Vozes eternas
Por Márcia Neves
Segredos atemporais
Sussurros dançantes
Memórias de almas presentes
Que ecoam e ainda vivem
Ecos de vida que o mundo abraçou
Histórias de risos, de lágrimas e até, de dor
Ventos que sopram e ensinam
Etéreas lições de amor
Em noites serenas e dias sombrios
Sob o olhar das estrelas e a sombra das nuvens
Fios de arengas se entrelaçam
A construir novos caminhos
Às vezes, caminhos incertos
Inevitáveis ao encontro da sintonia
A suspirar por todo universo
Faça noite ou faça dia
Vozes que guiam
O saber e a sabedoria
A história e suas essências
A serem sempre ouvidas
Apreciado(a) leitor(a),
Vozes eternas nos lembram de que, mesmo quando o tempo passa e histórias se despedem, perto ou longe uns dos outros, vivos ou mortos, há conexões que foram criadas e eternizadas de alguma forma. Feito marco, a nos lembrar dos motivos vitais que nos impulsionam a ouvir mais atentamente o mundo e valorizar essencialmente o espaço que nos envolve.
São vozes proferidas com sabedoria e diversidade, da mesma forma como devem ser ouvidas, apreciadas e sentidas. Quer por palavras, música, dança, quer por silêncios. É a vida em seu processo primário de ser. São movimentos maciços de afetividade, são vozes.
Neste espaço, convido você a se afetar e a refletir sobre nossas vozes, internas ou externas, que se manifestam em todas as áreas do conhecimento com um único propósito: revelar. Convido você a submergir nas vozes que permeiam as páginas da literatura, que carregam histórias, inclusive de amor; de sabedoria, de superação, de construção, etc. Desde os clássicos até obras atuais, a literatura é um infinito universo de vozes de autores, personagens e representações sociais que ecoam através e além do tempo, despertando nossas percepções e ampliando nossa forma de estar no mundo.
Cada livro, cada obra é uma ópera completa de significantes e significados que transcendem palavras escritas; são essências de experiências, emoções e verdades universais, que carecem de mentes e ouvidos sensíveis para abraçar oportunidades e criar conexões com a vida e com o mundo.
A literatura nos ensina que somos todos tecelões, que cada um tem seu papel, lugar e forma de construir e entender o mundo, onde cada um tem sua responsabilidade e importância. Ao ler, somos convidados a ressignificar vozes e eternizá-las ao passo que nos impactamos com elas.
Nesse sentido, a 30ª edição da Revista Internacional The Bard, com o tema Vozes Eternas, surge como uma oportunidade para afinarmos nossos corações diante das necessidades do que precisamos ouvir, entender, valorizar e multiplicar, e de ampliar nossas mentes para estarmos melhor nessa eternidade de vozes.
Alegra-me a vida poder escrever a Coluna Nossa Literatura – virtudes poéticas e ser parte da Revista Internacional The Bard, motivos pelos quais sou muito agradecida. E ainda, espero afetar sua vida com minha voz pelas entrelinhas desta coluna, afinal, cada edição é como um livro, uma porta aberta ao diálogo com o mundo.
A autora
Literatura: porta-voz do mundo
“É a literatura o que, inevitavelmente, faz pensar. É a palavra escrita, a que está no livro, a que faz pensar. E neste momento é a última na escala de valores. ”
(José Saramago – poeta, escritor e crítico literário)
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A Literatura é uma arte que se manifesta por meio de palavras. Considero uma arte mágica devido ao poder de impactar o leitor peculiarmente, ou seja, cada um tem seus impactos e experiências diante e por meio dela. Definir o que é literatura é como definir o que é o amor, por mais que nos esforcemos, vai além de qualquer etimologia, pois depende de uma série de fatores, tais quais de ordem cultural, política, social, histórica, etc., o que a torna subjetiva, assim como o amor, mas nem tanto abstrata como tal, nem categórica como a ciência. Não existe definição absoluta para ela. De acordo com Victor Hugo, escritor francês, “Em Literatura, o meio mais seguro de ter razão é estar morto.
É uma arte que surgiu desde quando o homem sentiu a necessidade de se manifestar e desenvolveu meios (linguagem) para isso, a começar com a arte da oralidade (contação de causos, histórias), o que nos leva a reconhecer qualquer manifestação verbal como literatura, não somente em obras clássicas, mas em gêneros textuais e em suportes diversificados, das páginas de um livro aos muros que nos cercam.
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Segundo Aristóteles, pensador grego, de quem a maioria dos teóricos segue a sua definição, Literatura é a imitação ou representação da realidade por meio de palavras. De onde provimos a questão: a arte é uma imitação da vida ou a própria vida sendo representada? Aristóteles, na época, ainda separou a Literatura em três frentes clássicas: a lírica, a épica e a dramática.
Assim, cabe destacar a Literatura como recurso de linguagem que tem como função sua manifestação estética.
Ainda considero a literatura como a arte das artes, tendo em vista a sua instrumentalização de palavras. Uma arte presente em todas as civilizações, desde os primórdios à atualidade, e em todas as realidades. De fato, uma porta-voz da humanidade, que se posiciona fundamentalmente na construção do homem enquanto sujeito e cidadão. Ao encontro dessa perspectiva, o professor, sociólogo e crítico literário Antonio Candido de Mello e Souza nos evidencia que:
as manifestações artísticas são inerentes à própria vida social, não havendo sociedade que não as manifeste como elemento necessário à sua sobrevivência, […] são uma das formas de atuação sobre o mundo e de equilíbrio coletivo e individual. São, portanto, socialmente necessárias, traduzindo impulsos e necessidades de expressão, de comunicação e de integração que não é possível reduzir a impulsos marginais de natureza biológica.
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Mas é claro que nem todos, desde as primeiras civilizações, tiveram acesso a elas, literatura, arte e leitura. Se ainda hoje relutamos pelo incentivo à leitura e democratização do acesso a livros, imaginemos isso, ainda, no século XVI (primeiros anos do descobrimento do Brasil), por exemplo, sob outras influências como a divisão Literatura de informação e de catequese (Quinhentismo), como seguiu-se com as divisões literárias influenciadas por europeus, interesses e estéticas diversos (Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo/Naturalismo, Modernismo, etc.).
Livros: vozes da humanidade
Ler para mim é como andar de bicicleta. Quanto mais se pratica, mais se equilibra e se diverte. Mencionarei, brevemente e pela superfície de minhas percepções, três exemplos de livros que os considero interessantes e, de certa forma, denunciam problemas sociais e, infelizmente, “atemporais”, que precisam amiúde ser reparados. Livros que valem a pena serem lidos, sendo clássicos ou não.
A Hora da Estrela, Revolução dos bichos e O Quarto de despejo.
Em A Hora da Estrela, romance pertencente à terceira geração do Modernismo, da escritora britânica, naturalizada brasileira, Clarice Lispector, tem-se a reflexão da história da Macabéa (protagonista), que ilustra tão bem as ilusões e medos da grande juventude condenada pela pobreza, pela falta de oportunidades e de Inteligência (desenvolvimento profissional e intelectual) como ocorre com as retirantes que saem ao encontro de uma vida “possível” e de serem vistas e amadas de alguma forma em algum lugar. Tendo em vista o desfecho dessa narrativa (o único momento de brilho, de luz da personagem) nota-se parte naturalmente conflituosa do ser humano e, ao mesmo tempo, de essência da vida. A meu ver, é um clássico que deve ser lido e entendido, principalmente pelas meninas que vivem na “ilusão” de que, para encontrar felicidade, basta ir às grandes cidades, como fez a alagoana Macabéa nessa história.
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O romance A Revolução dos Bichos, de George Orwell (escritor e ensaísta indiano), um dos romances mais emblemáticos do autor, leva-nos a refletir sobre problemas sociais, por ora, também atemporais, o quanto a sociedade se molda e se organiza mediante interesses do próprio homem, e a necessidade de criar convenções para uma melhor organização de grupos, etc. Enquanto narrativa, considero bastante interessante tanto pela estrutura, quanto pelos conceitos; enquanto obra, indispensável para entender vozes do homem para com ele mesmo, a exemplo dos discursos políticos por toda a história da humanidade, de fato, um romance histórico. Nessa narrativa, inclusive, chama a atenção e até já polemizou bastante a personificação dos animais, a exemplo da fábula, e a comparação deles com o homem.
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E como terceiro exemplo, cito O Quarto de Despejo – diário de uma favelada, da escritora mineira, Carolina Maria de Jesus, a despeito da busca por sobrevivência na favela de Canindé em São Paulo, e a exemplo de vozes, muitas vozes invisibilizadas no mundo, como as de mulheres que são mães solteiras, pessoas que dependem do lixo para sobreviver e pessoas que precisam viver em lugares muito condenados pela marginalidade. Uma obra que se destaca até hoje pela originalidade de sua narrativa. De forma simples, uma obra que retrata complexidades do dia a dia de quem precisa se submeter a situações involuntárias e viver à margem de uma sociedade “invisível”. Embora a pobreza tenha caído um pouco em 2023, segundo dados do IBGE, atingindo o menor nível desde 2012, ainda se conta com aproximadamente 30% das mulheres brasileiras vivendo abaixo da linha da pobreza, e Carolina Maria de Jesus, certamente representou e representa todas elas (nos sonhos, na fé, na valentia e no grande desejo de cobrar das autoridades o que lhes devem – o básico da dignidade humana).
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São inúmeros livros, dos clássicos aos contemporâneos, que podem ser citados como protótipos de vozes denunciadoras, bem como que aclamam a vida e tudo de bom que nela se pode contemplar, de ordem social, psicológica, lírica, etc., a exemplo disso, cito o Pequeno Príncipe do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry; El divino arte de vivir (um clássico familiar na cultura Baha’í há milhares de anos); Cem anos de Solidão de Gabriel García Márquez; Lembranças de Aninha, de Cora Coralina; O Menino de Pijama Listrado; O Avesso da pele, de Jeferson Tenório e Os miseráveis de Vitor Hugo.
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Livro é o que temos de mais alta tecnologia a longo prazo, e de maior resistência ao tempo e à história. Sobretudo, prezo por uma Literatura acessível a todos e flexível ao tempo e às várias realidades. Prezo também pelo uso da literatura como equilíbrio, encontro e vozes.
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Por MÁRCIA NEVES