A expectativa pelo primeiro filho traz sempre muita alegria.
E quando o sexo do bebê era o desejado pelos cônjuges, então o júbilo de que são tomados aproxima-se do imensurável!
Dois casais de hábitos e culturas distintas experimentariam essa ventura.
Na madrugada, um menino cabeludo e chorão iria abençoar palestinos estabelecidos em Jerusalém Oriental, cujo arrimo dedicava-se ao comércio de tecidos.
Até o seu nascimento, porém, os constantes enjoos, a suscetibilidade exacerbada e os desejos estapafúrdios da jovem mãe deixariam o marido de cabelos em pé!
A par disso, como anelassem um futuro próspero e feliz para a criança, resolveram chamá-lo Omar, que significa o que tem vida longa.
Três anos depois, no badalado balneário de Eilat, à beira do Mar Vermelho, uma linda menina traria alegria ao seio de uma abastada família israelense dedicada ao ramo hoteleiro.
Mas como a gravidez tornou-se de alto risco, seus pais prometeram que se o feto vingasse, o nome que escolheriam seria uma homenagem àquilo que mais prezavam.
E depois de oito meses e meio de extremosos cuidados e de fervorosas orações, deram-lhe o nome de Chaya, cujo significado é vida.
Omar e Chaya cresceriam envolvidos em desvelos, bons costumes e muito estudo; tudo visando a que se tornassem cidadãos íntegros e úteis à sociedade.
É claro que, lá no fundo, assim com os pais de Chaya imaginavam-na assumindo a rede de hotéis, ampliando-a a cada ano, e tornando-se uma das mulheres mais ricas do país, assim os de Omar desejavam que o filho herdasse o lucrativo estabelecimento, administrasse-o com a habilidade dos que dominam essa arte, e merecesse respeito e admiração entre o seu povo.
No entanto, seja porque os esposos tivessem uma mente mais aberta, flexível, seja porque a independência e a determinação das crianças ficassem evidentes desde tenra idade, seja, enfim, porque as asas de Miguel guiassem os seus protegidos antes mesmo de nascerem, o fato é que tanto Omar quanto Chaya não quiseram seguir as profissões que lhes estavam asseguradas.
Sendo assim, depois de prestar o serviço militar, Chaya foi estudar medicina. A vida queria ajudar a salvar tantas vidas quanto pudesse.
Omar, por seu turno, preferiu a nutrição. Aquele que tem vida longa desejava prolongar a vida de quantos o procurassem.
Não obstante, os pais de Chaya tinham esperança de que ela clinicasse em Eilat. Até ofereceram-lhe um consultório deslumbrante, equipado, inclusive, com secretária!
Da mesma forma, os pais de Omar não queriam perder o convívio com o filho. Para isso, já tinham engatilhada a compra de um belo apartamento, em uma das ruas mais movimentadas de Jerusalém Oriental.
Mas o destino é por vezes insopitável; quando não, desgostoso.
E Omar e Chaya mudaram-se para Holon, a sudeste da gigante Tel Aviv.
A cidade recebeu-os de braços abertos. E eles retribuíam dando o melhor de si.
Até que, certa tarde, o esplendor da auréola de Miguel “cegou-lhes” a visão, fazendo com que os desavisados trombassem na rua.
E tão logo Omar levantou Chaya, que caíra ao chão com o impacto, ouviu-se um magnético silêncio…
Nem se precisaria dizer que se os olhos do nutricionista brilharam ao fixarem aquela face angelical, os da médica rebrilharam ao se deterem naquele belo rosto trigueiro.
E depois dos recíprocos pedidos de desculpas, em que ela culpava-se por ser distraída, e ele, por ser desatento, Omar não se fez de rogado e pediu-lhe o número do celular.
Chaya não só o repassou como também deixou subentendido que gostaria muito que ligasse.
E porque ambos não mais tivessem compromissos, combinaram de se encontrar naquela mesma noite.
Chaya estava graciosa! Omar, contudo, vestira uma camisa berrante.
Fosse como fosse, tanto a israelense quanto o palestino nenhuma importância deram aos históricos entraves que se interpõem entre pessoas de diferentes nacionalidade e religião, uma vez que o sentimento que os atraía naquele momento era irresistível!
Os pontos mais animados da conversa foram as carreiras que abraçaram e os significados dos próprios nomes.
Mas o ápice do encontro aconteceu, mesmo, quando os olhos celestes testemunharam um delongado beijo…
Depois de alguns meses, Chaya e Omar decidiram comunicar o namoro aos pais.
E se é verdade que uns e outros exultaram com a possibilidade de se tornarem avós no futuro, também é exato afirmar que, no presente, encheram-se de orgulho ante a maturidade demonstrada por seus herdeiros, que puseram o amor muito acima de qualquer questão ou preconceito.
Passada uma semana, Chaya ligou para o namorado e perguntou se ele gostaria de comer pizzas e bater papo com um casal de amigos da obstetrícia.
Omar ficou surpreso, pois ainda era terça-feira!
Mas acabou sucumbindo àquela manha que tão bem o convencia.
Chegaram à noite ao prédio onde moravam os médicos.
E como a fome apertasse, as pizzas vieram em seguida.
Com efeito, a reunião caminhava para que o encontro fosse a primeira de muitas, tamanha a harmonia que ali reinava.
No entanto, nem a hierarquia de Miguel teria o condão de prever que a paz reinante sob o céu recamado fosse tão barbaramente aviltada…
De repente, uma chusma de mísseis, vindos da Faixa de Gaza, desabou sobre Holon!
E o prédio onde estavam Omar e Chaya desmoronou.
Algum tempo depois, estourou o revide dos atacados!…
E o bombardeio retaliativo impôs mais destruição, e muito mais vítimas.
Agora, quando as partes em conflito contam e enterram os seus mortos, ao arcanjo Miguel, que jamais desistirá da Humanidade, nada mais resta senão recolher os seus protegidos, consolar os que choram, e orar pelos que ainda se odeiam, na esperança de que algum dia venham a se amar.
Por Dias Campos