PROSA POÉTICA – A Prosa Poética Edição Mar/Abr 2025

PROSA POÉTICA – A Prosa Poética Edição Mar/Abr 2025

Escrever prosa poética é habitar a linha tênue entre a exatidão da prosa e o delírio do verso. É esculpir palavras como quem talha vento, como quem tece luz. Um equilíbrio raro, onde a narrativa se permite lirismo sem perder o pulso, e a poesia encontra abrigo na cadência do contar.

Clarice Lispector fez dessa fusão um território seu — um mistério desdobrado em frases que respiram, que sangram, que sussurram verdades incômodas. Ser mulher, para ela, era um ofício de coragem; um desafio de se reconhecer no espelho, de se afirmar além das sombras. E escrever era sua forma de existir plenamente, de diluir-se no mundo sem nunca se perder.

A prosa poética exige do escritor mais do que palavras — pede ritmo, pede alma. Não precisa rimar, mas deve dançar. Precisa pulsar no compasso do coração de quem lê. Assonâncias e aliterações criam melodias invisíveis, conduzindo o olhar como se fosse um rio. Metáforas são chaves que destrancam realidades novas. Sinestesias convidam a sentir o gosto das cores, o peso do silêncio.

Para quem busca um tom mais direto, a poesia ainda pode estar ali, camuflada nas entrelinhas, na ironia que ilumina, na antítese que fere, na gradação que arrasta o pensamento para um ápice inesperado. A língua portuguesa, vasta como um oceano, permite naufrágios e resgates, desvios e descobertas — e o escritor é um navegante da própria linguagem.

Escrever é mais do que dizer: é tocar. Tocar na essência, na pele daquilo que escapa. A palavra, quando bem lançada, é um voo, um eco, uma peleja entre o efêmero e o eterno. E a prosa poética é esse abraço raro entre o conto e o canto, onde o mundo cabe inteiro num sopro de palavras.

 

O Cego e a Dançarina

Clarice Lispector

 

Na rua me pediram dinheiro. Dei. Depois é que vi que era um cego. Ele disse muito obrigado. Eu é que agradeci. O quê? Não sei. Agradeci.

Numa esquina uma moça esperava. Era linda como uma dançarina. O sinal abriu. A moça atravessou a rua e vi que ela era coxa.

O cego dançava.

Por JEANE TERTULIANO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo