A obra prima de Neil Gaiman, a história em quadradinhos intitulada Sandman teve sua primeira adaptação audiovisual em 06 de agosto pela Netflix. A obra com uma estética surrealista, inundada de poética, filosofia e existencialismo, por décadas foi considerado algo de difícil adaptações.
Se hoje muitos escritores se conformam a escrever histórias que sejam facilmente adaptáveis para outras mídias, Gaiman sempre esteve confortável em uma inadaptabilidade de Sandman para o audiovisual, confiante que o dia que sua obra prima pudesse migrar para outras mídias um dia chegaria.
Sandman estreou no selo Vertigo da DC Comics em 29 de novembro de 1988, e até 1996 foram publicados 75 fascículos sobre a história de Morfeus, ou Sonho como é mais conhecido, que é o rei do Sonhar. Ele é um perpétuo que, como seus outros irmãos, são manifestações antropomórficas de aspectos comuns a todos os seres vivos. Destino, Morte, Destruição, Desejo e Delírio são os outros membros dessa família que existe desde que o universo surgiu.
Nesta história acompanhamos nosso protagonista, o rei do Sonhar, em meio a suas dificuldades de seu ofício: trazer os sonhos e pesadelos para as pessoas que vão ao seu reino quando dormem. Este reino é mundo como aquele em vivemos quando estamos acordados, o mundo desperto. Porém, em meio às suas jornadas que ambos os mundos coexistam, eliminando os aos vórtices que aparecem de tempos em tempos, Sonho é aprisionado em um feitiço, e todos seus pertences são roubados. Depois de 100 anos (a série) ele consegue se libertar, e parte para uma jornada de vingança e transformação, mostrando que até os seres eternos podem ser moldados por suas experiências e pelo tempo.
O autor é adepto do gênero literário de fantasia sombria e suas obras flertam com essa estética obscura, surreal e fantástica, tratando temas como abandono, traição, solidão e morte, munido sempre da fantasia, mas sem jamais perder a seriedade do assunto. Isso fica muito perceptível em Coraline, onde Neil Gaiman escolheu escrever uma história sombria para crianças, porque crê ser necessário que enfrentemos nossos medos, mesmo em uma tenra idade. Coraline encanta e assusta não só apenas seu público-alvo, como os adultos, seja em livro, ou na animação.
Neil Gaiman tem uma característica marcante em suas obras: a facilidade em trazer temas à frente de seu tempo. Se a obra Sandman, no fim da década de 80 falara sobre assuntos tabus como transexualidade, identidade de gênero, violência, abandono, sua adaptação para os tempos modernos de 2022 não poderia ser diferente: ressaltando a importância da representatividade, muitos personagens tiveram características alteradas, mas que não tiraram em nada a qualidade da obra original, mas que acompanham o espírito de nosso tempo, e as necessidades dos novos expectadores que estão conhecendo Sandman, como também entregando uma história que celebre o original, ganhador de quatro Prêmios Eisner, a maior honra para os escritores de histórias em quadrinhos.
Histórias de fantasia sombria tendem á uma melancolia que exploram o lado profundo e escondido dos seremos humanos, assim como seus temores. Em contrapartida, quando nos aventuramos nesse véu de medo, desbravamos a nós mesmo, conhecendo nossa melhor parte por vezes oculta.
E Sandman certamente tem isso.
Por JOSI GUERREIRO