PROSA POÉTICA – A Prosa Poética Edição Janeiro e Fevereiro 2025

PROSA POÉTICA – A Prosa Poética Edição Janeiro e Fevereiro 2025

Escrever prosa poética é um desafio intrínseco para prosadores e poetas, uma arte que concilia o lirismo do verso com a narrativa da prosa. Clarice Lispector, um ícone da literatura brasileira, exemplificou essa fusão de maneira magistral. Sua escrita, quase cirúrgica na precisão e repleta de nuances poéticas, capturou a essência da condição feminina com uma profundidade admirável. Ser mulher, como ela mesma nos revela, é um ato de coragem; reconhecer-se como tal é ainda mais raro e poderoso.

Para criar uma prosa poética, é fundamental que o autor compreenda os elementos essenciais da poesia. Somente então, ele poderá escrever uma prosa que se equilibre entre a narrativa e o ritmo poético. Embora a rima não seja obrigatória, a musicalidade do texto é um aspecto crucial, tornando-o mais cativante e emocionalmente ressonante. Figuras de linguagem como assonância e aliteração são ferramentas valiosas para conferir esse efeito sonoro e melódico.

Para aqueles que preferem um estilo mais direto e menos ritmado, há uma vasta gama de figuras de linguagem à disposição: analogia, antítese, comparação, eufemismo, gradação, hipérbole, ironia, metáfora, metonímia, personificação e sinestesia. Cada uma dessas ferramentas pode infundir um toque poético na prosa, enriquecendo-a e tornando-a mais evocativa. A língua portuguesa, com sua rica paleta de recursos estilísticos, oferece ao escritor uma infinidade de possibilidades para explorar.

A arte de escrever, seja em prosa ou verso, dá sentido à existência e enriquece a experiência humana. Aqueles que se dedicam a essa prática, que florescem na beleza da língua, descobrem que a escrita não apenas é um meio de expressão, mas também uma forma de viver plenamente. Assim, a prosa poética se torna uma celebração da vida e da linguagem, uma dança harmoniosa entre o contar e o cantar.

 

A TÃO SENSÍVEL

Clarice Lispector

Foi então que ela atravessou uma crise que nada parecia ter com a sua vida: uma crise de profunda piedade. A cabeça tão limitada, tão bem penteada, mal podia suportar perdoar tanto. Não podia olhar o rosto de um tenor enquanto ele cantava – virava o rosto magoado, insuportável, não suportando a glória do cantor. E às vezes comprimia o peito com as mãos bem enluvadas – assaltada de perdão. Sofria sem recompensa, sem mesmo a simpatia por si própria. Até que um dia se curou assim como uma ferida seca.

Foi essa mesma senhora, que sofria de sensibilidade como de doença, que escolheu um domingo em que o marido viajava para procurar uma bordadeira. Era mais um passeio. Quanto a isso nada se podia dizer contra: ah ela sabia passear. Como se ainda fosse uma menina que passeia na calçada. Sobretudo quando sentia que seu marido a enganava.

Assim foi procurar a bordadeira no domingo de manhã. Desceu uma rua cheia de lama, de galinhas, de crianças nuas. A bordadeira, na casa cheia de filhos em vias de fome, o marido tuberculoso – a bordadeira recusou-se a fazer a blusa porque não gostava de ponto de cruz!

Saiu afrontada e perplexa, com a liberdade da bordadeira. Sentia-se tão suja pelo calor da manhã. Um de seus prazeres era o de pensar que sempre, desde pequena, fora muito limpa.

Em casa almoçou e deitou-se no quarto meio escurecido, cheia de pensamentos maduros e sem amargura. Oh, por uma vez ao menos não sentia nada. Senão essa espera. Na meia escuridão.

Por JEANE TERTULIANO

 

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