LITERATURA DE CORDEL – O cordel: literatura popular escrita

LITERATURA DE CORDEL – O cordel: literatura popular escrita

Para esta coluna, trago um extrato do texto sobre a Literatura de Cordel, da minha tese de doutorado em Letras (Albuquerque, 2011), adaptado e ampliado.

O texto popular disponibiliza o oral e o escrito como modalidades de apresentação, sendo o romance, o conto, a cantiga, entre outros, como tipicamente orais e o cordel, escrito. O que não significa dizer que não se possa passar de uma modalidade para outra, como afirma Batista (2007, p. 3) “Mesmo os de origem oral partiram um dia de uma escritura e o escrito (o cordel) tem por finalidade ser lido, cantado, representado”. O folheto de cordel não se constitui apenas de histórias passadas e tradicionais, é, sobretudo, uma produção dinâmica e esta produção é escrita, porém não é transmitida somente por meio de leitura silenciosa e individual. Ocorre pela oralidade, que se materializa nas leituras comunitárias, fato comum nas regiões rurais do Nordeste do Brasil, graças aos aspectos da musicalidade dos versos presentes nos folhetos.

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A oralidade, desde os tempos mais remotos até hoje, sempre esteve presente e o cordel é fruto dessa oralidade, pois foi por meio das narrativas orais, cantorias e contos que surgiram os primeiros folhetos no Brasil, tendo a métrica, a rima e a oração como elementos formais marcantes nesse tipo de literatura. Os inúmeros ritos da cultura tradicional que resistem no Brasil, as histórias, causos, mitos e tantas narrativas do povo, constituem a amplitude desse universo. É nele que toda a produção oral é guardada, por anos e anos no imaginário popular.

A literatura de cordel é uma forma da poesia popular impressa. Sofreu influência dos povos espanhóis, franceses e principalmente, portugueses, cujo termo está relacionado à forma de apresentação dos folhetos, presos em barbantes (cordéis) nas feiras, praças e mercados populares. Sua origem está ligada à divulgação de histórias tradicionais, narrativas orais presentes na memória popular, chamados romances.

Para Menezes (2024, p. 10) a história da literatura de cordel pode ser identificada por pelo menos três períodos bem característicos: no primeiro período boa parte dos textos concentrava‐se em torno dos romances de cavalaria; no segundo a inserção do herói popular nordestino, tipicamente rural e no período mais recente o predomínio de folhetos considerados de acontecidos.

As construções dos folhetos de cordel transformam o contexto histórico e notícias em poesia, apresentando, outrossim, a linguagem regional, com uma estrutura literária peculiar. Algumas histórias narradas nos folhetos de cordel são embasadas em fatos reais. Estes folhetos são denominados por “cordéis do acontecido” ou por “cordéis de circunstância” (Dias, 2022, p. 17).

A literatura popular impressa existiu em diversos países e o cordel correspondia, na França à chamada Litteèrature del Colportage (literatura volante) ou os Canard. Na Inglaterra eram denominados Cocks ou Catchpennies (estórias imaginárias, Broadsiddes (folhetos de época ou acontecidos); na Holanda, Pamflet (estórias sobre políticas, economia e militares); nas Américas, os Corridos ou Compuestos. A literatura popular é marcada muito mais pela poesia do que pela prosa, como afirma Luyten (2005, p. 34), “Desde os primórdios da Idade Média, temos notícias de trovadores e menestréis vagando de um lugar para outro, cantando as notícias e fatos importantes”.

Cascudo (1939), em seu livro “Vaqueiros e Cantadores” considerou que os folhetos foram introduzidos no Brasil por cantadores que “improvisavam versos, viajantes pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. O costume de contar histórias nas fazendas ou engenhos sempre foi muito presente. O Nordeste foi a região brasileira em que os valores trazidos pelos colonizadores portugueses, nos séculos XVI e XVII, foram mais aceitos, absorvendo, consequentemente, este tipo de literatura, de manifestações culturais, como assevera Diegues Júnior (1986, p. 40):

No Nordeste […], por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, de maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso; a organização da sociedade patriarcal, o surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumentos do pensamento coletivo, das manifestações da memória popular.

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As origens da literatura de cordel estão relacionadas ao hábito milenar de se contarem histórias que, aos poucos, começaram a ser escritas e, posteriormente, difundidas, através da imprensa, a exemplo do que ocorreu em diversos países. A circulação das histórias tradicionais, de origem portuguesa e, de modo mais amplo, européia, e que serviram de base à elaboração de vários folhetos como Carlos Magno e os Doze Pares de França,

livro português muito difundido no sertão brasileiro, constitui o texto matriz para muitos dos folhetos que tratam de histórias de luta, como A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, de Leandro Gomes de Barros.

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É inegável a influência do cordel português na constituição da literatura de folhetos brasileiros, mas não podemos desconsiderar que, mesmo herdados da tradição ocidental, os folhetos de cordel brasileiros têm formas e características próprias, principalmente àqueles que versam sobre a terra, os costumes nordestinos, fatos políticos, sociais, econômicos, assuntos religiosos, as catástrofes climáticas, além da recriação em cordel de famosas obras e escritores brasileiros eruditos como, por exemplo, A Escrava Isaura e Iracema.

     

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Apesar da nebulosa origem do cordel brasileiro, Câmara Cascudo considera o paraibano Silviano Piruá de Lima o primeiro poeta (1848) a rimar as histórias tradicionais e a escrever os romances em verso. O romance de sua autoria Zezinho e Mariquinha, ou A Vingança do Sultão, foi o primeiro folheto de cordel brasileiro publicado no Brasil.

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O paraibano de Pombal, Leandro Gomes de Barros, em 1893, deu início à impressão sistemática dos folhetos, entretanto, não há registros do primeiro folheto impresso por ele. Em 1921, João Martins de Atahyde comprou os direitos autorais do velho poeta, falecido em 1918 e, tornou‐se, durante mais de 20 anos, detentor exclusivo dos maiores clássicos da literatura de cordel.

O auge da literatura de cordel, no Brasil, deu‐se entre as décadas de trinta e cinquenta do século XX, quando João Martins de Athayde introduziu inovações na impressão dos folhetos, o que atraiu a atenção dos poetas. Tornou‐se editor de folhetos de outros poetas, além dos seus, e criador de uma rede de distribuição desses impressos em todo o país, consolidando, desta forma, o formato no qual até hoje é impresso, de 8 a 16 páginas, em sua maioria, no tamanho 15 a 17cm. x 11cm. E impressos com capas ilustradas com xilogravuras, em serviços tipográficos artesanais, criados pelos próprios poetas e contracapas com pequenos textos de classificados, anúncios eleitorais, orações, fotos e chamadas para os próximos folhetos do próprio autor. Com a atividade editorial destes poetas e editores criou‐se uma vasta rede de

distribuidores de folhetos por todo o país. Franklin Maxado Nordestino, em O cordel do cordel (1982), apresenta versos sobre os primeiros editores:

[…]

Seus poetas são também

Editores e vendedores.

Saem lendo e cantando,

Procurando os leitores

Que gostam das novidades

E versos de mil amores.

As formas poéticas aliadas à rima, ao ritmo, a métrica e ao tema conferem ao cordel o status de obra singular e atraente, ultrapassando as barreiras do tempo, com a utilização de modernos recursos gráficos, chegando à rede mundial de computadores – a Internet – que dela se serviram os poetas para veicularem seus folhetos sem, no entanto, perderem sua identidade e tradição, como observamos nos versos de João Batista Melo, em A internet no reino da rapadura (2003):

“Certo dia eu tava em casa

na minha vida informal

lutando no dia‐a‐dia

neste momento global

quando ouvi alguém gritar:

Ô poeta venha cá…

chegue aqui no meu quintal…”

Era a vizinha do lado

de nome dona Gildete

mãe de oito “capetinhas”

desses de pintar o sete

que queria porque queria

que eu fizesse em poesia

algo sobre a INTERNET

Me propus então versar

essa jovem genial

que está mudando o mundo

de forma fenomenal

criando Elo e cadeia

tornando tudo uma aldeia

neste contexto global

 

(…)

Para muitos ela é visagem

espírito da Caipora

a Sereia dos novos tempos

pelos espaços afora

que em fração de segundo

consegue dá volta ao mundo

com a notícia na hora

Dispondo do seu trabalho

se tem o mundo à mão

se “navega” à vontade

sem medos de colisão

só com um teclar de dedos

o mundo perde segredos

e se ganha informação”.

 

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, M. E. B. C. Literatura popular de cordel: dos ciclos temáticos à classificação bibliográfica. 2011. 314 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011.

BATISTA, Maria de Fátima B. de Mesquita. Do oral ao escrito: limites entre o romance oral e o folheto de cordel. Santa Barbara Portuguese Studies, Santa Barbara, v. 9, p. 1‐10, 2007.

CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre: Globo, 1939.

DIAS, Karcia Lúcia Oliveira. Representação temática do cordel de circunstância à luz da verossimilhança. 2022. 188 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal da Paraíba, 2022.

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Literatura popular em verso: estudos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986.

LUYTEN, Joseph Maria. O que é literatura de cordel. São Paulo: Brasiliense, 2005.

MENEZES, Eduardo Diatahy B. de. Das classificações temáticas da literatura de cordel: uma querela inútil. [S.l.: S.n.], 200?. Disponível em: <http://www.secrel.com.br/jpoesia/ediatahy01c. html>. Acesso em: 01 set. 2024.

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Literatura popular em verso: estudos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986.

Por BETH BALTAR

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