LIVRARIA ENCANTADA – Elas – Mari Almeida

LIVRARIA ENCANTADA – Elas – Mari Almeida

LIVRO: Elas

AUTORA: Mari Almeida

 

Elos de Mulheres: escrita polifônica e afetividade em Elas, de Mari Almeida

 

Uma alma despedaçada não possui

tanto glamour quanto uma fratura exposta.

M.A.

 

Em Elas, primeiro livro de contos de Mari Almeida, os leitores devem se preparar para montar um quebra-cabeças de histórias de mulheres. Interligadas, as narrativas formam uma constelação de vozes femininas que ousam dizer a que vieram e afirmar a sua verdade e vontade de serem livres e libertas dos preceitos sociais. Diversas e múltiplas em idades e desejos, as personagens femininas de Elas são elos de esperança, sororidade e afetividade numa escrita polifônica e cambiante que dá gosto de se ler! É claro que apresentam conflitos: o choque geracional das mulheres mais velhas da família torna-se evidente quando confrontado com a rebeldia das mulheres mais jovens que não aceitam mais o papel totalmente hipócrita e autoritário de subserviência, ditado pelo conservadorismo dos “bons costumes” e da “moral” patriarcal.

Com isso, Elas oferece um leque amplo de questionamento de vários aspectos do que Foucault chama de “microfísica do poder”, a respeito de que como os sistemas opressores que nos regem (e tentam nos dominar) se infiltram nas relações cotidianas e afetivas, contaminando nossas percepções e atitudes. No livro, essa dimensão fica evidenciada quando algumas personagens mantêm-se numa prisão interna, encarceradas nas crenças daquilo que “devem ser”, crendo que esses ideais aprisionantes devem ser repassadas, pois lhe foram transmitidas assim pela tradição. Nesse sentido, mulheres como Tereza, mãe de Rosa, perpetuam as mesmas contradições do machismo num casamento tradicional de 40 anos; enquanto outras se rebelam, em contraponto, como Ângela, que decide não mais aceitar o tratamento indiferente do marido e pede o divórcio depois de um casamento de 30 anos, cada dia mais decadente. Esse aspecto é importante de ser pontuado, pois marca a fratura com a estrutura do absurdo, do medo, para a descoberta de si. Caminho imprescindível para a busca da liberdade.

Elas é um livro polifônico que pode ser lido de diversas maneiras, mas que aqui escolhemos lançar luz sobre relação de apoio e afetividade entre as mulheres. Rosa, que podemos dizer ser o fio condutor das histórias, é protagonista do seu processo de autoconhecimento, após a decisão de se divorciar do marido. A sua atitude de dizer não para um casamento sem prazer e sim para uma vida com significado é o ponta pé inicial das narrativas pois marca a cisão inicial (que desenrolará as outras) de como as mulheres respondem à pergunta: e, agora, o que você vai fazer da sua vida? Algumas decidem não fazer nada, como Ana; outras ainda estão muito inconscientes, mentindo para si mesmas, presas em ilusões, ou sem forças, como Thaís; há aquelas que iniciaram o processo de cura, como Rosa e Angélica; e as que dão início ao seu próprio universo de descobertas, como Bruna, Débora e Luíza.

Outro ponto importante são as relações familiares intercontos, uma vez que percebemos que as personagens femininas mantêm relação dentro de uma família que desdobra entre a genética (irmãs, primas e tias) e a do coração (amigas que se apoiam). Rosa é irmã de Angélica, ambas são filhas Tereza, que é irmã de Vera. Ângela é tia de Rosa por parte de pai. Essas três mulheres – Tereza, Ângela e Vera – formam o núcleo das matriarcas da família de Rosa. E, assim, temos as primas: Rosa e sua irmã, Angélica (filhas de Tereza), Clara e sua irmã, Ana (filhas de Ângela), e Thaís e Bruna (filhas de Vera). As primas formam a geração intermediária que está rompendo com os valores misóginos da família – apesar de Thaís ainda estar presa num casamento abusivo – para que a nova geração de Alice (filha de Ana) possa ter mais condições de ser livre, sem culpa e sem neuroses.

Na segunda parte do livro, temos como ponto de partida a história de Marina, professora que incentiva as suas alunas, Karen e Sara, a prestarem o vestibular e as amigas juntas decidem fazer o exame. A docente descobre a traição do marido e decide se encontrar com a amante, Camila. Rosa decide arrumar de vez o seu armário, metáfora de sua vida. Essa série de decisões são fundamentais para que haja o desdobramento das ações que precisam ser tomadas pelas protagonistas, para que sigam o caminho de si mesmas. Assim, as narrativas deste livro de lançamento de Mari Almeida propõem uma reflexão sobre decisões que devem ser tomadas, sobre a importância da afetividade entre mulheres, sobre caminhos que se cruzam e descruzam, e, sobretudo, sobre conquistar a própria voz! Leia e se surpreenda com Elas!

ALMEIDA, Mari. Elas. São Gonçalo: Mapa das Letras, 2025.

Por SUZANE VEIGA

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