MATÉRIA DE CAPA – A arte e a Inteligência Artificial

MATÉRIA DE CAPA – A arte e a Inteligência Artificial

O dilema entre o avanço da tecnologia e a autoria das obras 

 

A primeira associação que vem à cabeça quando ouvimos falar de Inteligência Artificial (IA) são robôs desenvolvendo atividades de forma mais assertiva, rápida e segura. Foi assim quando os caixas eletrônicos ocuparam o lugar de bancários. Por um lado, o ganho na agilidade e no conforto de sacar dinheiro a qualquer hora, em lugares como shoppings, supermercados e farmácias. Do outro, a intervenção no mercado de trabalho, com redução de vagas.

A Inteligência Artificial foi se espalhando nas últimas décadas e se integrou como parte do cotidiano. Desde os algoritmos das redes sociais, que identificam quais publicações devem ser entregues para um número maior ou menor de pessoas, até a companhia de assistentes de voz como Alexia e Siri. Isso sem falar de ferramentas de reconhecimento facial até para prova de vida em apps de organismos governamentais.

A esses tipos de intervenção nas nossas vidas já estamos de certa forma tão acostumados que nem lembramos que são artificiais. Robôs interagem com humanos na medicina, na detecção de câncer, por exemplo, na precisão da análise de imagens, na limpeza de residências e até em casos de saúde mental, por meio de aconselhamento feito por chatbots. Para quem não sabe, chatbots são assistentes virtuais que se comunicam por texto com usuários através da Inteligência Artificial.

Imagem de Pavel Danilyuk por Pexels

 

O que geralmente não paramos para pensar é se algo atribuído antes especificamente à criatividade humana pode passar a ser produzido pela IA. Para surpresa de alguns, isso já vem acontecendo em diferentes setores da cultura. Um dos exemplos mais comuns quando se procura na internet é o caso da artista americana Taryn Southern, que usou o Amper, um programa de Inteligência Artificial, para produzir um álbum de música completo. Taryn, que não toca qualquer instrumento, diz sentir as composições como suas, e que o programa é uma ferramenta para a sua criação.

Imagem de Cottonbro studio por Pexels

 

Programas assim, para quem não tem habilidade com instrumentos, também foi desenvolvido pelo Google. É o Lo-Fi Player, que integra o projeto Magenta, em que o interessado pode “entrar” em um estúdio musical com Inteligência Artificial para fazer a edição do material produzido. São úteis para apoiar os que têm alguns conhecimentos em música, mas não dominam todo o processo.

Ao mesmo tempo, alguns softwares – dependendo da intenção de cada um – acabam confundindo até a voz de artistas. Nas redes sociais viralizou uma música, composta com o uso de IA simulando as vozes dos canadenses The Weeknd e Drake na música Heart on my sleeve. Segundo o responsável pela canção, que se apresenta como Ghostwriter, o que permitiu a junção foi um software “treinado” com as vozes dos dois cantores. Até o primeiro semestre de 2023, a música havia sido visualizada mais de 8,5 milhões de vezes no TikTok.

No cinema, a temática tecnológica, antes restrita a filmes, a exemplo de Blade Runner (1982) de Ridley Scott, agora é real e passa a ter a possibilidade de causar grandes transformações na indústria cinematográfica. E o motivo é porque a Inteligência Artificial, com programas como Benjamim, já escreveu até um roteiro de curta metragem. O programa recebeu o roteiro de outras produções e, a partir deles, formulou um novo, diferente dos demais, que recebeu o nome de Sunspring. Não houve participação humana na criação. Críticos apontam que, em algumas partes, o roteiro não se sustenta, inclusive em diálogos.

Já a possibilidade de uma obra de arte ser produzida por uma máquina continua gerando discussão entre os estudiosos do tema. Notícias sobre o assunto sempre causam espanto, como o caso de uma pintura criada por um algoritmo do Google, dentro do projeto “The Next Rembrandt” (O próximo Rembrandt), de 2016. O objetivo foi criar, cerca de 400 anos após a morte do artista, um novo quadro, com a aplicação de tecnologias como machine learning e I.A.

Imagem de  Demaerre por Istock

 

Coincidência ou não, dois anos depois, em 2018, o Instituto Okinawa de Ciência e Tecnologia, no Japão, montou a exposição “Arte e estética de Inteligência Artificial”, com o propósito de compreender se a inteligência artificial poderia produzir arte. A exposição foi organizada em quatro categorias: Arte Humana/Estética Humana, Arte Humana/Estética de Máquina, Arte de Máquina/Estética Humana e Arte de Máquina/Estética de Máquina.

O resultado da pesquisa foi comentado em artigo na USP, por Sérgio José Venâncio Junior, pesquisador da relação entre artes visuais e inteligências artificiais. Ele escreveu que: “para realmente fazer arte, a inteligência artificial precisaria ter autonomia suficiente para estabelecer seus próprios critérios estéticos, sem qualquer interferência de um humano, e fazê-lo sem que isto esteja subjugado a outros propósitos.”

O pesquisador observa ainda que “A máquina deveria fazer “arte pela arte” e tal questão está em aberto, pois abstrair para a forma de algoritmos os processos de formação de elementos tão subjetivos, como um julgamento estético, não é tarefa simples’. Ele complementa que “(…) sabemos que um artista adquire tal senso ao longo de sua formação de vida, aprendendo, experimentando, adquirindo habilidades corporais e mentais, evoluindo seus critérios e sua poética.”

Imagem  por Pixabay

 

Estudos já apontam diferentes formas de interseção entre arte e Inteligência Artificial, por meio da utilização de algoritmos de IA, que, através de processos matemáticos, fornecem imagens, sons e animações singulares. É conhecida como arte generativa, por permitir que artistas conheçam outras formas de expressão que seriam impossíveis de criar utilizando métodos tradicionais. Artistas que produzem arte generativa precisam de computadores para criar e produzir um novo diferente.

No circuito das artes, são inúmeros os artistas que têm se posicionado contrário a esta possibilidade de intervenção, uma vez que o “esforço” é feito pelo computador e que este seria o verdadeiro criador. Ou seja, aquela arte é externa ao homem, não existiria sem a máquina. Os que defendem o uso da tecnologia apontam que embora sejam resultados provenientes de um computador, o artista-usuário é que escolheu a programação a partir do senso de arte de que é dotado. Ou seja, haveria a intervenção humana.

Imagem de 3DSculptor por Istock

 

A polêmica leva à questão de que a Inteligência Artificial representa, também, um grande desafio nas expressões artísticas quando se fala do artista ser ou não autêntico e original quando cria com a ajuda desta tecnologia. E chega ao ápice por englobar também a questão da ética. Uma obra impulsionada pela IA, produzida a partir de algoritmos, seria autêntica? Pode ser atribuída ao artista por ele ter feito os comandos para que a máquina gerasse a obra?

A discussão sobre a originalidade está embasada no fato de que a IA não parte do zero para criar algo. A tecnologia tem que analisar dados para que “aprenda” e execute uma obra de arte. Se ela tem que analisar o que já existe para produzir arte, o resultado não seria original, não seria novo.

Uma vez que os algoritmos de Inteligência Artificial recebem a interferência tanto dos dados empregados no seu treino, como a influência dos programadores, é impossível dizer – pelo menos atualmente – se há imparcialidade no desenvolvimento dessas obras de arte. Até que ponto essas obras não espelham características das anteriores, cujos dados foram utilizados? Seria ético um resultado a partir de dados de produções de outros artistas?

Imagem  por Pixabay

 

Há quem diga que a criação conjunta do ser humano com a Inteligência Artificial pode valorizar ainda mais as formas de expressão artística, pelo suporte feito a partir do potencial de processamento e análise dos algoritmos de IA. E que assim se teria obras exclusivas, personalizadas e voltadas para nichos. Mas aí surge outro problema que só o tempo vai dar a resposta: como fica o mercado das artes? Como atribuir valor ao que a máquina produz? Exemplo: caso “O novo Rembrandt”, citado nesta reportagem, fosse exposto em um museu como uma obra encontrada séculos depois, os especialistas conseguiriam descobrir a sua origem?

A polêmica aproximação da arte e da Inteligência Artificial ainda nos deixa sem respostas para importantes inquietações. Uma arte produzida com o suporte da IA terá o mesmo peso de obras de grandes nomes da humanidade, como Leonardo da Vinci, Van Gogh, Picasso? Caso o avanço da tecnologia se torne ainda mais rápido, corre o risco de o artista e o seu processo de criação serem preteridos pela agilidade e possibilidade de atendimento de interesses específicos que a IA pode proporcionar? E invocando a ética, o público vai conseguir distinguir o que é produto humano de uma produção da tecnologia? Respostas talvez nas próximas décadas.

Imagem de 3DSculptor  por Istock

 

Fontes:

https://www.revistas.usp.br/ars/article/view/152262/153219

https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/inteligencia-artificial-e-arte/

https://issuu.com/itaucultural/docs/catalogo_consciencia_cibernetica_2019

 

Por ANA MÁRCIA DIÓGENES

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