É com prazer que trago para nossa coluna MÚSICA E LITERATURA EM DIÁLOGO uma entrevista com Bia Drummond (minha filha), uma vez que enveredou profissionalmente pela linha do Teatro Musical, em que a comunhão entre texto melódico e texto verbal constitui o cerne desse gênero singularíssimo — uma herança da ópera, trajando uma roupagem mais popular.
O Teatro Musical costura o enredo narrativo com momentos ora falado; ora cantado, abraçando, comumente, a dança como linguagem complementar. O resultado é uma performance grandiosa que oferece um leque de encantamentos.
BIA DRUMMOND construiu sua trajetória entrelaçando diversas linguagens artísticas. Iniciou seus estudos musicais desde muito cedo (sob minha orientação) e, ainda criança, estudou piano, violino, ballet e sapateado, sempre explorando o viés criativo, em todas as áreas.
Cursou o mestrado em violino, no Conservatoire Royal de Bruxelles (cidade que escolheu para residir) e, atualmente, é professora de violino e canto, na Escola Kalleis em Waterloo, na Bélgica; em suas atividades, inclui a participação em diversos espetáculos de teatro musical, tais como Perpétua, Morgane Le Musical, Night Quintet e A Christmas Carol.
Seguem, portanto, perguntas que oportunizam o leitor conhecer um pouco da trajetória melodiosa dessa jovem compositora, cantora, multiinstrumentista e atriz.
ENTREVISTA
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REVISTA THE BARD – A música entrou na sua vida desde a mais tenra idade. O que significou para você essa etapa preliminar?
BIA DRUMMOND – Considero um grande privilégio ter vivido uma infância tão rica em estímulos musicais, em um ambiente tão acolhedor, que tanto favoreceu meu crescimento.
Sabemos da importância da infância no que diz respeito ao desenvolvimento de toda e qualquer habilidade, mas muito além da percepção musical estimulada desde cedo, eu tive sobretudo a oportunidade de criar uma conexão muito especial com a música.
As atividades musicais sempre estiveram presentes como uma brincadeira familiar, e eu cresci tendo a música como fonte de alegria e tranquilidade, como uma extensão do que minha família sempre representou para mim.
Graças à infância, busco a música todos os dias como uma criança que volta pra casa.
Imagem de infância por Bia Drummond
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REVISTA THE BARD – Comente sobre suas primeiras vivências no gênero Teatro Musical (os nossos “Musicais”).
BIA DRUMMOND – A paixão pelo gênero “Musicais” também foi fruto de influência da família. Os filmes musicais faziam parte do nosso quotidiano e eu logo me apaixonei por A Noviça Rebelde, Mary Poppins, bem como todo o repertório da Disney e logo mais por toda a filmografia de Shirley Temple e Gene Kelly.
Tínhamos o hábito de cantar improvisando melodias enquanto conversávamos no dia-a-dia, fazendo, sem perceber, referência ao gênero.
Os musicais infantis compostos por minha mãe, Elvira Drummond, como A flauta mágica, Alice no país da música e O pássaro e o rei foram minhas primeiras experiências atuando, cantando e dançando em cena.
Mais tarde, foram essas lembranças que me fizeram procurar a formação profissional.
Cenas do musical A FLAUTA MÁGICA (4 anos), por Bia Drummond
Cenas do musical ALICE NO PAÍS DA MÚSICA (5 anos), por Bia Drummond
Cenas do musical O PÁSSARO E O REI e demais apresentações comungando a arte de tocar e dançar (12 e 13 anos), por Bia Drummond
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REVISTA THE BARD – Você estava com 13 anos, quando escreveu seu primeiro musical, incluindo texto, melodia e arranjos. Esse musical foi aprovado pela “Lei Roinet”, o que lhe permitiu iniciar o projeto “Crianças escrevem para crianças”, coordenado pelo professor e músico Roberto Panico. Fale sobre essa experiência.
BIA DRUMMOND – A criação sempre esteve presente no meu processo de educação musical, mas O Casamento da Rata Rita foi o primeiro projeto mais longo e complexo, que seria apresentado por outras crianças. Aos 13 anos, foi uma experiência de muita responsabilidade, mas também de muita excitação e alegria.
Toda obra cresce e toma outra proporção quando encenada e enriquecida pela visão de outros artistas, e Roberto Panico, que eu sempre chamarei carinhosamente de Tio Roberto, fez um trabalho lindo e cuidadoso, juntamente com as crianças. O resultado superou minhas expectativas e o contato com as crianças que apresentavam o projeto foi inesquecível.
Essa paixão perdura até hoje, participando como compositora em alguns projetos musicais, com as canções Drifting Dreamers, Saudade, You will live on e o musical autoral de The Elf who lost Christmas, atualmente em andamento.
LIVRO
O CASAMENTO DA RATA RITA
QUEM?!
Bia Drummond
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
Quem quer casar com uma ratinha tão mimosa?
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
É dedicada, inteligente e talentosa.
Agora sei o que faço
Me enfeitarei com um laço
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
Quem quer casar com uma ratinha tão mimosa?
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
É dedicada, inteligente e talentosa.
Eu sou um Leitão leitor
Metido a intelectual
Calculo frações
Resolvo expressões
Assim como eu
Não há outro igual
Eu sou um Leitão leitor
Metido a intelectual
De tudo conheço
E nunca me esqueço
Assim como eu
Não há outro igual
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
Quem quer casar com uma ratinha tão mimosa?
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
É dedicada, inteligente e talentosa.
Sua voz é desagradável
Queria um som mais amável
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
Quem quer casar com uma ratinha tão mimosa?
Quem? Quem? Quem? Quem?
Quem quer casar?
É dedicada, inteligente e talentosa.
Sou o Galo Galileu
Tenho muito a lhe mostrar
Pois eu tenho um talento
O talento de cantar
Todo dia muito cedo
Vou fazer o meu trabalho
Pois sou bom despertador
E garanto que não falho
Refrão
Eu sou cão de guarda
Valente e feroz
Ao ver o bandido
Eu corro veloz
Casando comigo
Não corres perigo
Espanto a todos
Apenas com a voz
Refrão
Sou boi musculoso
Valente e charmoso
Marido tão forte
Só com muita sorte
Usando meu chifre
Vou lhe proteger
Não há um esposo
Melhor pra você
Refrão
Sou asno esforçado
Me chamo Anastácio
Trabalho pesado
A vida não é fácil
Carrego minha carga
É esse meu cargo
Não sou preguiçoso
Meu posto não largo
Refrão
Com meu doce canto
A todos encanto
Som especial
Um simples MIAU
Não é um latido,
Um zurro ou mugido
Som especial
Um simples MIAU
Partitura_Canção “QUEM?!”, por Bia Drummond
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REVISTA THE BARD – Como você vê o entrelace texto melódico e texto verbal?
BIA DRUMMOND – Acredito que o texto melódico e verbal devem sempre caminhar juntos para contar uma história.
Alguns compositores preferem começar com a letra, outros invertem e começam pela melodia. Penso que cada processo criativo é diferente e que pode conduzir a bons resultados, contanto que as linguagens sejam alinhadas em prol da mensagem.
O entrelace é bem feito quando a naturalidade do ritmo da fala é respeitada na melodia, quando o caráter da canção é coerente com o discurso da letra, quando a tensão da harmonia e do texto caminham juntas, ao longo do desenvolvimento do tema. Tudo isso em coerência com o contexto, o personagem e a evolução da história que queremos transmitir.
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REVISTA THE BARD – Existem duas Bias atuantes no gênero “Musical”: a Bia cantora-atriz, em cena, no palco, e a Bia escritora de musicais. Como as diferentes funções se entrelaçam ou se complementam?
BIA DRUMMOND – Sinto que conheço melhor o gênero por tê-lo estudado por pontos de vista diferentes.
Um ator precisa projetar os objetivos do escritor para atuar e o escritor precisa antecipar as possibilidades do palco para escrever.
Analisar o musical do ponto de vista do criador, entender o arco narrativo, a estrutura, as sutilezas por trás do diálogo, o desenvolvimento do personagem ao longo da peça, o papel desse personagem como parte de um todo, me oferece recursos para atuar com mais propriedade.
Bem como a vivência de atriz me ajuda a entender o ritmo das cenas e a dinâmica interior do gênero teatro musical. Cada experiência, cada contato com um novo musical ou com diretores diferentes, abrem o leque de possibilidades para criar dentro do estilo, trazendo autenticidade aos diálogos, habilidade para administrar o tempo no desenrolar das cenas e para mesclar a música com fluidez.
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REVISTA THE BARD – Em suas últimas atuações em musicais, o que mudou?
BIA DRUMMOND – Venho apresentando um espetáculo musical intitulado Perpétua, a história de uma artista que reencarna em várias épocas ao longo da história.
Esse show tem me dado a oportunidade de construir vários personagens diferentes, pesquisando e aprendendo sobre a evolução do gênero musical ao longo do tempo e enriquecendo as possibilidades do meu trabalho como atriz.
Na área do canto, posso explorar também diferentes colocações de voz, variando conforme o estilo e o período histórico, bem como a dança em diferentes estilos.
O espetáculo também me permite integrar os instrumentos que toco às canções e unir todas as minhas paixões em um único projeto.
Cartaz Musical “Perpétua” por Bia Drummond
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REVISTA THE BARD – Destaque experiências significativas vivenciadas por você na área do Teatro Musical.
BIA DRUMMOND – No ano de 2023, tive duas oportunidades significativas de trabalhar com a companhia belga The New Musical Company.
Apresentamos um musical chamado Morgane, escrito e composto por Alexandre Diaconu, também fundador da companhia. O musical conta a história do mito arthuriano no ponto de vista de sua irmã, Morgane, muitas vezes retratada como um personagem negativo. A releitura resultou em um espetáculo comovente sobre a natureza humana, traição, poder e, sobretudo, amor.
Interpretei o personagem de Guenievre, esposa do rei Arthur, que atravessa uma longa trajetória durante o musical, indo da inocência antes do casamento até o confronto com a traição, sequestro e conflito religioso. O desafio de criar o desenvolvimento do personagem de Guenievre e redescobrir minha voz em outra colocação e tessitura foi certamente enriquecedor. O musical foi apresentado na França, em Vichy, no quadro de um Festival chamado Théâtre de Bourbon, em diversos castelos da localidade, ambiente muito apropriado para o contexto da história.
Ainda em 2023, apresentamos uma nova versão musical do clássico de Dickens, A Christmas Carol.
Também adaptado e composto por Alexandre Diaconu, a nova versão resultou em um olhar mais sério e sombrio do confronto de Scrooge com os três espíritos do Natal, em contraste com as diversas versões voltadas para um público infantil.
Nesse espetáculo, interpretei o Fantasma do Natal Passado, uma presença por vezes assustadora, por vezes reconfortante. Essa duplicidade, uma metáfora da própria relação humana com o passado, foi a base da construção do personagem, alternando entre movimentos bruscos, agressivos e gestos fluidos com doçura na voz cantada.
O desafio de interpretar uma entidade não humana foi material de muita pesquisa para construir a fisicalidade e psicologia do personagem em questão.
Cenas do musical CHRISTMAS CAROL, por Bia Drummond
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REVISTA THE BARD – Aponte suas preferências no gênero “Teatro Musical”, trabalhos que são referências para você.
BIA DRUMMOND – Stephen Sondheim é uma grande referência de compositor pela harmonia rica e pela habilidade de lidar com o texto verbal em canção. Company, Follies, Sweeney Todd e Into the woods são musicais da autoria dele que gosto muito.
Andrew Lloyd Webber é um grande melodista, na minha opinião. Meus musicais favoritos compostos por ele são O fantasma da Ópera e Sunset Boulevard.
Por ELVIRA DRUMMOND