Templos do tempo
Por Márcia Neves
Feito baú de histórias
Em paredes que não escondem
Sonhos que se eternizam
No grito silencioso da arte
Quase como as vitrines, brilham
Relíquias de uma vida presente
Cada objeto que a alma entrega
Uma beleza a olhos oniscientes
Silêncios pulsantes, salões falantes
Momentos idos, ecos correntes
Memórias exatas, mentes sensatas
Vidas tecidas, sofridas e até inventadas
Harmonia universal, entrelaço
Mosaico de cores, culturas, fascínio
Convite de polo a polo
A um banquete de sabedoria
Templos sem fronteiras
À espera de um desenlace
Exploradores dispostos a desvendar
A história que o museu precisa contar
O tempo no templo
O passado no presente
Uma forma necessária de falar
Um portal ao mundo que vê
Estimado(a) leitor(a),
Que alegria poder trazer nesta edição textos que nos arrancam reflexões acerca da existência de museus e sua crucial importância para a história do mundo. Claro que nem sempre vamos ver o belo expresso nos museus, pois a história que neles se contam não são invenções, nem meramente ficções, mas, entre o bonito e o feio, a arte do próprio viver. Um lugar inspirador, revelador e de fontes materiais.
A história é uma revelação da existência humana e uma prova da mutação do homem, consequentemente da humanidade, e que bom que existem os museus, e que se encarregam de organizar e preservar boa parte do que não pode cair nunca no esquecimento para o bem da humanidade – sua própria história, e nos permitem apreciar a riqueza da experiência humana.
A arte consegue evocar emoções profundas e provocar mudanças na forma como vemos o mundo, e os museus, em sua essência, fazem com que reconheçamos que somos parte de uma história ainda maior – uma narrativa desdobrada ao longo do tempo, do tempo de todos nós e é de nossa responsabilidade a sua continuação. Além disso, em tempos de incertezas e tantos desafios, os museus se apresentam como retiros para a criatividade e a resistência.
Nesse sentido, a 29ª edição da Revista Internacional The Bard, com o tema Museus pelo mundo, surge como uma oportunidade para ressignificar nossas mentes e corações diante do que vemos nos museus, e ainda, reacender nos leitores o reconhecimento da importância desses templos históricos, e entender porque são lugares que, muitas vezes e infelizmente, sofrem perseguições.
É um prazer enorme poder colaborar para a Revista Internacional The Bard e espero, veementemente, que esta coluna lhe seja interessante e agradável. Fé na história, na arte e na poesia de nossa própria vida.
A autora
Museus pelo mundo: janelas para a vida
“Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades. O tempo não para ”
(Cazuza)
Para alguns, os museus são apenas espaços que abrigam o passado, para outros, espaços antigos e de antiguidades. Mas, para mim, são janelas que me permitem enxergar além do que os olhos podem ver; verdadeiros portais capazes de nos transportar a diferentes épocas, culturas e diversidades.
Certa vez, eu sonhava andar pelos corredores do Museu Nacional da Noruega e me deparei com O Grito, a famosa obra expressionista do norueguês Edvard Munch, que vai além de uma simples pintura, um diálogo silencioso e atemporal. A expressão emblemática de O grito parece adentrar nossas têmporas e nos posicionar em seu lugar, diante da sensibilidade nela explicitada. Ao meu redor, pessoas de todas as partes do mundo se reuniam em contemplação, cada uma relacionando suas dores, medos e histórias.
Imagem de Cultura Genial
Sonhar é como fazer uma viagem e visitar um museu em si. Em cada museu, concentram-se narrativas, tradições e costumes de um lugar, de uma civilização, de um povo. Nos museus antropológicos, como o Nacional na Cidade do México, por exemplo, as impressionantes esculturas astecas e maias apresentam civilizações existentes muito antes da chegada dos europeus, feito uma prescrição de que a história também é feita de vozes silenciadas e muitas vezes esquecidas ou invisibilizadas.
Na Colômbia, especificamente em Cartagena, há o Museu Histórico de Cartagena, conhecido como o Palácio da Inquisição, que abriga exposições da história, bem como, e principalmente, do período da inquisição na cidade. E este espaço pude visitá-lo realmente, não por meio de sonhos (ainda bem), visto a tremenda crueldade revelada nele. Não se trata apenas de um museu, mas da preservação histórica de um palácio (Tribunal do Santo Ofício), lugar onde, de fato, condenavam-se e torturavam-se pessoas por heresia (atrelada à igreja católica), bigamia, bruxaria e tantos outros fatores vistos com maus olhos, por cerca de dois séculos. Antigamente, um espaço reservado à intolerância, hoje também tem a intenção de ser transformado em um espaço de convivência, reflexão e aprendizado e oferece uma sala reservada aos Direitos Humanos.
Imagens de arquivo pessoal – Márcia Neves
Mas nem todos os museus precisam ser renomados, grandiosos, ou mundialmente conhecidos. Nas pequenas cidades, ao redor do mundo, encontramos museus locais que preservam histórias pessoais e comunitárias. Por exemplo, em aldeias, há pequenos museus, muitas vezes “humanos”, sem acervo material, que mantêm a tradição da oralidade e a propagação cultural através das gerações e conseguem manter a essência de um povo com mais originalidade que determinadas instituições. São espaços acolhedores, que nos convidam a sentir o valor de uma história e a entender a importância de sua preservação.
A exemplo disso, e ainda na cidade, em Valparaíso, no Chile, as cores estão por toda parte e a arte pode ser vista, sentida e respirada por você. No cerro Bella Vista há o famoso Museu a Céu aberto, onde se concentram vinte murais de diversos estilos pictóricos e de artistas renomados. Uma iniciativa pioneira no Chile e uma visita que você faz caminhando e gratuitamente. Mesmo lugar onde também se encontra La Sebastiana, uma das casas do poeta Pablo Neruda, e também museu para os amantes do escritor (assim como eu) “El poeta del amor”. Um lugar para um passeio cultural imperdível.
Imagens de arquivo pessoal – 01/01/2020 – Márcia Neves
Os museus são capazes de provocar mudanças sociais. Podem ser espaços onde vozes marginalizadas encontram ecos e injustiças históricas e sociais são confrontadas. Ou seja, além de serem guardiões de memórias, são lugares de acolhida, educação e preparo sobre a importância do conhecimento, da resistência, da tolerância e da empatia.
À medida que continuo minhas viagens pelo mundo, sejam elas reais, virtuais ou sonhadas, reconheço que os museus vão além de templos e edifícios; eles nos permitem explorar alicerces, entender a diversidade de povos e celebrar nossas semelhanças. Além disso, são lugares que nos colocam diante de nossa própria história (da humanidade) e nos convidam a lutar por sua existência e preservação.
No Brasil, perto de nós, temos o Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, em São Paulo, o qual não poderia deixar de mencionar, e onde pude, por inúmeras vezes, refletir situações da nossa língua e ouvir lindas poesias declamadas por tão belas vozes, como a atriz e agora, membro da Academia Brasileira de Letras Fernanda Montenegro e a cantora Elza Soares. E o famoso Museu da América Latina, lugar agradabilíssimo, onde também agrega a enorme biblioteca Memorial da América Latina.
Imagem de Memorial.org.br – Biblioteca Latino-Americana
Logo, sempre que visitar museus, independentemente de sua dimensão, lembre-se de que você não está apenas diante de objetos ou obras de arte; mas imerso em uma convivência, dialogo, conversa atemporal sobre quem somos na fila da humanidade e para onde estamos indo diante de nossa própria atuação. Afinal, cada visita é uma oportunidade de conhecimento e conexão com o passado enquanto construímos o futuro.
Museu, arte e poesia: o que a literatura tem a ver com isso?
Museu, arte e poesia formam uma tríade literária, onde cada elemento se alimenta e enriquece o outro. A literatura, por meio da poesia, desempenha papel crucial nessa intersecção, oferecendo possibilidades de interpretação e reflexão sobre as experiências estéticas e também estilísticas, que vemos em museus e obras de arte.

Museus são verdadeiros repositórios de criatividade e inspiração, onde poetas e artistas em geral encontram fonte inesgotável de criação e provocação. Ao contemplar, estudar e entender uma obra, por exemplo, somos tomados por emoções capazes de nos inspirar e levar a um estado de criação poética indefinível. E nisso, percebe-se o quanto a arte soa como linguagem universal, e a poesia, uma manifestação dessa linguagem. Ambas, portanto, possuem o poder de comunicar ideias complexas e emoções profundas com sutileza e ao mesmo tempo, impacto.
Por sua vez, a literatura também tem seu papel avaliador, crítico na apreciação da arte e dos museus. É comum poetas abordarem temas sociais, políticos e culturais em seus textos, como também fazem os músicos, questionando situações do dia a dia, inclusive situações formais apresentadas em instituições. A poesia acaba sendo desafiadora, uma vez que assume a voz dos marginalizados e oferece perspectivas sobre sua própria arte e história.

Um poema inspirado em uma visita a um museu vai além da dimensão da imagem, pois há uma conjunção entre os sentimentos, a visão e o conhecimento de mundo do apreciador. A exemplo disso, deixo a seguir uma imagem e um poema fruto de uma visita que eu fiz ao Palácio das Artes na Praia Grande/SP, que motivou a realização, posteriormente, da exposição O Descanso da Pesca, em parceria com a fotógrafa Fernanda Morbeck (foram dez fotografias visitadas e dez poemas criados a partir delas, as quais transformaram-se em músicas e podem ser ouvidas pelo site: https://www.valletibooks.com.br/o-descanso-da-pesca ).
Descanso da pesca
(Márcia Neves)
descansa teu barco
no denso manto azul dos mares.
pesca tua vida
em oceanos de profundas memórias,
intimidades e existências naturais,
que só a poesia
é capaz de expressar.
Imagem de Fernanda Morbeck
Em suma, a literatura enriquece nossa compreensão da arte e da história, uma vez que nos dá recursos para entendimento, interpretações e reflexões profundas acerca do que observamos e lemos, inclusive nos museus, além de provocar necessárias emoções. Assim como os museus preservam a história de um povo e da humanidade e celebra um presente possível de novas histórias, a poesia nos convida a perceber, sentir e sonhar um futuro melhor, por dimensões estéticas e sensíveis, ambas valorizando a expressão artística.
Imagem de Freepik
Por MÁRCIA NEVES