RECANTO DAS CULTURAS TRADICIONAIS – Tecnologias avançadas na proteção do patrimônio cultural em áreas de conflito

RECANTO DAS CULTURAS TRADICIONAIS – Tecnologias avançadas na proteção do patrimônio cultural em áreas de conflito

Introdução

Imagem de Neven Divkovic por Pixabay

 

Desde a antiguidade até nossos dias, os patrimônios culturais dos povos são constituídos pelos bens culturais e naturais em sentido amplo. Estudos antropológicos registram serem os bens culturais que permitem aos indivíduos compreenderem sua identidade individual e coletiva e que devem ser preservados para conhecimento das futuras gerações. Eles possuem valor e podem ser preservados em suportes físicos quando considerados bens materiais, e pela tradição oral que lhes conferem imaterialidade. Ambos são determinantes para a construção social e função cultural de cada grupo social. A ideia de bens culturais é associada ao conceito de diversidade e isso deixa passível sua submissão a diferentes tipos de regimes e de proteção distintas, qualquer que seja sua origem. Bens culturais são muito mais do que objetos físicos ou estruturas imponentes, eles representam as conexões profundas que ligam diferentes povos por meio de suas histórias, tradições e expressões artísticas. Esses patrimônios — sejam materiais, como monumentos e artefatos, ou imateriais, como línguas, danças e festivais — carregam a essência das identidades culturais e atuam como pontes entre gerações e nações.

Ao longo da história das civilizações, é possível mapear grandes destruições de elementos do patrimônio cultural em situações de conflitos, o que gerou uma mobilização internacional para salvar diversos patrimônios nas diversas zonas de conflito. Alguns exemplos mais contundentes foram: a Convenção da Haia de 1954 e seus protocolos, criados para proteger patrimônios culturais em tempos de conflito. Foi criada após a Segunda Guerra Mundial, quando inúmeras obras de arte, monumentos e bibliotecas foram destruídas; a Convenção da UNESCO (1970); essa convenção combate o tráfico ilícito de bens culturais, que muitas vezes é impulsionado por conflitos armados. Ela incentiva os países a colaborarem na recuperação e devolução de artefatos roubados às devidas autoridades; o Tribunal Penal Internacional (TPI) que reconhece a destruição intencional de patrimônios culturais como um crime de guerra dentre outras convenções e protocolos. Em 2016, o tribunal condenou Ahmad al-Faqi al-Mahdi por destruir santuários históricos em Timbuktu, no Mali, marcando um precedente jurídico importante.

 

A destruição cultural em Zonas de Guerra

 

Uma das consequências mais graves da destruição cultural em zonas de guerra é o fato dessas heranças deliberadamente destruídas, causarem impactos importantes que transcendem gerações, por prejudicarem a capacidade de povos inteiros para reconstruirem suas histórias e suas identidades após o fim dos conflitos. Em muitos contextos, esta prática destrutiva é intencional e usada como estratégia para enfraquecer as possíveis resistências culturais pela tentativa recorrente de apagar memórias e subjugar populações. É uma tragédia que transcende a perda material. Os monumentos, museus, manuscritos e locais históricos carregam a identidade, a memória coletiva e o patrimônio cultural de comunidades e nações inteiras. Um triste exemplo a ser lembrado foi a destruição de Palmyra, na Síria, pelo grupo “Estado Islâmico”. O saque de bibliotecas e arquivos históricos demonstra como a guerra pode ser direcionada contra a cultura de forma estratégica e brutal.

 

Podemos inferir que o impacto da destruição de bens culturais, em zonas de guerra, vai além das fronteiras nacionais, pois na grande maioria das vezes esses bens pertencem, de certo modo, a toda a humanidade. Sua perda impede futuros estudos, conexões interculturais e o fortalecimento de identidades globais. É nesse sentido que a proteção de bens culturais em zonas de guerra exige colaboração internacional, educação sobre seu valor e o fortalecimento de mecanismos que possam responsabilizar culpados. Resgatar e preservar as memórias destruídas necessita de um esforço coletivo por preservação e respeito às diversidades culturais.

 

Conexões culturais e a proteção de bens culturais: um vínculo essencial para a preservação da humanidade

 

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

 

Os bens culturais de cada Nação são muito mais que imponentes estruturas e objetos físicos, eles em realidade representam as conexões que ligam diferentes povos por meio de suas histórias, tradições e expressões artísticas como línguas, e danças. Essas tradições carregam em si elementos que constroem pontes entre gerações e nações. A preservação e proteção desses elementos como ferramentas para o diálogo intercultural, a construção de laços entre comunidades e a promoção da paz é de suma relevância.

Conflitos armados e desastres naturais representam ameaças constantes a esses bens, mas, muitas vezes, as conexões culturais podem desempenhar um papel fundamental em sua salvaguarda. Um exemplo a ser lembrado foi um evento durante a guerra nos Bálcãs (1991–1995), com a destruição da Ponte de Mostar, um símbolo de conexão cultural e religiosa na Bósnia e Herzegovina, que chamou atenção global. Após o conflito, a ponte foi reconstruída em cooperação internacional, destacando a força das redes culturais globais. Outro exemplo relevante foi no Afeganistão, os esforços para proteger os Budas de Bamiyan, destruídos pelo Talibã em 2001. O processo de diálogo gerou ações de reconstrução lideradas por especialistas locais e internacionais, enfatizando a relevância de parcerias globais.

 

As tecnologias a serviço da proteção e preservação de bens culturais em risco

 

São muitas as iniciativas globais que utilizam tecnologias modernas para mapear, monitorar e reconstruir patrimônios, culturas em risco, o que mostra que as parcerias são ampliadas com uso de tecnologias digitais. Mostraremos algumas das mais importantes neste contexto atual. A Digitalização a Laser (LiDAR); Drones e Captura Aérea; Realidade Virtual (VR) e Realidade Aumentada (AR); Modelagem e Processamento de Dados em 3D, Banco de Dados em Nuvem, Impressão 3D são exemplos de aplicações para a preservação de patrimônios culturais.

O Google Arts & Culture: digitaliza patrimônios culturais em risco, permitindo que pessoas do mundo todo acessem museus, monumentos e obras de arte online, como o Museu Nacional do Brasil, devastado por incêndio em 2018.

 A CyArk: uma organização sem fins lucrativos fundada em 2003, dedicada à preservação digital de patrimônios culturais ameaçados ao redor do mundo. Usando tecnologias avançadas de digitalização a laser, drones, fotografia de alta resolução e modelagem 3D, a organização cria réplicas digitais detalhadas de locais históricos. Esses registros não apenas preservam as informações sobre os locais, mas também possibilitam sua reconstrução no caso de destruição. A equipe utiliza scanners a laser para captar a estrutura e a textura dos monumentos em detalhes precisos. Isso inclui cada curva, fissura ou ornamento. Imagens de drones complementam os dados, fornecendo uma visão geral do local em seu contexto geográfico. Os dados são processados para criar modelos 3D interativos e extremamente fiéis à realidade. Os modelos 3D são arquivados em plataformas seguras e compartilhados com governos, pesquisadores, museus e comunidades locais. Isso garante que, mesmo que o local físico seja perdido, sua memória cultural e arquitetônica permaneça. CyArk torna esses modelos disponíveis gratuitamente em sua plataforma online, promovendo a educação e o turismo virtual, como Palmyra, na Síria. Mesmo que não seja possível visitar fisicamente locais como Palmyra, o trabalho da CyArk permite que qualquer pessoa explore esses locais online, promovendo a consciência sobre sua importância.

Outra tecnologia importante é a Inteligência Artificial (IA) na preservação de bens culturais. A IA é usada para rastrear artefatos roubados e combater o tráfico ilegal de bens culturais. Algoritmos de machine learning analisam padrões de venda e movimentos suspeitos e para comparar imagens de artefatos com bases de dados de bens roubados, auxiliando na recuperação de peças desaparecidas. Mediante redes neurais a IA permite a reconstrução digital de patrimônios culturais danificados ou destruídos, utilizando algoritmos avançados que combinam dados históricos, fotografias e registros arquitetônicos e monitorar patrimônios culturais para identificar sinais precoces de deterioração ou ameaças ambientais entre outras funcionalidades.

 

Considerações finais

 

Quando as heranças culturais do inimigo são deliberadamente destruídas pelo vandalismo e a pilhagem em grande escala que ocorrem em tempos de conflito armado, estes atos ferem diretamente a identidade e a história dos povos, rompendo laços históricos e comprometendo a essência da dignidade da pessoa humana.

As guerras que eclodiram recentemente no mundo colocam em evidência devastações de patrimônios culturais de várias civilizações. A Síria, o Afeganistão e o Iraque constituem exemplos para se refletir sobre a crise da sociedade internacional na proteção dos patrimônios culturais da humanidade. Quando a guerra se torna instrumento de aniquilamento da cultura de um povo, os esforços de proteção devem transcender as fronteiras nacionais para se tornarem um problema comum que envolve mobilizações das comunidades e das organizações internacionais. O exemplo da França e dos Emirados Árabes Unidos, na criação de um fundo que financia projetos de conservação e reconstrução em zonas de guerra, como no Iraque e no Mali, é espelho de que é possível realizar parcerias neste sentido.

A mobilização do uso das tecnologias digitais avançadas se transforma em armas poderosas para mapear, monitorar e reconstruir bens culturais destruídos. A preservação digital de patrimônios culturais, além de preservar informações sobre os locais, possibilita sua reconstrução no caso de destruição. Fotografias de satélites, drones e scanners capturam o estado atual das ruínas, propiciando projetos de reconstrução, pois a digitalização permite salvar informações para projetos de restauração.

A Inteligência Artificial, por exemplo, possui um enorme potencial para preservar e democratizar o acesso ao patrimônio cultural, garantindo que as gerações futuras possam aprender, se conectar e valorizar a rica diversidade de nossa história global.

Por EDNA BRENNAND

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