Prosa poética é a junção dos gêneros prosa e poesia que tem algumas das qualidades técnicas ou literárias de um poema (como ritmo e intensificação emocional ou imaginativa) concebida por meio de parágrafos, o que denota um fator característico da prosa.
Uma prosa poética não é: um poema falho, um conto curto. Uma prosa poética é: um paradoxo nascido da rebeldia, um estilo singular. Ainda que não haja uma definição fixa da prosa poética, é relevante mencionar que sempre envolve a utilização de elementos da poesia tradicional em um formato de prosa. Esses elementos podem incluir: estrutura métrica implícita ou estrutura rítmica, dispositivos literários (como figuras de linguagem) etc.
No ocidente, poetas franceses lideraram um movimento em prol da poesia em prosa, começando com a compilação Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand e, no final do século XIX, com Charles Baudelaire (autor de Le Spleen de Paris). Poetas de língua inglesa também abraçaram a poesia em prosa, incluindo o irlandês Oscar Wilde e o poeta estadunidense Edgar Allan Poe.
Das suas raízes revoltas até o presente momento, a prosa poética foi propagada por escritoras como Naomi Shihab Nye, Anne Carson e Clarice Lispector. Tal gênero está constantemente à se reinventar. Russell Edson disse: “Uma boa prosa poética é uma declaração que busca sanidade enquanto seu autor oscila à beira do abismo”. Se esse não é um motivo suficientemente atrativo para se tentar escrever uma prosa poética, desconheço outro que possa vir a se equiparar!
Daqui a vinte e cinco anos
Clarice Lispector
Perguntaram-me uma vez se eu saberia calcular o Brasil daqui a vinte e cinco anos. Nem daqui a vinte e cinco minutos, quanto mais vinte e cinco anos. Mas a impressão-desejo é a de que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma situação econômica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança. E isso porque o povo já tem dado mostras de ter maior maturidade política do que a grande maioria dos políticos, e é quem um dia terminará liderando os líderes. Daqui a vinte e cinco anos o povo terá falado muito mais.
Mas se não sei prever, posso pelo menos desejar. Posso intensamente desejar que o problema mais urgente se resolva: o da fome. Muitíssimo mais depressa, porém, do que em vinte e cinco anos, porque não há mais tempo de esperar: milhares de homens, mulheres e crianças são verdadeiros moribundos ambulantes que tecnicamente deviam estar internados em hospitais para subnutridos.
Tal é a miséria, que se justificaria ser decretado estado de prontidão, como diante de calamidade pública. Só que é pior: a fome é a nossa endemia, já está fazendo parte orgânica do corpo e da alma. E, na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome. Os líderes que tiverem como meta a solução econômica do problema da comida serão tão abençoados por nós como, em comparação, o mundo abençoará os que descobrirem a cura do câncer.
Por Jeane Tertuliano