LIVRO: Nua de verdade
AUTORA: Yonara Costa
Quem tem medo da verdade? A escrita corajosa de Yonara Costa
– Uma resenha por Suzane Veiga
A vida é uma ilha cercada de saudade por todos os lados.
Y.C.
Quem nunca se deparou no meio de uma encruzilhada de (in)decisões, de sentimentos confusos (por vezes, contraditórios), de histórias por contar… e ainda tendo que escolher um caminho pela frente, das duas uma: ou nunca viveu, ou nunca amou.
Ficar ou partir? Vingar ou perdoar? Seguir ou voltar? Mentir ou dizer a verdade? Em meio a essas e muitas outras questões, Rita, protagonista do eletrizante romance de Yonara Costa, Nua de verdade (2018), é uma heroína nada exemplar e se define pelo negativo: não é santa, não é musa! Ela é, sim, autora da sua própria história! E, assim, percorremos, maravilhados, a sua jornada de transformação da menina tímida do interior, de uma ilha fictícia da Bahia, para se tornar uma médica na capital do Rio de Janeiro, cada dia mais decidida a ser ela mesma, a realizar os seus sonhos.
Porém, entrecortada ao seu presente de mulher adulta, em meio a diversos dilemas típicos dessa fase, está a memória de uma infância difícil, de uma alegria impossível, diante do fanatismo e da bipolaridade de uma mãe severa e de um estigma intrínseco: por que eu não posso mentir? O pai nada diz, o irmão não a entende, os amigos a odeiam. Estava só com o seu destino de santa, de beata da verdade.
Aos poucos, Rita enfrenta a sua mãe interna – ao mesmo tempo antiga e atual, e sempre esfíngica -, acolhe a sua criança interior invalidada, reconhece os desafios que a moldaram, forjada que foi no fogo do medo e da revolta. E acaso não estamos todos nós nesse passado-presente tão absoluto, guerreando, nas sombras, contra os fantasmas de outrora? E acaso não estamos sempre no meio dessa estrada nebulosa do ontem-hoje, nessa ilha que é a vida, cercada de saudade por todos os lados?
Mas Rita é tantas! Sou eu, é você, aquela amiga da faculdade, a mulher, a menina, a médica, a filha, a irmã, a amante, a amada, a louca, a santa, a Rita de Cássia! E como não lembrar de uma outra baiana, protagonista de um moço comportado do século XIX, outra Rita, semelhante na independência e na potência, mas que só podia ser um produto naturalista! Ela causou polêmica na época, porque, naquele tempo, as mulheres só podiam ser ou santas ou putas (nas mãos de homens). Ela tinha que ser Rita baiana, a fogosa do cortiço. Mudaram-se os tempos, permaneceram as vontades.
Mas, do lado de cá do século XXI, (viva!) Yonara faz uma reparação: Rita não precisa ser uma santa ou um demônio, ela pode, enfim, ser múltipla, ser quem ela quiser, ser dela mesma. E foi! Escolheu o seu próprio caminho, os seus próprios amores, sem olhar para trás! Bailarina da realidade, dançando entre escolhas, entre curar e adoecer, encontra conforto na amizade com Amanda, amor nos braços de Carlos, leveza nos beijos de Igor, sinceridade nas palavras de Pedro, sororidade no encontro com Maria Cláudia, e a inocência perdida no olhar de Gabriela. E odeia, e chora, e erra, e acerta, e sente: alegria, raiva, ciúme, saudade. Ela é humana! Perfeitamente imperfeita.
E a verdade? Quem tem medo dessa estranha? Certamente, não Rita! Ela fez as pazes com essa velha vizinha, e a chamou para tomar um chá. Ela descobriu as suas próprias palavras, nem sempre doces, mas sempre nossas. Quem tem a força de não mentir para si mesma encontra-se assim: nua de verdade! Trouxe a coragem? Atenção, a leitura é para corações acelerados!
Sim, Rita, às vezes ser feliz pode ser fácil!
Referência bibliográfica:
COSTA, Yonara. Nua de verdade. Rio de Janeiro: Editora Conexão 7, 2018.
Por SUZANE VEIGA