O mundo quer que você seja outro
Não você
A novela, a política, a religião, a família, o trabalho, a tradição
Outro, outro, não você
Querem de você alguém que não quer ser
Não pode ser, não deve ser
Até no amor
Sentimentos, desejo, emoção, afeição
Você se desdobra em outro
Pelo ser amado, pelos filhos, pelos pets, pelo chefe, pela vida, pelos pares
Outro, outro, outro você
O mundo não quer você, o mundo quer um outro
Um outro a cada instante, divisão inquietante
Autogênese revoltante, um replicante, submissão acachapante
O mundo, no fundo
Tem medo de você
Um dia, a verdade, constatação da novidade
Já antiga, impercebida
Você não é mais você
Você é outro
Você não é quem você vê
Você é um outro de você
Você é multidão, legião
Um ser em eterna mutação
Inverossímil dialogia, repreensível tautologia
Conflituoso dialogismo, repetitivo silogismo
Você não é você
Você é outro
Moldado, formatado, anulado, original obnubilado
Você não é jamais você
Não consegue ser você
Você é outro, e mais outro, e ainda outro
Você é uma vaga lembrança de você
Um arremedo
Um esboço esmaecido
De quem você não vê
Você é um outro, uns outros, os outros
Do outro que não é você
Você não é quem você vê
Você é outros mundos distanciados de você.
Por JOSÉ MANUEL DA SILVA
Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, Brasil
