Os Caminhos da Fantasia

Os Caminhos da Fantasia

 No berço da Grécia antiga se escutava uma lenda sobre o nascer daquilo que se ilumina, que vem a ser, que torna luz, que revela, que torna ideia. Sussurrando em mitologia, os cantos antigos preparam o terreno para o que podemos chamar de Fantasia.

 Uma união divina entre o Hipnos, o deus do sono, e Pasitea, a deusa da criatividade, gerou três deuses que regem os sonhos e seus significados.

 Morfeu, Fabetor e Fântaso nasceram para ocupar o cargo de mensageiros dos sonhos dos reis.

 Morfeu seduzia, nas mãos desse deus somos embalados, caímos no seu canto com facilidade, se a sorte nos agraciar, e seguimos para o além dessa realidade, para perto de Fabetor ou de Fântaso, que nos contam entre linhas douradas as dores da perda em presságios, ou preferem enfatizar o significado da ausência da vida, do espírito; o pesadelo e o significado.

 Desde o provocar, como se diz o ditado: “Dormir nos braços de Morfeu”, até o momento em que o descanso vira formas, cheiro, sons, cenário, histórias, pessoas, animais, medo, alegria, uma infinidade de absurdos e possibilidades, somos dominados pelo que posteriormente trataremos como Fantasia.

 Então, de olhos fechados, mergulhados em sonhos, chegamos à Fantasia?

 

Do Conceito ao que de Fato É

 

 Imaginação, criação, coisa que não tem existência real, contrária a razão, pensamento desprovido de bom senso, ficção.

 Alheio ao palpável em padrões materiais ou a classificação da conduta considerada normal, cabível, a fantasia caminha entre linhas tornas, voando paralela, sobre, sob, distante ou próxima da nossa realidade.

 Buscar o significado de uma palavra, do conceito por trás de algo, em um primeiro momento, tão simples, é uma tarefa que exige o desprendimento da técnica, da resposta bruta, do “isto é isso” e nos leva á riqueza. Ao abstrato ser, conduzir, entender, explicar, firmar entre linhas cognitivas vastas algo que usamos para classificar histórias, filmes ou atos que não podem se encaixar nos padrões listados como reais.

 Usada em sua conjuntura para explicar aquilo que nosso cérebro cria além do padrão. Associada com frequência a criatividade, ao ser além das linhas, a fantasia reina em um terreno vasto demais para ser demarcado em número absolutos no perímetro.

 Está entrelaçada sempre com o romper da realidade, atribuída a capacidade humana de imaginar, criar algo que viole as leis e faça dessa nova existência uma vertente crível.

 Desde o cunho sexual, quando envolvemos fetiches e idealizações de algo ainda não concretizado ou que não ocorre com frequência, até a antecipação de um momento, como imaginar o final de semana na praia – incluindo todas as emoções que uma visita ao senhor oceano exige: cheiro do mar, o chiar das ondas, a aspereza da areia, o sol na pele, o vento salgado da maresia –, a fantasia nos acompanha como complemento daquilo que não necessariamente é, mas jamais será lhes negado ser.

 Freud, em um de seus muitos estudos sobre a nossa psique, aponta a fantasia como uma tentativa de explicar a capacidade de representação humana, envolvendo o devaneio, a hipnose e o sonhar, enxerga a linha de que esses são os caminhos que levam a fantasia e não o contrário.

Sigmund Freud

 Nosso pai da psicanálise, citado no artigo Lourenço e colaboradores, “Fantasias freudianas: aspectos centrais e possível aproximação com o conceito de esquemas de Aaron Beck”, chegou na fantasia como meio explicativo para entender a fuga da repressão.

 Partindo desse ponto de vista, a fantasia ganha outro significado: refúgio.

 Seguindo ainda o mesmo autor, encontramos em Freud a conclusão, por meio de seus ensaios de terapia do comportamento, de que a fantasia é o resulto da interpretação subjetiva da realidade, somada com os desenhos e sonhos de um indivíduo.

 Então, se fantasia é o abrigo do meu desenho, por ventura nascido de uma interpretação à priori do real, podemos chegar à conclusão de que ela seria, portanto, uma vertente da realidade?

 

Entre Livros e Roteiros Fantásticos

 

 Para responder algo que por si só nasceu de um abstrato de ideias, precisamos fazer uso de uma ferramenta mais poderosa, e mais prática: a arte.

 Tudo aquilo que as palavras ou gestos comuns não conseguem expressar nasce em forma de escrito, verso, pintura, música, cena, história. Nasce em forma de arte. 

 Através da arte entendemos conceitos outrora tão complexos, de um jeito não mais simples, mas compreensível. Porque a arte conversa em uma língua que ainda não existe alfabeto ou símbolos capaz de cifrá-las, mas continua postergada, gerações incontáveis, atravessando o tempo e o espaço, para nos falar uma mensagem, que se dita de forma convencional, não teria o mesmo impacto ou, quiçá, seria ouvida.

 Entre fuga, refúgio e idealização, a fantasia nasce nas linhas para ser aquilo que a realidade vivida não pode comportar. Ela expressa o conjunto etéreo de alguém que enxergou além dos muros a sua volta, transformou a arquitetura de linhas e blocos em espirais, curvas sem cálculo conhecido.

 Assim chegamos nos livros, as portas de entrada para uma viagem sem a necessidade de deslocamento físico. Entre ideias humanas, a fantasia virou gênero literário e daí migrou para os filmes, que em suma retratam, em sua generalização, a vida mergulhada na cultura celta, contendo dragões, magia e cavaleiros com espadas.

 Mas não é apenas de torres, criaturas e justas á cavalo que a fantasia literária se resume. Somos ficção científica, fantasia sombria, alta fantasia, baixa fantasia, fantasia urbana, fantasia de espada e feitiçaria, uma lista extensa de subcategorias que buscam cantar a letra fugaz da alma de seu criador.

 Precisarei referenciar um dos meus autores favoritos. Stephen King, na obra Dança Macabra, se refere ao gênero literário fantasia como a mãe de todos os outros subgêneros e classes, como única formadora da ficção que retrata o irreal, a idealização de alguém sobre algo que não existe, mas que ganhou forma em suas mãos.

 Sendo mãe da ficção, pois ela é a criação da mente do autor, somos todos, mesmo um pouco, escritores fantásticos. Havendo magia nas suas mãos ou não.

Por G.M. RHAEKYRION

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