MITOLOGIAS E CRÔNICAS – As Icamiabas, Guerreiras Amazonas

MITOLOGIAS E CRÔNICAS – As Icamiabas, Guerreiras Amazonas

Conta os mais antigos que séculos atrás existia um grupo de mulheres guerreiras, as Icamiabas, seres dotados de força e destreza com o arco e flecha que lutavam principalmente para defender o território e os seres que viviam nas matas, sendo eles mágicos ou não.

Durante a colonização do Brasil, essas bravas mulheres defenderam com afinco a região da Amazônia dos colonizadores espanhóis, principalmente de Francisco Orellana, um ambicioso explorador que sonhava em encontrar o El Dorado, uma cidade feita de ouro e prata. Porém, as Icamiabas protegeram a cidade perdida e todos os seus moradores. Mesmo contrariado o colonizador bateu em retirada com suas tropas da região onde habitava as índias guerreiras e seu povo.

Entretanto, Francisco Orellana jurou vingança nessa vida ou na próxima, ele jamais deixaria ser abatido por mulheres, sendo elas guerreiras ou não.  E por consequência elas juraram que estariam ali para defender a todos, sempre que for necessário.

Com o passar dos séculos e a paz na região instaurada, as belas guerreiras formadas por mulheres de longos cabelos negros, corpos esculpidos pela própria deusa Lua e o deus Tupã e abençoadas com a cor dourada do deus sol, entraram em sono profundo, escondidas em suas criptas longe de olhos curiosos e invasores. Apenas a Bruxa Cuca sabia o local exato de sua localização e como despertá-las quando for necessário. Para garantir que nada incomodasse o descanso das mulheres, a bruxa lançou um feitiço sobre o local, assim ninguém conseguiria ver ou chegar perto de suas criptas.

 

(…)

 

Mais de 500 anos depois e as bravas guerreiras continuavam em seu sono de beleza, contudo, os tempos eram outros, novos colonizadores, novas armas e novas maneiras de maltratar a mãe terra e seus filhos. Mesmo sendo expulso de El Dorado, Orellana conseguiu conquistar as terras vizinhas, construindo um império tão grande que sobrevive até os dias de hoje. A exploração de mão de obra e dos recursos naturais não tem fim. Seus descendentes ainda buscavam pela cidade dourada.

Os seres mágicos da floresta prometeram que na ausência das protetoras eles cuidariam que tudo mantivesse o equilíbrio. O Pequeno curupira montado em seu porco do mato, afugentava os caçadores, sempre os despistando com os seus pés voltados para trás. O jovem saci, com suas brincadeiras e humor duvidoso provocava redemoinhos e travessuras que deixava os homens da cidade sem entender nada e confusos, até mesmo roubando suas munições e estragando os motores de seus Jipes. Até mesmo aqueles que ousavam vim pelos rios eram pegos de surpresa pela encantadora Iara, a sereia dos rios amazônicos, sua beleza e canto fazia  até o mais destemido dos homens se sucumbisse a sua atração e essa era o seu fim, esquecido no fundo do rio ou devorados por piranhas sanguinárias.

Todos os animais e seres mágicos obedeciam a um ser; tão antigo e poderoso quanto a floresta. A velha Caipora, com seus longos cabelos cor de fogo, com vestes feita de penas de vários pássaros da região, que de bom grado cedeu suas plumagens coloridas para vestir a aquele ser tão poderoso e respeitado. Do seio da floresta ela via tudo e sabia de tudo, assim poderia orquestrar com maestria o ataque a aqueles que ousavam fazer mal a floresta.

Dizem que a Caipora, é tão antiga quanto a Bruxa Cuca e que ela estava lá, quando as guerreiras entraram em seu sono profundo.

Então assim, sobre aguarda desse incrível ser, que lutou bravamente para defender a sua gente, protegia a todos, como uma boa mãe e amiga. Se algo estivesse errado em algum lugar ela saberia e defenderia. Assim como as Icamiabas.

Contudo, não muito longe dali o império Orellana jamais desistiu de buscar a cidade perdida de El Dorado, ainda mais agora com a tecnologia mais avança e satélites a disposição do poderoso Francisco Orellana, que jura ser a reencarnação de seu antepassado e iria finalmente terminar o que ele começou a séculos atrás. Ou seja, com seu maquinário e homens ele avança sem medo pela floresta, derrubando arvores mais antigas que a própria tentativa de colonização, deixando vários animais sem casa e abrigo. Mesmo com os rumores das lendas e avisos de seus empregados, o homem avançava sem medo pelas terras que nem ao menos pediu licença para entrar.

Caipora assustada com aquele ataque desenfreado, enviou o saci e o curupira para dar um fim naquela história, porém, nem mesmo os mais destemidos de seus guerreiros foi capaz de afugentar Francisco Orellana. Nem mesmo o canto da sereia ou a sedução do boto cor de rosa foi capaz de pará-los. Em uma tentativa desesperadora, Caipora enviou o Boi Tata, uma enorme jiboia flamejante e mesmo assim, o explorador não parou.

Agora todos os animais se escondiam e se refugiavam no coração da floresta, muitos choravam de medo, outros porque perdeu um ente querido. A Arara azul, perdeu sua companheira de mais de 10 anos, com quem teve vários filhotes, agora se encontrava sozinho e inconsolável. A poderosa onça pintada, que acabava de ter seus filhotes, perdeu dois de seus anjinhos, e tudo que a dona onça queria era vingança.

A velha guardiã tentava acalmar a todos e acalentar a sua dor. Mas todos clamava em uma só voz pelas Icamiabas, elas precisavam ser acordadas e proteger mais uma vez o seu povo.  No fundo Caipora sabia o mesmo, mas o problema não era apenas acordar as guerreiras era como se fazia isso, e acima de tudo encontrar a velha bruxa e convencê-la de invocar as guerreiras.

Mais de 500 anos se passaram, não existia mais alguém, uma mulher com sangue Icamiaba para despertar suas irmãs.

“Então, mãe Caipora, vamos ou não invocar o poder das guerreiras? O inimigo avança rápido e nada que fizemos afugenta os invasores.” reclamou o velho João de Barro, cuja sua casa foi derrubada e seus ovinhos foram quebrados.

Até mesmo o arteiro Saci estava assustado, pois nem os seus tornados e traquinagens faziam efeito sobre aqueles homens, que a única coisa que temiam era a falta de pagamento.

Com o medo crescente, a mãe Caipora não teve outra solução se não ir procurar a Cuca, usando sua velha magia que estava adormecida a anos, a última vez que ela usou sua magia foi há uns dois séculos atrás quando alguns missionários e oportunistas vieram vender o seu deus para os índios, dizendo que suas crenças e conhecimentos estavam errados, portanto, Caipora teve que manifestar o seu poder e demonstrar que as crenças e os poderes indígenas são reais tanto quanto o deus deles. Chamando os espíritos ancestrais, a protetora de cabelo vermelho, em meio a uma certa relutância a morada da Cuca, que depois de fazer a magia que escondeu as guerreiras amazônicas, se isolou do resto do mundo e do povo magico da floresta.

A magia era tão forte em volta daquela parte da floresta que ninguém conseguia chegar perto sem ser anunciado ou pedir permissão.

“Caracatau!!! Sou eu Cuca, sua boa e velha amiga. Clamo por sua ajuda. Peço licença para entrar em seus domínios”.

Duas arvores gigantes com grandes olhos, impediam qualquer pessoa ou criatura de entrar naquele espaço sagrado e Caipora junto de seu amigo Curupira respeitavam isso. E aguardaram pacientemente para que as arvores abrissem caminho até a casa da bruxa.

“Apenas os mais ousados ou desesperados, se atreveria a me incomodar ou até mesmo ficar face a face com os meus guardiões.” “Porém, ouço uma voz conhecida, que a séculos não ouvia, nem mesmo para um chá, uma prosa! Me esqueceu por completo e mesmo assim me clama, implora por ajuda.” – Apenas uma voz se faz retumbar entre o farfalhar das folhas, responde o clamor da Caipora.

“Sei que não é justo o meu pedido, reconheço a minha falha, mas em minha defesa, digo que estava ocupada defendendo os nossos, arriscando-me para proteger e honrar o nome Icamiabas” – Responde Caipora com lagrimas banhando o seu rosto.

“Ousa-me falar de proteção! Acha mesmo que estou aqui porque eu quero? Assim como você, jurei proteger o que mais sagrado tem essa floresta.”

“Então, não há o que discutir velha amiga, ambas prometeram e cumpriram com o seu dever e agora estou aqui para cumprirmos mais uma vez o nosso destino.”

Curupira que estava o tempo todo escolhido ouvindo aqueles lamentar, assistiu em primeira mão a verdadeira magia acontecer; as grandes arvores que bloqueavam o caminho, se ergueram ficando ainda maiores e com um tremor de terra suas raízes se moviam como pernas abrindo caminho e revelando uma velha cabana de porta meio arredondada de carvalho e pequenas janelas por onde os raios de sol matinais entravam preguiçosamente toda manhã, ao fundo dava para perceber uma pequena chaminé por onde saia uma fumaça as vezes vermelha, as vezes preta. A única cor de fumaça que o Curupira conhecia era o cinza da destruição. E ficou feliz por ver que as cores da fumaça por ali eram diferentes.

Com cautela eles se aproximaram da porta que abriu antes mesmo de baterem, e por dentro se revelou ser maior do que por fora, com uma sala ampla cheio de livros e com uma escrivaninha bem ao centro, que também estava abarrotada de livros, no outro cômodo havia uma grande cozinha com prateleiras intermináveis de vidros de todas as cores e com misturas que nem a imaginação mais fértil ousaria pensar, e em um canto estava o grande caldeirão de onde saia a fumaça colorida e mesmo não querendo admitir, caipora e o Curupira sentiam um cheiro maravilhoso, é como se tivessem misturado a primavera e o outono em uma só estação.

E por todos os lados tinham velas que iluminava o lugar, as velas eram grossas e pareciam que estavam suspensas com por magia, já que não havia castiçais ou candelabros as segurando. Ao fundo em meio a escuridão misturando algo dentro do caldeirão, estava uma figura esguia, com um longo vestido verde musgo, com um cabelo cor de cobre ondulados que escorria até os ombros. Com um longo suspiro e sem olhar para os seus visitantes apenas externou a dor de seu coração.

“Temia que algum dia teriam que acordar minhas queridas meninas, implorei a Tupã para que esse dia nunca chegasse. Porém, cá estamos, perdidos, implorando por uma ajuda maior que nossas forças, maior que minha magia.”

“Sinto sua dor minha velha amiga. Também não queria que esse dia chegasse, queria ser o suficiente para derrotar nossos inimigos, mas eu não sou, nem com as forças combinadas de todos nós, foi o suficiente para parar o avanço da destruição.”  “Precisamos da sua ajuda e a ajuda das guerreiras, precisamos proteger o nosso lar, Caracatau!”

“Não sei em que eu possa ser útil, pois a magia que lancei sobre a cripta das Icamiabas só pode ser quebrado com sangue de uma guerreira, de uma mulher forte e capaz de suportar o insuportável, descendente direta das guerreiras e sabemos bem que uma mulher tão poderosa, nós dias de hoje não existe mais.”

“E porque razão, você lançou um feitiço tão poderoso, sabendo que não haveria um ser tão poderoso assim, para liberta as guerreiras?”

Se virando e revelando sua aparência jovem, mesmo tendo séculos de vida, a bruxa encara os visitantes para responder. “Queria garantir que ninguém além de mim, ou que fosse realmente necessário acordar as meninas. E além do mais, Aruana, líder das guerreiras me garantiu que sempre nascera entre o povo, indígena ou não, uma mulher digna de ser uma Icamiaba.”

“Então como podemos encontrar essa mulher? Que aparência ela tem? Você pelo menos pode nos dar uma direção?

“Isso eu posso fazer.” Afirmou a bruxa. “Pegue esse amuleto, é um muiraquitã, feito da pedra de nefrite, muito rara, encontrada apenas nas profundezas de nossos rios. Esse amuleto os guiara até a nascida guerreira. Tragam ela até mim e o resto pode deixar que eu resolvo.”

Mesmo contrariada Caipora, aceitou ir a procura dessa mulher misteriosa, afinal eles não tinham muita opção, precisavam salvar o seu lar.

E agora era uma corrida contra o tempo, procurar por toda Amazonia uma mulher que suportaria o insuportável, uma verdadeira guerreira do mundo moderno, segundo a bruxa Cuca, o amuleto os levará direto a nascida icamiaba.

Enquanto isso nos arredores da floresta, no pequeno vilarejo de Santana da Piedade, a professora e ativista Jussara lutava para conter o avanço das empresas Orellanas, ela sempre defendeu a vida na floresta, os povos indígenas e sua cultura, e a vida da fauna e da flora. Jussara era uma mulher que não tinha medo de cara feia, mãe de duas crianças, sempre cuidou delas sozinha, enfrentando preconceitos e olhos tortos de uma sociedade que não fazia questão de entender os seus motivos, ela também não se importava, se orgulhava de quem era e por quem lutava.

Escondida ou disfarçada entre as pessoas, Caipora procurava pela escolhida, seguindo o Muiraquitã, que mantinha o seu verde fosco, ele apenas brilhara na presença de uma guerreira Icamiaba. Foi em meio a um disfarce que Caipora conheceu Jussara, ela estava com alguns índios da Tribo Kayapó, fazendo protesto em frente aos portes da sede da empresa Orellana, impedindo que o maquinário saísse para desmatar ainda mais a floresta, ela gritava e gesticulava com os policiais e seguranças que tentavam abrir espaço para que o trabalho dos operários pudesse ser realizado. “Será que é ela?” pensou Caipora, mas por causa da confusão, a velha de cabelos vermelhos não pode se aproximar o suficiente para que o amuleto indicasse a verdade.

Mais tarde, naquele mesmo dia, Caipora descobriu informações valiosas sobre a professora do vilarejo e que Jussara teve uma vida difícil de uma verdade guerreira daquele mundo tão cruel e desumano. “É ela! Tem que ser ela!” Caipora. “Preciso apenas que o muiraquitã me confirme minhas suspeitas”.

Não deu outra, no dia seguinte cedo, houve mais protesto e confusão e lá estava ela, Jussara com seus filhos brigando e defendendo a terra e os direitos daquele povo tão sofrido, mesmo a distância Caipora pode ver o brilho da guerreira Icamiaba em seus olhos, enquanto Jussara gritava palavras de ordem o amuleto brilhou revelando um verde vivo, o verde da esperança. Caipora precisava falar com ela, precisava da sua ajuda para acabar de uma vez por todas com aquela exploração e destruição sem medida da floresta. Mas como fazer isso, em meio aquela confusão. O Jeito era esperar….

De tanto protestar e brigar, as autoridades não tiveram outro jeito se não prender a pobre professora e a levar para delegacia, seu filho e sua filha foram parar no juizado de menores sobre a proteção da lei falha e injusta.

Com as coisas mais calmas, Caipora conseguiria através da sua magia se materializar dentro da cela de Jussara, sem ser vista pelos guardas.

“Quem é você? Ou melhor o QUÊ é você? Perguntou a professora muito assustada ao ver aquela mulher de estatura baixa de cabelos vermelhos e com o corpo coberto de penas.

“Caracatau!! Não me reconhece professora? Pense Bem…” Respondeu Caipora olhando de forma curiosa para mulher.

Após ter passado o susto inicial, foi que Jussara reparou bem naquela figura engraçada. “Você é uma caipora!”

“Eu não sou uma caipora, EU SOU A Caipora!!! E vim pedir a sua ajuda.”

“E como eu posso ajudar um ser litológico da floresta? Ainda mais presa aqui.”

“Se eu te tirar daqui você nos ajuda? Eu sei como acabar de vez com essa matassa na floresta, mas para isso precisamos de você.”

“Eu não sei exatamente como posso fazer isso, mas tudo bem! Mas antes temos que buscar meus filhos, não vou a lugar algum sem eles.”

“Caracatau! Posso fazer isso também. Mas vamos antes que os guardas despertem da magia que lancei sobre eles.”

Mesmo com o coração assustado, Jussara foi com a Caipora. Depois de pegar seus filhos, todos foram para o meio da floresta seguros de olhos curiosos e das pessoas que querem fazer mal a eles.

Já com o muiraquitã em seu pescoço e brilhando como nunca Caipora contou toda a história sobre as Icamiabas, como eram guerreiras habilidosas e o mais importante que com a ajuda dela era possível trazê-las novamente a vida e acabar de vez com os ataques do Francisco Orellana. Era tudo surreal, ela uma guerreira Icamiaba, jamais poderia imaginar. Em suas aulas era o seu tema favorito, falar que naquelas terras já viveu mulheres que não aceitavam ser submissas a nem um sistema, que como as guerreiras da antiga Grécia, que ali também tinha suas representantes e essa representatividade era tão forte que o estado recebeu o nome das destemidas guerreiras filhas da deusa Hipólito, que originou tantas lendas e histórias. Agora ela teria a chance de viver tudo aquilo.

“Mas é meus filhos? Preciso protegê-los.”

“Não se preocupe.” Disse o Saci pulando alegremente de um lado para o outro. “Posso levá-los em um dos meus tornados para a aldeia dos Kayapó, tenho certeza que a Xama ira cuidar deles e com a fumaça do meu cachimbo posso torná-los invisíveis aos olhos do inimigo. Eles ficaram seguros”

“Então, está perfeito, vamos logo, quanto mais rápido resolvermos isso, mais rápido terminara.”

Depois de uma despedida cheio de lagrimas e abraços afetuosos, Jussara lançou o seu próprio feitiço de mãe sobre as crianças, não a magia mais poderosa do que de uma mãe.

 

(…) (…) (…)

 

Agora é chegada a hora da verdade, todas reunidas ali em frente a cripta das Icamiabas, Cuca começa o ritual para desperta-las de seu sono de mais de cinco séculos, a lua que brilhava alto observando toda aquela magia sendo usada. Por livre e espontânea vontade Jussara deixa que gostas de seu sangue caia sobre os túmulos. Em sussurros Caipora rogava aos deuses da floresta que aquilo desce certo de que as Icamiabas voltassem a vida.

A magia que protegia aquele lugar era tão poderosa que minou a energia vital da Cuca, que sua aparência jovem sumiu quase por completo.

Mas para sorte de todas, lá estavam elas! Lindas e vivas. Mais uma vez as guerreiras mostrariam o seu poder…

Por LADYLENE APARECIDA

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