NAU LITERÁRIA – Entrevista com Rodolfo Medeiros Cunha Fortes

NAU LITERÁRIA – Entrevista com Rodolfo Medeiros Cunha Fortes

 

Rodolfo Medeiros Cunha Fortes, natural de Carolina, Maranhão, membro correspondente imortal da Academia de Letras do Brasil, seccional Uberaba-MG, ocupa cadeira N.º 01, tendo como patrono Odolfo Ayres de Medeiros. Doutor Honoris causa Philosophos immortal pela Academia de Letras do Brasil; Mestre em educação pela Universidade de Brasília; especialista em Gestão Educacional; graduado em Pedagogia e Matemática; membro fundador do Museu Histórico de Carolina.

 

“A função educativa da memória é, também, política, na medida em que pode fornecer respaldo para as pessoas se organizarem ao se perceberem sujeitos da História”.

(Rodolfo Medeiros Cunha Fortes,2024)

 

ENTREVISTA

 

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REVISTA THE BARD – Conte-nos sobre sua infância, adolescência e sua trajetória laboral educacional. Como a literatura entrou na sua vida e quais obras publicadas?

RODOLFO MEDEIROS – Cresci em um ambiente permeado pelas letras, pela música e pelas artes, em uma pequena cidade no interior do Maranhão. A cidade de Carolina, por décadas, configurou-se como um importante centro cultural e educacional, com forte influência sobre grande parte do Sul do Piauí, do Pará e do Norte de Goiás (atual Tocantins), tendo vivido seu apogeu entre os anos 1930 e 1950.

As histórias e estórias desse importante núcleo urbano povoaram minha mente sonhadora a partir dos entes familiares, que, em seus encontros cotidianos ou festivos compartilhavam os feitos de professores, músicos, compositores e comerciantes, da família ou amigos próximos, que contribuíram para a formação educacional e cultural da região.

As conversas em família eram diárias e regadas de ricas memórias de nossos antepassados e dos feitos de nossa cidade. No seio familiar, a música e a leitura faziam parte do dia a dia, porém nunca de forma impositiva. Minha mãe, que por muitos anos atuou como professora, minha avó Liam diariamente, e verbalizavam suas descobertas no mundo das letras. Seus exemplos eram inspiradores e aos poucos o interesse pela leitura e, posteriormente, pela escrita, foram consequências.

Na infância, as revistas em quadrinhos, as palavras cruzadas, as enciclopédias e os discos teciam um percurso literário espontâneo e despretensioso, mesmo antes da apropriação da leitura formal. Ao ingressar no Jardim de Infância, deparei-me com um espaço que serviu de refúgio para minha timidez e para novas descobertas, a biblioteca. Nesse espaço mágico tive acesso a autores diversos e fiz amigos que, assim como eu, transitavam pelo mundo das letras.

Aos domingos, eu e meus irmãos passávamos na casa de meu bisavô para pegar o dinheiro para irmos ao cinema, um compromisso semanal, mesmo que fosse para assistir o mesmo filme da semana anterior. No entanto, nosso bisavô exigia que após o filme, tínhamos que passar lá na volta, para contar a ele a história do filme. Uma grata lembrança que tenho até os dias atuais e que muito contribuiu para minha formação, pois sempre fazia indagações que ajudavam a organizar as ideias e, no final, dizia quantos “aís” tínhamos falado durante o relato. O desafio era contar as novas histórias usando outros termos diferentes de “aí”.

A ausência de livrarias na cidade, fez com que buscássemos meios para obtenção de livros, seja nas bibliotecas ou via correio. Dessa forma, descobri o Círculo do Livro, importante clube de assinatura de livros, que nos possibilitava adquirir e comercializar livros. Passei a vender livros para familiares e amigos e com isso ganhava bonificações para adquirir aqueles que eu desejava.

No final do Ensino Fundamental, a articulação cultural já fazia parte de nossas vidas. Juntamente com amigos, organizávamos eventos para apresentação de peças teatrais, malabarismos, músicas, danças, numa tentativa de reproduzir o que tínhamos assistido nos vários circos que passavam pela cidade, e até mesmo a televisão que só fez parte da minha vida a partir dos doze anos. No colégio, organizamos uma rádio para tocar músicas e um jornal com temas de interesse dos alunos, tudo devidamente sob a supervisão da censura da direção, como era próprio da sociedade da época.

Uma vez concluído o Ensino Médio, tinha o anseio em continuar estudando, no entanto, para tal feito era necessário sair da amada Carolina. Brasília foi o destino de uma nova jornada cheia de desafios e esperanças, que me possibilitou trabalhar e cursar a Educação Superior. Apesar de ter crescido em uma família de educadores, atuar na educação não fazia parte dos meus anseios juvenis, tendo sido a área da saúde, a escolhida. Mas, aos poucos, me vi inserido no contexto educacional como professor de Ciências e, posteriormente, na gestão educacional que conciliei por décadas com a atuação no campo da saúde.

A escrita sempre fez parte, desde os diários que perpassaram a infância, juventude e maturidade, até os artigos acadêmicos, publicações de crônicas, poesias, documentos institucionais e sistematização de pesquisas históricas.

 

2

REVISTA THE BARD – Você acredita que a literatura contemporânea tem sido adequadamente representada nas escolas? Como isso pode ser melhorado?

RODOLFO MEDEIROS – A literatura alimenta nossa alma e sempre permeará nossa existência. Entretanto, os formatos estão se diversificando e as tecnologias digitais têm democratizado o acesso, por parte de determinadas camadas de nossa sociedade, permeada por uma desigualdade extrema. Lamentavelmente, os profissionais da educação, assim como as famílias, ainda encontram muitas dificuldades em fomentar a leitura entre crianças e jovens.

Quando analiso o contexto atual da literatura nas escolas, não deixo de comparar o que vivi em meu percurso educacional, cujas estratégias pedagógicas não contribuíam muito para formação de leitores, por seu caráter predominantemente impositivo e tecnicista. Atualmente, as (os) professoras (es) de Língua Portuguesa possuem uma visão mais construtiva e participativa na formação de leitores, voltada para os diversos gêneros textuais, demonstrando avanços nesse percurso, no entanto, os professores das demais áreas, assim como, as famílias, ainda pouco contribuem nessa importante construção para a cultura de nosso país.

Somente a formação continuada de professores, de todas as áreas, possibilitará o desenvolvimento de estratégias que favoreçam a formação para a leitura em suas diferentes vertentes, funções e possibilidades, na formação de sujeitos críticos e sensíveis ao mundo diverso em que vivem. Em um contexto de Pós-verdade e constante desinformação orquestrada por grupos com interesses diversos nas redes sociais, formar leitores críticos é indispensável para a manutenção da humanidade que nos resta.

 

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REVISTA THE BARD – De que maneira surgiu o Museu Histórico de Carolina-MA?

RODOLFO MEDEIROS – Muitos foram os carolinenses que, em diferentes épocas, lutaram pela preservação da memória e da cultura da cidade de Carolina e região. Esses guardiões da cultura preservaram em seus acervos pessoais importantes relatos orais, documentos, manuscritos, impressos, fotografias, objetos, gravuras, pinturas, mobiliários, objetos litúrgicos, indumentárias etc. Infelizmente, muito se perdeu ao longo dos 215 anos de formação do núcleo urbano, sobretudo, o casario de cerca de quinhentas casas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Estado do Maranhão, em acelerado processo de descaracterização e destruição.

No ano de 2000, um grupo de carolinenses criou, em Brasília, uma Organização Não-Governamental de interesse público, sem fins lucrativos, chamada Carolina ViaVerde, com o objetivo de mobilizar esforços e ações voltadas para a preservação e o desenvolvimento ambiental, social e cultural da região carolinense. Vários foram os projetos desenvolvidos pela ViaVerde nos seus diversos campos de atuação.

Em 2007, em assembleia, os associados da ViaVerde decidiram pela mobilização de esforços para a criação de um espaço de preservação da memória da cidade e região, uma vez que o poder público não foi capaz de salvaguardar o patrimônio cultural da cidade e os detentores dos acervos familiares, à medida que faleciam, colocavam o patrimônio sob sua guarda em risco.

Após anos de tentativa para captar recursos para viabilização do projeto, o Museu Histórico de Carolina foi inaugurado em 2015, fruto da parceria da Associação Carolina Via Verde com o Consórcio Estreito Energia – CESTE e a Prefeitura do Município de Carolina.

 

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REVISTA THE BARD – Qual é a missão principal deste museu e como ela se reflete nas exposições e atividades oferecidas?

RODOLFO MEDEIROS – O Museu Histórico de Carolina tem como missão “Resgatar, preservar e divulgar o patrimônio cultural e a memória histórica do Município de Carolina, constituindo-se referência para a formação histórica, política, social, econômica e cultural da região sul maranhense”.

A função educativa da memória é, também, política, na medida em que pode fornecer respaldo para as pessoas se organizarem ao se perceberem sujeitos da História. Atualmente, essa ação cultural vem sendo desvelada nas implicações para o desenvolvimento, tais como a relação com a atividade turística. Assim, além de possibilitar aos próprios cidadãos uma ampliação educacional-cultural, com repercussões positivas na recepção dos turistas, configura-se em si suporte para o turismo cultural que vem refinando o padrão de qualidade dos serviços ofertados. Isto igualmente se trata de um direito, no caso, do cidadão turista, de acesso a mais informações, conhecimento, lazer e cultura.

 

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REVISTA THE BARD – Como o museu escolheu as obras e os artefatos que fazem parte do acervo permanente e das exposições temporárias?

RODOLFO MEDEIROS – A composição e organização inicial do Museu Histórico de Carolina tiveram como base os acervos doados pelas famílias de alguns guardiões da cultura carolinense, relacionando-os aos momentos marcantes da história da cidade estruturados a partir de determinadas linhas de pesquisa.

O Plano Museológico foi estruturado a partir das finalidades do Museu, considerando o acervo disponível quando de sua criação, considerando as linhas de pesquisa, organizado em exposições permanentes e temporárias. A escassez de recursos fez com que o ponto de partida fosse às doações das famílias que detinham acervos de relevância histórica e/ou representativas das linhas de pesquisas delineadas.

 

 

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REVISTA THE BARD – Qual é a importância da preservação do patrimônio histórico e cultural, e como o museu contribui para essa tarefa?

RODOLFO MEDEIROS – A criação de um museu para a cidade de Carolina configura-se importante meio de preservação de um período marcante da constituição da cidade que merece ser resgatado e resguardado para que as futuras gerações compreendam suas origens e possam a partir de sua história compreender a realidade local e lançar olhar sobre o futuro, de forma a promover o desenvolvimento da região em todos os aspectos que favoreçam o exercício da cidadania.

Rever, memorialisticamente, de forma organizada e voluntária, ruas, becos, igrejas, praças, pessoas de várias épocas de uma cidade, sua população, seus grupos sociais, acontecimentos que aí se sucederam, se constitui, pois, ato reflexivo que confere significados aos fatos rememorados.

É neste sentido que a criação de “lugares de memória” é cumprimento de um direito. Direito do cidadão de superar o estranhamento diante de seu próprio espaço, estruturar a heterogeneidade caótica do dia-a-dia mediante sentidos que lhe confere o passado para, sobretudo, compreender o seu presente e projetar o futuro.

 

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REVISTA THE BARD – Como o museu se adapta às mudanças sociais e culturais, incluindo a crescente digitalização e globalização?

RODOLFO MEDEIROS – A inexistência de arquivo público na cidade de Carolina faz com que o Museu Histórico de Carolina funcione como guardião da memória da cidade, estando voltado para o resgate, restauração e preservação dos acervos sob sua guarda. Aos poucos, conforme disponibilidade de recursos, o Museu tem digitalizado seu acervo para que possa ser consultado de forma mais ágil e democrática, assim como disponibilizado nas redes sociais, tornando-o público à comunidade e pesquisadores.

 

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REVISTA THE BARD – De que forma o museu promove a inclusão e a acessibilidade para diferentes públicos, incluindo pessoas com deficiência?

RODOLFO MEDEIROS – Quando de sua criação, o Museu considerou em sua arquitetura, todos os requisitos de acessibilidade e tem envidado esforços para, em seus atendimentos e guiamentos, dar o suporte necessário para as pessoas com deficiência.

 

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REVISTA THE BARD – Como o museu interage com a comunidade local e quais projetos colaborativos foram desenvolvidos para aproximar o público?

RODOLFO MEDEIROS – Para cumprir sua finalidade é necessário superar o conceito antigo de “museu” como local estático onde se guardam coisas velhas, peças de museu. Para o museu não importa o tempo, representado pela humanidade por meio da noção do presente, passado e futuro. O museu moderno é uma casa dinâmica, que se atualiza constantemente, ainda mais se tratando de um museu com missão educativa.

Para alcançar esse intento, são desenvolvidos projetos educativos que preveem atividades diversificadas para os estudantes das escolas públicas e particulares do Município com o intuito de conscientizá-los da importância da preservação da memória local, assim como apresentar o acervo e o contexto sociohistórico no qual foi constituído.

O museu funciona muito bem como espaço de aprendizagem e fruição e até mesmo como extensão da sala de aula, pois os visitantes podem tirar partido do ambiente, dos objetos, imagens, recursos audiovisuais e espacialidade para que o conhecimento seja construído de maneira mais dinâmica e interativa.

 

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REVISTA THE BARD – Quais iniciativas educacionais o museu oferece para crianças, jovens e adultos, e como essas atividades impactam a formação cultural dos visitantes?

RODOLFO MEDEIROS – O Museu Histórico de Carolina, em parceria com a Secretaria de Educação do Município de Carolina-MA e instituições privadas, promove visitas guiadas e dá suporte aos estudantes que fazem pesquisas sobre a cidade e região. Promove eventos culturais voltados para literatura, teatro, dança, música, fotografia e demais linguagens que possibilitem à comunidade entrar em contato com a cultura local e fortalecer sua identidade e sentimento de pertencimento.

 

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REVISTA THE BARD – Quais são os planos futuros do museu para expandir suas coleções, atrair novos públicos ou se modernizar tecnologicamente?

RODOLFO MEDEIROS – O MHC tem buscado parcerias com para digitalizar seu acervo, visando sua disponibilização em meios digitais, assim como, mantido contato com a comunidade, escritores e pesquisadores para ampliar seu acervo e estruturar novas exposições temporárias e permanentes.

 

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REVISTA THE BARD – Deixe uma mensagem para os leitores da Coluna Nau Literária – Revista The Bard.

RODOLFO MEDEIROS – Incentivar e promover a visitação a museus configura-se uma importante iniciativa para o enriquecimento pessoal, cultural e educacional, pois auxilia na preservação e valorização do patrimônio cultural, histórico e artístico de um grupo social, possibilitando a compreensão das transformações e permanências ao longo de períodos determinados da história. Os museus, para além de guardião da memória, por meio da preservação de seu acervo, são fonte de referência em uma sociedade onde a desinformação é crescente por meio das redes sociais, carentes de rigor científico, que terminam por distorcer fatos históricos em detrimento de interesses diversos.

Além do caráter educativo, museus são fonte de inspiração, pesquisa, lazer e entretenimento, que fortalecem o potencial turístico da região onde está inserido.

Visitem os museus!

Um Natal de Luz e, Ano Novo de paz, saúde e prosperidade!

 

Muito obrigada pela sua participação!

Jornalista, Magna Aspásia Fontenelle

Nº-0023508/MG.

Por MAGNA ASPÁSIA

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