“Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações”.
(Fernando Pessoa)
Imagem de Leuchitturm81 por Pixabay
Fernando Pessoa nos traz uma linda definição sobre o mar de possibilidades que a escrita nos oferece. É algo transcendente, libertador e acalentador. Se há algo que afirmo, sem medo de errar, é que escrever torna possível a abertura de espaços para sentimentos cuja voz não é capaz de expressar de forma eloquente. A escrita grita o que a voz cala!
Muitos se perguntam o que leva um poeta a escrever. Posso dizer que não é, necessariamente, a gana por ser lido. Claro que também é algo importante, mas os poetas tendem a deduzir que poucos são os que se dispõem a ler os frutos de seus devaneios. Eu mesma tenho plena consciência que, ainda que estejamos em uma época de divulgação em massa de forma eletrônica, poucos se permitirão ser tocados por aquilo que escrevo.
Então, por que continuar a escrever? Digo-lhes: escrevo pelo fato de que isso me faz bem e me traz uma sensação de liberdade. Parafraseando Fernando Pessoa, sinto aliviar a febre do sentir que tanto me habita. Extravaso palavras e transfiro sentimentos ao papel, como um escape que permite tornar mais nítido e organizado o sentimento dantes aprisionado. Escrevo porque é através da escrita que me faço ouvida. É o momento que a minha voz se sobrepõe, mesmo sem pronunciar uma única palavra. É o que permite que me escutem pelos olhos e que me vejam pelo coração. Como é poderoso o simples fato de ser alocado em letras, palavras, versos… Talvez nem tão simples assim!
“Meu desejo seria escrever todo dia, porém, muitas vezes, a plenitude de um pensamento, de uma expressão, de algo que sai de uma maneira muito tumultuosa de minha própria inspiração, usando uma palavra antiquada, me deixa ou satisfeito ou exausto ou vazio.”
(Pablo Neruda)
Que poder é esse que a escrita transborda? Como explicar toda essa evasão de sentimentos articuladamente postos em vocábulos projetados, muitas vezes, em um mero pedaço de papel?
Imagem de Monfocus por Pixabay
“Porque a criação só pode encontrar seu acabamento na leitura; porque o artista deve confiar a outro a tarefa de concluir o que ele começou; porque somente através da consciência é que ele pode se ter como essencial a sua obra e toda obra literária é um apelo. Escrever é apelar ao leitor para que ele faça passar à existência objetiva o descobrimento que empreendi por meio da linguagem.”
(Jean-Paul Sartre)
Jean-Paul Sartre nos leva a refletir sobre isso. Compilo-me a entender que alguns sentimentos antes privativamente existentes nos poetas ganham forma e passam a ser contemplados no mundo real a partir do que é escrito. E como é infindável as maneiras de se fazer existir! Um sentir de foro íntimo, ao ser expresso, traz uma infinidade de percepções e interpretações. É como se o poeta trouxesse à existência vários descendentes de sua criação, municiando o leitor de possibilidades de oferecer continuidade às suas concepções iniciais. E, assim, um sentimento, antes detido em um, torna-se livre, mutável, absorvido e expandido por tantos outros.
Ainda sob o viés da multiplicação de sentimentos e significados a partir daquilo que é escrito, saliento o quanto é gratificante àquele que se põe a escrever o recebimento de retornos por parte de tantos leitores cujos corações foram atingidos. Particularmente, ao criar um perfil literário, almejava transcender meus sentimentos e reflexões para além do que cabia em mim. Aos primeiros feedbacks, pude ter certeza sobre o quão é libertador o ato de escrever. E a liberdade se estende por todos aqueles que se dispõem a ler e a ofertarem seus corações para o recebimento do toque das palavras do poeta. Tal fato se traduz em um ato libertador – a nos libertar da dor – do sentir outrora aprisionado.
Por LILIAN BARBOSA