LIVRO: Colocaram no meu café
AUTORA: Deise Pontes
Colocaram no meu café: a escrita fervente de Deise Pontes
Mulher não é um gênero,
É um verbo pela força que tem.
Mulherizemos.
D.P.
Quente. Forte. Intenso. Várias são as metáforas entre café e escrita que eu, particularmente, amo. Porém, neste segundo livro de Deise Pontes, o líquido denso que, nós brasileiros, amamos beber é derramado em cada página, em cada palavra dessa obra que surge fervente para os seus leitores. E Deise nos serve de tudo: contos, crônicas, cartas e poesia – com sabor de mascavo que é para saciar o nosso querer de encantamento e provar que sabe versar em vários gêneros textuais. Para isso, ela teve que trabalhar bastante, selecionar as camadas de sentido, torrar bem as imagens poéticas, e triturar a estrutura para que resultasse no pó essencial de escrita que ela mistura à água-fonte de seu estilo. Letra e voz de mulher!
Colocaram no meu café é para se degustar, sorver cada texto aos pouquinhos, bebericando pelas beiradas para não se queimar! Os poemas vêm com fervura no verso com muito para dizer e pouco para se desculpar. Sorry, not sorry. Escreve sem culpa de ser feliz, de gostar, de gozar, de dizer, enfim, tudo o que sente. E que liberdade poder afirmar sem amarras aquilo que a sociedade vive reprimindo na mulher: o desejo. Aqui, não! Orgulhosamente, a sua eu lírica é uma mulher desejante com uma fala agridoce, como a mistura picante de açúcar mascavo e canela do oriente: “Ela saiu com os cabelos sorrindo/ e a malícia no olhar” (p. 21). Em “Cebola”, o hálito ácido da eu lírica se mistura à língua lasciva do amado que vai descascando os sentidos camada por camada de sua pele nua, deixando em descoberto o seu corpo de poema: “Beijei você com sabor de cebola (…)”. Há espaço também para a crítica social, como em “Justiça para Durval” e para as reflexões metalinguísticas, como em “P.O.E.S.I.A”, em que transparece a vontade de escrever em verso não só para fazer rimas, mas fazer poesia “que te tira do torpor, / igual fome ao meio-dia” (p. 80).
Em “Carta para Hebe” e “A casa”, vemos a força de uma escrita confessional que expressa um diálogo interno com figuras femininas basilares em sua formação enquanto mulher e pessoa: a primeira, uma grande personalidade pública, símbolo de criatividade e sucesso; a segunda, signo de resiliência e afeto materno. Ambas, deixam um vazio com as suas partidas, que é preenchido por autoconhecimento e ressignificação.
Nos contos, vemos personagens femininas decididas a se amarem e a agirem conforme o seu próprio entendimento do que é ser feliz. Aquilo que elas querem é a liberdade. Demétria, Galábria, Élida, Nevertalli, Glorinha, Estrela são protagonistas que representam a ação da mulher no mundo, para conquistar a si mesma. Torênia aparece como contraponto, possível vítima da predação de um homem desconhecido. Já nas crônicas, percebemos as inquietações e reflexões da escrita sobre vários temas: a escrita, o dia a dia em suas andanças por São Gonçalo e Rio de Janeiro, a reunião do grupo de psoríase do qual participa, o show da Madonna, e as transformações no corpo e na consciência de si ao longo do tempo.
Assim Colocaram no meu café: mascavo, contos, crônicas, cartas e poesia (2025), obra publicada pela editora Mapa das Letras, e ilustrada por mim – Suzane Veiga-, é um importante divisor de águas na trajetória literária de Deise Pontes, que torna mais consistente o seu estilo de escrita e mais sólida a sua autoafirmação como escritora versátil e multilinguagens. É um livro para ser bebido de uma só vez – quente, puro, intenso – como todo bom café deve ser.
PONTES, Deise. Colocaram no meu café: mascavo, contos, crônicas, cartas e poesia. 1ª ed. São Gonçalo: Mapa das Letras, 2024.
Por SUZANE VEIGA