5h00! Olhos abertos! Mais uma vez perdi o sono! De uns tempos para cá, tenho dormido no máximo 6h diárias. Segundo o que muita gente diz, isso ‘é coisa da idade’. De acordo com esses entendidos, a pessoa idosa não tem tanta necessidade de sono. Porém, eu tenho apenas 59 anos de idade!*
Perder o sono, em plena madrugada, tem me levado a um rito diário, o qual se inicia pelo rosto lavado, dentes escovados e o preparo do café, antes de começar a escrever algum texto.
E cá estou a preparar o café, quando percebo que a água já havia começado a ferver há algum tempo. E, toda vez que isso acontece, inevitavelmente me vem à memória uma das lições do meu professor de Química, Antonio Nelson Flório (lá nos idos da década de 70, na E.M. ‘Dr. Getúlio Vargas’, de Sorocaba).
O professor Flório nos ensinava antes, durante e depois das aulas. Oficial e extraoficialmente, portanto. E uma de suas lições era de ordem prática: ao fazer café, evitar deixar a água ferver por muito tempo, pois isso elimina o oxigênio e, consequentemente, o café fica com gosto ‘azedo’.
Durante a minha vida, perdi muitas pessoas queridas e, há pouco tempo, o professor Flório foi uma delas. E sequer pude ir ao seu velório, porque soube do fato praticamente na hora do enterro.
Todavia, se eu tivesse tido essa oportunidade, pediria licença para expressar minha gratidão a ele e, por extensão, a todos os professores que já passaram por minha vida.
E, expressando meus sentimentos, inicialmente diria que não gosto de usar a palavra ‘morrer’ porque, sobre ela, o dicionário a define como ‘perder a vida, a existência’; ‘finar-se, expirar’; ‘desaparecer, sumir’.
Expressaria que a lógica e, principalmente a intuição, me levam a repudiar esse vocábulo e seus significados, pois não consigo conceber o simples desaparecimento e a finitude não da existência carnal de um ser humano, porém, daquilo que anima essa existência: a alma!
Declararia que, ao mergulhar na história da humanidade, volto à Grécia antiga e me vejo na ágora de Atenas, ouvindo as preleções de Sócrates, um dos fundadores da filosofia ocidental e que, dentre seus ensinamentos, pregava a imortalidade da alma. A alma e sua imortalidade! A alma, que o mesmo dicionário define como ‘vida, coragem, fogo, paixão’! E, também, como ‘sentimento, coração, sensibilidade, generosidade’! A alma imortal!
Um fogo que não se apaga, um coração que bombeia sentimentos e sensibilidade e que reverbera pelos séculos e milênios afora, escrevendo a Grande Epopeia Humana!
Ao me despedir do mestre, diria a seus familiares e amigos que prefiro usar a palavra ‘desencarnar’, entretanto, sem nenhum proselitismo. Apenas exprimiria que este termo significa, singelamente, desprender-se da carne, abrir as portas da gaiola material, para elevar-se ao voo das alturas. E levando consigo todas as conquistas imateriais de sua existência terrena!
E dito isto, e terminando minha fala, me dirigiria ao mestre e, a ele, não diria ‘adeus!’, mas, tão somente, ‘até breve!’ Em algum lugar do espaço e em algum momento da eternidade!
Todavia, enquanto isso não acontece, professor Flório, fico eu aqui, fazendo meu café. E evitando deixar a água ferver por muito tempo!
Por SERGIO DINIZ DA COSTA
Crônica escrita em 2016