LIVRARIA ENCANTADA – Entrelinhas: para todos os nós – Suellen Carvalho

LIVRARIA ENCANTADA – Entrelinhas: para todos os nós – Suellen Carvalho

LIVRO: Entrelinhas: para todos os nós

AUTORA: Suellen Carvalho

 

Desenrolar nós e tecer versos: o fazer poético de Suellen Carvalho

 

Somos uma grande

Colcha de retalhos  

Não temos ordem

Somos os que unem

Falha com falha

S.C.

 

A primeira vez em que vi a poeta Suellen Carvalho eu meio que me vi também. Jovem, responsável, hermética – característica que eu descobri depois ser um misto de introspeção e desatenção. Mas eu acho que é muita vida interior. As poetas são pura vida interior. Da timidez para a organização de sarau, ela confidenciou aos presentes que a sua motivação para iniciar o sarau Espressos e Versos (que acontece todo último sábado do mês na cafeteria Grão Raro em Icaraí, Niterói/RJ) foi justamente essa: dialogar com outras pessoas, trocar leituras, e, principalmente, ler e escutar poesia!

O seu livro Entrelinhas: para todos os nós (2024) não poderia ser mais filho de ninguém, pois é a cara da mãe. A capa traz o roxo, que a autora revelou ser a sua cor favorita quando me viu com um tom de roxo e lilás em cada unha, no último lançamento. Não deu tempo de eu responder que é a minha cor favorita também e símbolo de um monte de coisas boas: do curso de Letras, da espiritualidade, do coletivo Escritoras Vivas. Lá foi a Su (para os íntimos) correndo para verificar a ordem de apresentação das falas dos poetas no microfone. Eu queria ter dito também que ela pode ter mais calma, que ela está indo bem, muito bem! E que tenho muito orgulho da sua dedicação (espero que ela leia esse texto). São tantas coisas que calamos, porque o tempo é escasso, não é? Que poeta e que livro lindo! Tem uma escrita pensada, metalinguística e autorreferencial, com a qual eu me identifiquei de cara. Todos os poemas do livro são datados ao final da página (não em ordem cronológica). Este fato revela uma  porque o livro não é somente uma obra literária, mas uma espécie de percurso poético que Entrelinhas realiza para narrar a sua própria trajetória e da eu lírica que enfrentou diversas adversidades para conseguir ser e escrever. Ter, enfim, sua voz. E conseguiu!

O livro enquanto projeto estético é um show à parte. Nele, vemos páginas pretas, pretas e brancas, com fontes diferentes, e ilustrações de linhas para separar poemas. Trabalho belíssimo das editoras-irmãs da Xará, Letícia Fernandes Leal e Isabel Fernandes, que assinam a concepção intelectual e publicação da obra. Casa editorial de Maricá, independente e que apresenta um trabalho impecável. Os poemas possuem como tema central o autoconhecimento e a busca de si e da escrita, que estão presentes em praticamente todas as composições do livro, como no poema que dá nome ao livro: “uma sonhadora/ com medo de sonhar/ desejou o impossível/ mal sabia que nas entrelinhas/ era questão só de tempo/ e de nós” (p.11). Outras temáticas recorrentes nos textos são a reflexão metalinguística e as metáforas textuais e têxteis, como no poema “retalhos”: “somos como colchas/ cheias de retalhos e atalhos/ de suspiros e de remendos/ de pedaços de pessoas e histórias/ que incrementam/ o decorrer do enredo” (p. 13).

As fulgurações e figurações do feminino também se apresentam em Entrelinhas, como no poema “filha da lua”: “ora crescente/ ora minguante/ ora reclusa/ ora brilhante” (p. 19). Há espaço também para diálogos poéticos com outros autores, como Fernando Pessoa, em “fingere”: “o poeta/ de tão fingidor/ moda arte da sua dor/ esculpe rima de suas lágrimas/ e reproduzem sensações/ que deveras sentem/ (mas sentem) (p. 20). No decorrer da leitura, percebemos algumas metáforas potentes para a escrita, ou melhor para o fazer poético, como em “palavras”: “função: desenrolar/ o novelo de nós que/ as emoções tecem” (p. 24). Com isso, escrever se torna um desenrolar de nós numa função intelecto-terapêutica de processar emoções e desejos que se encontravam embaralhados e enroscados. Nesse sentido, a reflexão poética se une à autorreflexão filosófica do sentido da vida e da passagem do tempo (não à toa há o desenho de uma ampulheta de fundo na imagem da capa).

Entrelinhas se aproxima de uma lenda chinesa chamada – Akai ito – que se tornou famosa em toda a Ásia e que existe há mais de 2 mil anos. Nela, afirma-se que todas as pessoas nascem com um fio vermelho enrolado no dedo mindinho, destinadas a encontrar a pessoa da outra ponta, apesar de qualquer circunstância ou adversidade, como almas gêmeas ou semelhantes. Se a lenda é verdadeira eu não sei, só sei que Suellen Carvalho está definitivamente conectada com o fio vermelho da escrita, destinada a fazer poesia nas entrelinhas da vida e a desfazer nós de palavras em poemas. Leia e se deixe desatar!

CARVAÇHO, Suellen. Entrelinhas: para todos os nós. Maricá: Xará, 2024.

Por SUZANE VEIGA

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