabelecida quando, de algum modo, em alguma circunstância, é criada uma relação de significação. Assim essa relação é efetivada:
Se a informação é um artefato ela foi criada num tempo, espaço e forma específica, que formam um dos contextos pelo qual deve ser interpretada – o contexto de sua geração. Sendo artefato ela pode ser utilizada em um contexto distinto daquele para o qual e no qual foi produzida, sendo, portanto passível de recontextualização (Pacheco, 1995, p. 21).
Marteleto (1995, p. 90) corroborando com Pacheco, ao debruçar-se sob os aspectos da cultura, entende que cultura e informação “são conceitos fenômenos interligados pela sua própria natureza”. Nesse sentido a cultura assume uma prerrogativa memorialística, especificamente ao revelar-se como espaço de conservação e reprodução de artefatos.
Portanto, preservar a memória cultural de uma sociedade não significa atrelá-la ao passado e impedir o seu desenvolvimento, mas sim conservar seus pilares constituintes a fim de não perder conhecimentos e identidades. Assim são os museus, espaços que ligam o presente com o passado e o futuro. Como também lugares materiais onde aporta a memória social, funcionais cuja função é fortalecer as memórias coletivas e conservar a riqueza cultural de um povo, e, simbólicos porque permite que estas memórias se revelem e se expressem.
Os museus não são estáticos, realizam uma série de atividades, como: exposições, festivais de música, debates, cursos, oficinas, ações culturais e acervos de diversos suportes informacionais, como o de folhetos de cordel, possibilitando sua preservação, conservação e pesquisas. É por isso que museus, atualmente, apresentam uma diversidade de espaços, atraindo públicos variados e a comunidade local.
A seguir, apresento a Literatura de Cordel em Museus localizados nesta pesquisa e como se manifestam nestes espaços. Infelizmente não poderei falar sobre todos, optei descrever sumariamente três Museus da Paraíba, por considerar o Estado como berço da Literatura de Cordel, mas vou citá-los, para quem deseje conhecê-los, acessando os links.
Museu de Arte Popular da Paraíba – Museu dos Três Pandeiros
Imagem de Paraiba Criativa
O Museu de Arte Popular da Paraíba (MAAP) está localizado às margens do Açude Velho, em Campina Grande – Paraíba, vinculado à Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Em virtude das três estruturas circulares que compõem a sua arquitetura o MAAP passou a ser chamado de “Museu dos Três Pandeiros”. Foi inaugurado no dia 13 de dezembro de 2012, entretanto só foi aberto ao público em 10 de junho de 2014. É um complexo de exposição e de acervos documentais da música, do artesanato, da cantoria, da literatura de cordel, e da xilogravura. Nele encontra-se o acervo da Biblioteca Átila Almeida da UEPB, com a maior coleção de cordel da América Latina.
Na programação do Museu acontece mensalmente o “Cordel no Museu” desde 2019, e costuma desenvolver parcerias com outros projetos que possuem uma tônica semelhante, na cidade. A ideia é oferecer uma extensa programação, destinada à valorização do gênero e de toda invenção que ao redor dele gravita. Configura-se como um centro de estudos e documentação da cultura nordestina, especialmente a paraibana.
Museu de Arte Popular da Paraíba
Museu Casa de José Américo

Imagem de Governo da Paraíba
Fundação Casa de José Américo (FCJA), foi criada em 10 de dezembro de 1980 e inaugurada em 10 de janeiro de 1982, após nove meses do falecimento de José Américo de Almeida. A FCJA fica situada próxima ao ponto mais oriental das Américas, localizada na Praia do Cabo Branco, em João Pessoa – Paraíba, é um centro histórico, artístico e cultural, composta, basicamente, do Museu, da Biblioteca e dos Arquivos dos Governadores e outros políticos e intelectuais paraibanos.
A casa onde José Américo viveu grande parte de sua vida foi transformada em museu, preservando as características de quando nela residia, como mobiliário, objetos pessoais, obras de arte, biblioteca e arquivo fotográfico.
A FCJA dentre seus vários projetos culturais, em 2012, cria o acervo de Literatura de Cordel “Leandro Gomes de Barros” nas dependências da Biblioteca Durmeval Trigueiro Mendes, unidade integrante da Fundação. O acervo da Cordelteca foi inicialmente formado por doações de folhetos de cordel do Poeta Paulo Nunes, da professora e pesquisadora Neuma Fechine, o do professor e pesquisador José Nilton.
Cordelteca “Leandro Gomes de Barros”
Imagem de Museu Casa de José Américo
Museu Casa de Cultura Hermano José
O Museu Casa de Cultura Hermano José (MCCHJ), inaugurado em 2017, localizado na Praia do Bessa, em João Pessoa – Paraíba, tem por missão preservar, conservar e difundir a obra e as coleções do artista plástico Hermano Guedes de Melo, conhecido artisticamente por Hermano José, e estimular a produção de conhecimento científico-cultural acerca das artes visuais, literatura, museologia e outros segmentos artístico-culturais, desenvolvendo ações e projetos nos campos da pesquisa, do ensino e da extensão. O MCCHJ é fruto da doação realizada ainda em vida por Hermano José à Universidade Federal da Paraíba (UFPB), instituição da qual foi docente e gestor cultural. A doação incluiu seu amplo acervo artístico, documental e bibliográfico, bem como sua residência-ateliê, transformada em museu pela UFPB.
Imagem de Plone UFPB
O Museu possui espaços para exposições, uma biblioteca especializada em artes, cultura e humanidades e em 2023, na 21ª Semana Nacional de Museus, foi inaugurada a Cordelteca Poeta Raniery Abrantes.
Museu Hermano José
Fez-me uma grande mesura:
Uma bela Cordelteca
Com meu nome, uma candura.
Com meus versos fiéis
A parede emoldura
(Raniery Abrantes)
Museu Casa de Cultura Hermano José
Apresento abaixo os Museus com seus respectivos links para as atividades desenvolvidas sobre a Literatura de Cordel, por região brasileira e na Suiça:
REGIÃO NORDESTE:
● Museu do Cordel Olegário Fernandes (Caruaru – Pernambuco) https://www.mapacultural.pe.gov.br/espaco/256/#info
● Casa Museu Mestre Vitalino (Caruaru – Pernambuco) – https://www.mapacultural.pe.gov.br/espaco/232/#info
● Museu do Cangaço (Serra Talhada – Pernambuco) – https://museudocangaco.com.br/feira-de-cordel-2024/
● Museu Câmara Cascudo (Natal – Rio Grande do Norte) – https://mcc.ufrn.br/acervo/documentacao-e-memoria
● Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão (Natal – Rio Grande do Norte) – https://natal.rn.gov.br/news/post2/28412
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Museu de Cultura Sertaneja (Pau de Ferros – Rio Grande do Norte) – https://portal.uern.br/blog/museu-da-cultura-sertaneja-promove-o-festival-de-cordel-e-o-iii-boca-de-noite-do-museu/
● Museu Casa do Sertão (Feira de Santana – Bahia) – Exposição de Cordel – https://www.uefs.br/2023/08/5340/Museu-Casa-do-Sertao-lanca-Serie-Mestres-dos-Saberes-Populares-com-exposicao-do-cordelista-Jurivaldo-Alves.html
● Museu Afro-Brasileiro (Salvador – Bahia) – https://almapreta.com.br/sessao/agenda/na-bahia-museu-afro-brasileiro-recebe-exposicao-itinerante-vidas-em-cordel/
● Museu da Gente Sergipana (Aracajú – Sergipe) – https://www.se.gov.br/noticias/educacao-cultura/museu_da_gente_sergipana_celebra_a_13_primavera_dos_museus
● Museu Théo Brandão (Maceió – Alagoas) – https://noticias.ufal.br/ufal/noticias/2017/6/exposicao-de-cordel-e-xilogravura-no-museu-theo-brandao
REGIÃO NORTE:
● Museu Amazônico (Manaus – Amazonas) – https://antigo.ufam.edu.br/noticias-bloco-esquerdo/15-noticias/452-museu-amazonico-promove-exposicao-de-literatura-de-cordel
REGIÃO SUDESTE:
● Museu da Língua Portuguesa – Museu da Pessoa – Exposição “Vidas em Cordel” (São Paulo – São Paulo) – https://museudapessoa.org/
● Museu da Cana (Pontal – São Paulo) – https://www.museudacana.org.br/museu
● Museu da Imigração (São Paulo – São Paulo) – Oficina de Cordel – https://museudaimigracao.org.br/eventos/on-line/oficina-de-literatura-de-cordel-online-dia-do-nordestino
● Casa Museu Ema Klabin – Atividades “Primavera de Museus com Literatura de Cordel” (São Paulo – São Paulo) – https://emaklabin.org.br/primavera-de-museus/primavera-de-museus-com-literatura-de-cordel
● Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba (Caraguatatuba – São Paulo) – https://fundacc.sp.gov.br/outros/26/03/2024/fundacc-promove-sarau-no-museu-com-os-coletivos-femininos-teodoras-do-cordel-e-linhas-do-mar
● Museu da Vida – Fiocruz (Rio de Janeiro – Rio de Janeiro) – https://www.museudavida.fiocruz.br/index.php/museu-da-vida-e-literatura-de-cordel-uma-historia-de-amor-com-gostinho-de-novidade
● Museu de Arte Religiosa e Tradicional (Cabo Frio – Rio de Janeiro) – https://museudeartereligiosaetradicional.museus.gov.br/publicacoes/
● Museu da República (Rio de Janeiro – Rio de Janeiro) –https://www.youtube.com/watch?v=a7B780jaNPg
● Museu do Pontal (Rio de Janeiro – Rio de Janeiro) – https://museudopontal.org.br/programacao-anterior/homenagem-a-j-borges-o-que-e-o-cordel-14-de-setembro-16h/
● Museu Manuelzão (Três Marias –Minas Gerais) – https://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/tres-marias/museu-de-manuelzao
REGIÃO SUL:
● Museu da Música de Timbó (Timbó – Santa Catarina) – https://www.timbo.sc.gov.br/fundacao-de-cultura-e-turismo/2023/museu-da-musica-de-timbo-promove-exposicao-sobre-linoleogravura-de-cordel-em-papel-reciclado/
● Museu Oscar Niemeyer (Curitiba – Paraná) – https://arquivo2003.aen.pr.gov.br/Galeria-de-Imagens/Museu-Oscar-Niemeyer-apresenta-mostra-sobre-o-cordel-de-J-Borges
REGIÃO CENTRO-OESTE:
● Museu do Cerrado (Brasília – Distrito Federal) – https://museucerrado.com.br/arte/literatura/cordel/
● Museu da Fala (Virtual) – https://museudafala.com/exposicoes/cordel/index.html
SUIÇA:
● Museu de Etnografia de Neuchâtel (Neuchâtel – Suiça) – https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/4/15/ilustrada/8.html
Referências
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2003.
LEGOFF, J. História e Memória. Campinas, SP: UNICAMP, 2003.
MARTELETO, R. M. Cultura, educação, distribuição social dos bens simbólicos e excedente informacional. Informare, v. 1, n. 2, jul./dez., p. 11-23, 1995.
PACHECO, L. S. Informação enquanto artefato. Informare, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1,1995.
Por BETH BALTAR